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    Comunicação

    Tragédia grega: povo paga alto preço pela crise

    A tragédia da Troika: já nem os gregos conhecem a Grécia Desde que os apátridas das pastas negras chegaram a Atenas para governar a Grécia a rogo das organizações prestamistas europeias e mundiais o povo grego não sofre apenas a miséria social e a humilhação provocadas pelo regime de protectorado: os próprios gregos já não […]

    A tragédia da Troika: já nem os gregos conhecem a Grécia

    Desde que os apátridas das pastas negras chegaram a Atenas para governar a Grécia a rogo das organizações prestamistas europeias e mundiais o povo grego não sofre apenas a miséria social e a humilhação provocadas pelo regime de protectorado: os próprios gregos já não conhecem o seu país, tal a profundidade das mudanças comportamentais ocorridas em tão pouco tempo. A eurodeputada Marisa Matias passou os últimos dias em território grego, não apenas em Atenas; este texto reflecte as impressões que foi registando e que são comparáveis com dados e observações registadas em anteriores viagens.

    A tragédia social decorrente da aplicação cruel das medidas de austeridade impostas por Bruxelas, Berlim e o FMI através da troika é a realidade grega mais abordada durante os últimos meses, principalmente o agravamento exponencial do desemprego e a hecatombe humana resultante dos cortes de salários, subsídios, pensões sociais e agravamento das condições de reforma. Mas há também alterações culturais e de hábitos que transformam dia a dia um povo habitualmente alegre e optimista – por vezes em excesso – numa população triste e que tende a isolar-se em torno dos seus problemas de um modo que surpreende alguns. “Não entendo”, disse uma senhora num desabafo a Marisa Matias, “ninguém consegue privacidade no inferno”.

    Numa população da mesma ordem de grandeza da portuguesa são cerca de 150 mil os gregos que ficam sem emprego em cada mês que passa, o que traduz a média aterradora de cinco mil por dia, ainda assim quase dez vezes mais do que em Portugal, onde estamos bem cientes da envergadura do drama. Cinco mil novos desempregados por dia num país onde ainda existem muitas famílias numerosas é um terramoto social.

    A taxa de suicídio entre os gregos continua a aumentar e enquanto isso a venda de anti-depressivos subiu em flecha, exemplos de alterações comportamentais profundas desde a chegada dos governantes das pastas pretas.

    Agora as organizações prestamistas e os coros de xenófobos de regiões setentrionais da Europa começam a ter razão quando dizem que os gregos não pagam os impostos, mas não pelos motivos que gostam de invocar. Somam cerca de 1,8 milhões as pessoas que não conseguiram entregar as suas declarações fiscais dentro dos prazos legais. As autoridades adiaram o prazo por mais um mês mas a situação não se alterou. Quase dois milhões de gregos que cumprem habitualmente as suas obrigações fiscais não apresentaram agora declarações porque não estão em condições de pagar o que o Estado quer cobrar-lhes. Os que sempre fugiram, através dos seus paraísos próprios, magnatas da banca, da especulação financeira e da marinha mercante, esses continuam a fugir. São os mesmos que defendem a presença e a actuação da troika.

    Os novos problemas do quotidiano vão desde a degradação acelerada do sector de saúde e da segurança do consumidor aos constrangimentos sociais perante a necessidade de abdicar de actos simples que estão enraizados na cultura popular. As poupanças públicas no tratamento da água estão a fazer com que a qualidade se tenha degradado a ponto de ameaçar a saúde dos utentes. Mas vão sendo cada vez mais os que correm menos riscos de ser contaminados uma vez que não estão em condições de pagar as contas.

    Da carência ao embaraço constrangedor. Muitas são já as famílias que não conseguem acolher com comida e bebida as pessoas que vêm velar os seus mortos, como é da tradição mediterrânica até em países não directamente banhados pelo Mediterrâneo. Em numerosos casos os anfitriões já nem café conseguem oferecer. Claro que os senhores das pastas negras acharão ridículo que as pessoas se incomodem com situações tão irrelevantes para os mercados como estas.

    O mesmo acharão da cultura, não lhes interessando saber se a Grécia foi ou não a pátria do teatro. Ir ao teatro deixou de ser um hábito para os gregos, por duas razões inapeláveis. Uma delas é porque não têm dinheiro para pagar os ingressos. Mesmo que por absurdo o tivessem também não haveria teatro porque os cortes brutais na área da cultura fazem com que 95 por cento dos actores estejam no desemprego, situação que atinge o próprio Teatro Nacional e os teatros regionais.

    Os senhores das pastas pretas, como já não estranhamos, acham que a cultura devem financiar-se no privado, com fundos que sejam rentáveis graças a actividades comercializáveis. Não é difícil perceber por onde vai a qualidade dos espectáculos que ainda se vão fazendo.

    A televisão grega deixou de ter produção nacional. Sai muito mais barato importar novelas turcas, três e quatro por dia em cada canal, o que vai para lá da ironia histórica e toca em questões culturais e de hábitos. Agora, confessou uma telespectadora grega a Marisa Matias, mesmo não tendo nada contra a cultura turca “voltámos a ter como temas de horário nobre das televisões a virgindade e o casamento de raparigas pobres com homens ricos, o que não tem nada a ver com a cultura grega”. “O que estão as nossas crianças a ver?”, interroga-se a mulher. “Que as raparigas devem é arranjar um bom marido, o que é grave do ponto de vista educativo, para já não falar no feminista”.

    No âmbito dos cortes culturais, a Ópera Nacional procedeu a um despedimento colectivo. A solução sugerida aos cantores e actores desempregados já é nossa conhecida, a de que emigrem, neste caso para a vizinha Bulgária.

    Marisa Matias tem vindo a participar na Grécia na Universidade de Verão da Esquerda Europeia, organizada na zona turística de Portaria e num estabelecimento hoteleiro que poderá estar a viver os últimos dias de portas abertas. Este acontecimento que junta 450 pessoas de toda a Europa pode ser o último evento antes do encerramento.

    Um desfecho que não surpreende ninguém da região, onde as pessoas se habituaram à desertificação progressiva. De tal modo que o senhor da caixa de uma estação de serviço estranhou a passagem de autocarros cheios de gente para Portaria, um sítio onde há muito nada acontece. Ao ser informado fez um pedido: “Lutem por nós!”

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    Artigo publicado no portal do Bloco no Parlamento Europeu

    Fonte: Esquerda.net

     

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