Na ausência de nosso Presidente, coube-me apresentar, em nome do Comitê Central do PCdoB, a seguinte despedida ao nosso querido camarada João Amazonas:A primeira sensação, João, que sentimos após seu desaparecimento, foi daquele vazio imenso pela sua ausência, a sensação de tripulantes que de repente vêem seu barco desancorado. Mas você foi um vitorioso.

“Semeou dragões” e deixou seu contingente bem norteado.Seu legado é monumental: um Partido implantado no Brasil inteiro, com uma tradição de 80 anos, comprometido com o objetivo grandioso do socialismo, apetrechado com uma ideologia não dogmática, com a mística do combatente indomável, tenaz, corajoso e criativo.

Você nos mostrou o quanto pode agigantar-se a ação de uma pessoa convicta de sua missão e firme em seus princípios. E quanto essa base sólida pode inspirar meios flexíveis de ação, adaptados às circunstâncias.

Sua inteligência brilhante, sua estupenda acuidade descobria veredas impensadas, descortinava horizontes surpreendentes, desanuviava realidades embaçadas. E com simplicidade, através de formulações precisas e raciocínios engenhosos, você nos ensinava. E como nos ensinou. Mas nos ensinou mais com o exemplo do que com a palavra.Seu exemplo irradiava lições pródigas. Você se doava à causa por inteiro e o tempo todo.

E fazia isso com total naturalidade e despojamento. Aprendizes esforçados, nós fomos percebendo que “doar-se”, para você, não era bem uma qualidade, ou uma atitude, mas um instinto.Fazer análises concretas das situações concretas era sua obstinação.

E com que rapidez e decisão você punha de lado formas que foram justas — e que você as tinha defendido —, logo que percebia que mudara a situação. Os raciocínios mais conservadores, mais lentos, dogmáticos ou esquemáticos, tinham dificuldade em acompanhar as mudanças que você fazia acompanhando as mudanças da vida.

Foi assim que você propôs e organizou a guerrilha do Araguaia, não como algo intrínseco à luta pelo socialismo, mas como resposta conjuntural ao cerceamento completo das liberdades no Brasil.E foi assim que você se entusiasmou e se jogou na campanha pelas Diretas Já. E foi assim que você — o homem do Araguaia —, quando viu as Diretas Já derrotadas, saiu célere e foi a Belo Horizonte dizer a Tancredo Neves que o justo, naquela nova situação, seria renunciar ao governo de Minas e ir ao Colégio Eleitoral para lá vencer, acabar com o próprio Colégio e encerrar aquele ciclo ditatorial em nosso país.Sua bandeira, sempre alteada, era a bandeira da classe operária, do socialismo, com o qual nunca transgrediu, mas o situou como construção histórica, sujeito às vicissitudes do tempo e do espaço. Como foi decisiva sua contribuição, João, quando o socialismo entrou em crise e soçobrou a experiência soviética. Símbolos, cor e nomes foram sendo mudados em diferentes países, e você segurou nossos símbolos, cor e nome.

Mostrou-nos que sucumbira uma experiência socialista, não o socialismo. E acentuou que, diferentemente do que outrora se pensava, não há modelos socialistas a serem importados, há etapas em sua construção, e haverá sim, no Brasil, um caminho brasileiro para o socialismo.Você via a conexão entre o ideal internacionalista e a defesa e a democratização da Nação.

Contribuiu, assim, sobremaneira, para infundir em todos nós a importância decisiva da defesa da Nação brasileira, de sua soberania, especialmente vilipendiada na fase neoliberal que ultimamente vivemos. E foi assim que fomos construindo um Partido que, sendo comunista, não abria mão da defesa nacional em todos os seus aspectos, econômico, cultural, patrimonial e territorial.Você nos deixa agora, João. Consternados ficamos todos.

Edíria, a companheira de sua vida, os outros familiares, seus amigos, seus camaradas.Sentimos que, inspirando-se em Marx, você nos olha e com seu dedo indicador nos diz: “uni-vos”. E quanta coisa encerra este seu “uni-vos”.

Para uns, é a convocação para a unidade nacional e popular, para se viabilizar a reconstrução que você tanto sonhou de seu país; para outros, para nós do seu partido, “uni-vos” é para defender e desenvolver o seu PCdoB.Seus ensinamentos e seu exemplo de bravura, e também de candura, são de todo o povo brasileiro, do qual você é filho dileto. São heranças preciosas, exemplos, diretivas, reflexões.No que nos diz respeito, João, a nós do seu PCdoB, tudo é desafio e exigência de compromisso. Pois bem.

Nós lhe prometemos que haveremos de tudo fazer para sermos seus dignos seguidores, camarada João Amazonas.Sua última vontade, que você deixou expressa em bilhete redigido com letras já trêmulas, será cumprida. Você desejou ser cremado. E escreveu: “As cinzas devem ser espalhadas na região do Araguaia, onde houve a guerrilha.

É uma forma de juntar-me aos que lá tombaram.”Adeus, Amazonas.* Haroldo Lima é líder do PCdoB na Câmara dos Deputados e vice-presidente nacional do Partido. O pronunciamento acima foi feito no final da cerimônia de sepultamento, por volta das 16h do dia 28/5, no hall monumental da Assembléia Legislativa de São Paulo.