Você acha que esse debate que ocorreu aqui sobre a questão do movimento negro teve os resultados que se almejava?

Primeiro, uma Conferência é um momento muito importante porque precisa fazer o debate. E esta conferência demonstra que não existe equidade de gênero, masculino e feminino. Agora, também é necessário perceber que existe uma diferença, existe um corte nas questões de mulheres não negras e mulheres negras. Não fomos nós que dissemos isso. Qualquer índice, qualquer resultado que se busque no IBGE, no Ipea etc. se observa que existe uma estratificação, que passa pela questão de gênero, que passa pela questão de classe, que tem um conteúdo histórico, que tem uma resposta, ou uma consequência, socioeconômica que ajuda a manter o status quo. Então, foi cabível fazer o debate sim. Existe uma diferenciação, o Partido mesmo mostrou a sua concepção, a sua formação. No campo dos gêneros as mulheres são maioria, dentro do Partido. E dessa maioria, as mulheres negras são maioria, 53%.

Por que você acha que esse documento chegou aqui com essa lacuna?

Não acho que é uma lacuna. O Partido percebe que existem as diferenças e vem querendo comprovar que elas existem. Não chegou a tempo o documento, infelizmente. Isso acontece conosco ainda. Mas foi uma demonstração de respeito o Partido divulgá-lo. Ele pesquisou, quis saber o perfil. Por quê? Porque eu entendo que isso demonstra interesse em fazer uma mudança de hábito, de costume, na relação política, na construção política, na formulação política. Entendo como um aceno, como um gesto muito positivo do Partido.

Não há, digamos assim, uma pressão inconsciente da questão que existe na sociedade, essa intolerância racial, influenciando o debate no Partido?

Não. Essa pressão não é tão inconsciente não. Existe um conhecimento e um reconhecimento de que esse tipo de discriminação, ainda que velado, não se sustenta mais. Existe uma percepção, um sentimento. E isso é resultado de uma política macro, que foi a política do governo Lula, de que se há inclusão a sociedade responde melhor, o resultado é melhor para todos. Não estamos tirando espaço de nenhum segmento. Quem vai se incomodar com isso é a classe dominante, que, aí sim, mexe de fato com ela. Porque essa é uma mobilidade que não é apenas social, mas cultural, histórica, uma mobilidade que dá consequência para as gerações futuras.

Você acha que esse documento da Conferência dá conta da diversidade que existe, por exemplo, racial, homofóbica etc.?

Não, não dá não. Nós estamos iniciando. O Partido, na sua II Conferência, presenciou uma pouco dessa polêmica – não chegou a ser polêmica – que nós tratamos muito bem. Tanto nós que atuamos no movimento antirracismo quanto as demais companheiras. O Partido consegue dizer que existe racismo. O Partido não consegue formular as diferenças entre os gêneros no seu documento. Ainda não tem essa maturidade. Ele está buscando, esse é o gesto. Está buscando ter essa maturidade, está buscando ter esse compromisso. Mas esse reconhecimento está chegando. Então, naturalmente o documento vai ser consequência da consciência que existir naquele momento. Por isso, ainda vai sair com deficiência. Mas está se buscando. Isso é bacana.

E a mulher trabalhadora, a da outra frente em que você atua, a sindical, está bem contemplada no documento?

Essa é outra coisa da qual o documento não fala. O documento não falou de coisas que são substanciais. Coisas que são de verdade. Nós mulheres negras existimos. Nós mulheres negras somos chefes de família. Nós mulheres negras trabalhamos. Existe uma intervenção de uma companheira estudiosa, incrível, respeitada, na qual ela fala que a questão econômica tem que sair de cena. Se sair de cena a questão econômica entra o quê? A nossa luta não é de classe? A questão de classe não passa pelas bases econômicas?

Mas é isso, é a luta também que nós fazemos no campo da ideia com a academia. Porque às vezes nos afastamos da academia, que é um erro. Nós precisamos do mundo acadêmico. E a academia se afasta da luta real de classes, e “viaja”. É uma coisa que tem que ser conjunta. Então, para mim, mulher negra, chefe de família, graças a Deus e a mim, mãe solteira, estudiosa, estou fazendo meu mestrado.

Eu não tenho dupla jornada. Não quero nem saber quantas eu tenho porque se não fico cansada. Então, existe o mundo real. Acho que o Partido está começando a perceber esse mundo real, que é onde a sua militância vive, atua. Um espaço que não é virtual. Não é só no conceito, ou na concepção política. Estou gostando. Acho que tem avanços. O Partido está tendo um comportamento muito bacana.