O futebol não é apenas um esporte e um jogo. É também uma aula de história e geografia, uma oportunidade para o comportamento humano. Com essas palavras, o ministro do Esporte, Aldo Rebelo, expressou a homenagem que jogadores do Brasil e da ex-Tchecoslováquia receberam na manhã da segunda-feira (25) durante a solenidade de abertura da exposição “Cinquentenário da Copa do Mundo de 1962”, no auditório Simón Bolívar do Memorial da América Latina, na cidade de São Paulo. “Esse é um momento de celebração e agradecimento por tudo que vocês fizeram e pelo que continuam a representar”, disse o ministro aos jogadores das duas seleções que disputaram a final (vencida pelo Brasil por 3 a 1). Na ocasião, o Ministério do Esporte lançou o livro Chile 62 – 50 anos, uma edição comemorativa do Mundial de 1962. A publicação tem versões em português, inglês, espanhol e tcheco.
Delegação da ex-Tchecoslováquia
A exposição (uma parceria do Ministério do Esporte com o Ministério das Relações Exteriores, Memorial da América Latina, governo do Estado de São Paulo, prefeitura da cidade de São Paulo, Fundação Padre Anchieta e Confederação Brasileira de Futebol, CBF), que vai até 8 de julho e será aberta ao público a partir da terça-feira (26), das 9h às 18h, conta com painéis de fotos de quatro metros de altura com momentos históricos de todos os jogos do Brasil na Copa do Chile, textos e súmulas das partidas, camisas de jogadores e material da época. Outros destaques do evento são a exibição de réplica da taça Jules Rimet e a veiculação do vídeo completo da final de 1962, cedido pela embaixada da República Tcheca, além de imagens de gols e bastidores da seleção brasileira, cedidos pela Fundação Padre Anchieta.
Gilmar, Mengálvio, Coutinho, Zagalo, Djalma Santos, Pepe e Jair da Costa
Os jogadores brasileiros homenageados foram Pepe, Zagallo, Amarildo, Bellini, Coutinho, Djalma Santos, Gilmar dos Santos Neves, Jair da Costa, Jair Marinho, Mengálvio e Nílton Santos (outros homenageados não puderam estar presentes devido ao tempo fechado que impediu o pouso de aeronaves na capital paulista). Os tchecos são Josef Masopust, Jiří Tichý, Josef Jelínek, Václav Mašek e Jozef Štibrányi. Antes do evento de abertura, os ex-jogadores europeus cumpriram agenda no fim de semana. No sábado (23), visitaram o Museu do Futebol, no Estádio do Pacaembu. No domingo (24), voltaram ao estádio municipal paulistano para assistir ao clássico entre Corinthians e Palmeiras, pelo Campeonato Brasileiro (vencido pelos corinthianos por 2 a 1).
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Em sua saudação, o jogador Tcheco Josef Masopust elogiou o futebol brasileiro, segundo ele uma referência mundial, e lembrou a contribuição da seleção do seu país para o brilho da seleção brasileira em 1962. Também saudou o evento o chefe da delegação da ex-Tchecoslováquia.
Terremotos no Chile
José Macia, o Pepe, famoso ponta-esquerda do Santos Futebol Clube conhecido como “Canhão da Vila” pela potência do chute com a perna esquerda, disse que a homenagem aos jogadores brasileiros estava abrilhantada pela presença de jogadores da ex-Tchecoslováquia — segundo ele uma seleção brilhante que ofereceu uma grande resistência na final de 1962. “É uma alegria muito grande estarmos todos juntos aqui festejando essa conquista”, afirmou. Andrés Sánchez, diretor de seleções da CBF, representando o presidente da entidade José Maria Marin, pediu ajuda ao ministro Aldo Rebelo para dar uma vida melhor aos ex-atletas. O representante da CBF afirmou que 90% dos jogadores de futebol no Brasil não ganham dois salários mínimos.
O cônsul do Consulado-Geral da República do Chile em São Paulo, Hernán Bascuñán, citou as dificuldades para se organizar um evento da magnitude da Copa do Mundo para lembrar que seu país passou por dois terremotos, nos dias 21 e 22 de maio de 1960, que mataram mais de 5 mil pessoas e puseram em dúvida a possibilidade de se organizar um Mundial apenas dois anos depois. Representando o embaixador da República Tcheca, Ivan Jančárek, o cônsul Viktor Dolista agradeceu ao ministro Aldo Rebelo o convite para os ex-jogadores tchecos e destacou que a Copa de 1962 foi o sucesso futebolístico mais importante do país. Apesar da derrota na final, disse o cônsul, os jogadores foram recebidos como verdadeiros heróis pelo povo tchecoslovaco.
O embaixador da República Eslovaca, Milan Cigan, disse que a paixão pelo futebol dos dois povos ali representados era a mesma de 1962 e citou nomes de jogadores brasileiros que faziam tremer as pernas dos adversários. O alto nível da seleção do seu país naquela Copa, afirmou o embaixador, principalmente o preparo físico, não permitiu que o time passasse vergonha.
Homem extraordinário
Representando o governador paulista Geraldo Alckmin, o secretário de Esporte Benedito Fernandes saudou o evento e fez referências às dificuldades que o país enfrentou para participar da Copa de 1962. O prefeito paulistano, Gilberto Kassab, agradeceu ao governo federal, na pessoa do ministro Aldo Rebelo, pela oportunidade de relembrar um bom momento do país. Segundo ele, o futebol, como paixão dos brasileiros, está perto de concretizar um grande sonho, que é a realização da Copa do Mundo de 2014.
Aldo Rebelo lembrou o episódio em que Josef Masopust, no primeiro jogo quando Pelé se machucou com seriedade, percebeu a gravidade do lance e parou para que o Rei do Futebol fizesse o passe. “Eles não tinham apenas uma grande seleção. Eles tinham também um atleta de extraordinária ética e um homem extraordinário, que está aqui conosco. Que deu ao futebol mundial, não apenas o seu talento, mas também o seu comportamento ético dentro do campo como atleta. Ao respeitar a contusão de Pelé, que quase não podia jogar, mas não havia substituição, Masopust criou para o mundo a referência de que o futebol não é apenas um jogo; é uma oportunidade também para o comportamento humano. Que esse momento seja, portanto, de celebração e de agradecimento por tudo o que vocês fizeram, mas acima de tudo pelo que continuam a representar”, disse o ministro.
Josef Masopust comentou o fato em entrevista. “Vi que o Pelé recebeu a bola na direita do campo e corri até ele, mas quando percebi que o brasileiro estava machucado, brequei a dois metros e esperei ele fazer o passe”, lembrou. “Sempre defendi o fair play no esporte”, disse ele. Quando soube que seu ato foi descrito pelo poeta Tiago de Mello como “o maior gesto de solidariedade que ele já presenciou” e que essa história é usada como exemplo de civilidade no Brasil, os olhos de Masopust encheram-se de lágrimas. Ele é, até hoje, uma figura de grande respeitabilidade. Em seu país foi criada uma Associação de Amigos do Masopust.
Momentos sublimes
Também em entrevista, Zagalo comentou o episódio. “Me lembro perfeitamente. Ali balançou as coisas, porque era o melhor jogador do mundo saindo do time, pela contusão grave que ele teve, mas felizmente o Amarildo entrou no lugar e deu conta do recado”, comentou. Aldo Rebelo se integrou à conversa e lembrou que Zagalo criou o sistema 4, 3, 3 na Suécia, na Copa de 1958. “O Zagalo foi escolhido um dos jogadores mais inteligentes da Copa de 1962, foi o técnico da seleção tri-campeã em 1970 e, além de um grande jogador, é um patriota, um homem que ama o Brasil e isso nos dá muito orgulho. Eu aprendi o nome de Zagalo muito antes de aprender os nomes dos meus parentes. Porque a minha mãe em 1962 sabia de cor o nome de todos os jogadores e tinha uma música com um verso que dizia o seguinte: ‘Zagalo na Europa e a Copa vem para cá’. Então, é uma figura familiar. Temos que ter, além da gratidão, o carinho e o reconhecimento para elevá-lo à altura dos grandes brasileiros que ajudam a construir a imagem do nosso país”, disse o ministro.
Em entrevista, Aldo Rebelo disse que o Ministério do Esporte pretende levar a exposição para outras localidades do país. “O Ministério do Esporte valoriza, como referência e como exemplo, esses momentos sublimes, não apenas do futebol, mas do esporte nacional. Então, é sempre bom relembrar, para que a memória continue a homenagear as realizações dos nossos atletas”, afirmou.
Gilmar Tadeu, secretário especial de Articulação para a Copa 2014 da prefeitura de São Paulo, disse que o evento de inauguração da exposição ajuda a preparar o clima para a Copa de 2014. “Relembrando os ídolos e o futebol que jogamos em 1962 e em outras Copas, ajuda na nossa preparação. Aqui em São Paulo temos uma grande responsabilidade, que é abrir a Copa, e esses exemplos são de grande valor para que a gente prepare a Copa com calor humano e empolgação”, afirmou. Segundo ele, o momento que o país vive ajuda nesse clima. “A Copa do Mundo vai reforçar ainda mais, politicamente, o Brasil no cenário internacional”, disse ele.