Depoimentos reforçam suspeita de assassinato de Anísio Teixeira
O professor João Augusto de Lima Rocha, da Universidade Federal da Bahia, tornou públicos nesta sexta-feira depoimentos de pessoas que tiveram acesso privilegiado a informações do regime militar.
Os relatos reforçam a tese de que Anísio Teixeira, um dos fundadores da Universidade de Brasília, foi assassinado pela ditadura em 1971.
O professor, que é colaborador da Fundação Anísio Teixeira, na Bahia, anunciou, durante a instalação da Comissão da Verdade da UnB, três depoimentos que reforçam a suspeita e podem ajudar a esclarecer o que realmente aconteceu com um dos mais importantes educadores do país. Em entrevista à UnB Agência, João Augusto narra em detalhes o que ouviu do então governador da Bahia, Luiz Viana Filho e os médicos legistas Afrânio Coutinho e Clementino Fraga Filho.
UnB Agência – A versão oficial da morte de Anísio Teixeira é a de que teria morrido acidentalmente, após cair no fosso de um elevador. O que leva o senhor a acreditar que ele foi assassinado?
João Augusto – Anísio estava no Rio de Janeiro e era candidato a uma vaga na Academia Brasileira de Letras. Ele se preparava para visitar Aurélio Buarque de Holanda, membro da Academia, para pedir o voto dele. No dia 11 de março de 1971, quando estava a caminho do apartamento de Aurélio, Anísio desapareceu. O corpo só foi encontrado dois dias depois, no fosso do elevador do prédio onde morava Aurélio. Em dezembro de 1988, conversando com o ex-governador da Bahia Luiz Viana Filho, ele me confessou que Anísio foi preso no dia em que desapareceu. Foi levado para o quartel da Aeronáutica, em uma operação que teve como mentor o brigadeiro João Paulo Burnier, figura conhecida do regime militar e que tinha o plano de matar todos os intelectuais mais importantes do Brasil na época. Um mês antes de Anísio morrer, o ex-deputado Rubens Paiva desapareceu. Havia um plano contra os intelectuais brasileiros.
UnB Agência – O senhor gravou o depoimento do ex-governador da Bahia?
João Augusto – Não. Ele me confessou isso, me confirmou a informação da prisão de Anísio, mas não quis gravar um depoimento. Acredito que ele não tinha porque mentir pra mim. Ele era um homem do regime militar, foi governador da Bahia até o dia 15 de março de 1971, poucos dias depois da localização do corpo de Anísio. Quando Luiz Viana publicou o livro “A polêmica da educação”, eu achei que ele tornaria pública a história da prisão na Aeronáutica, mas ele não fala disso no livro (a obra foi publicada em 1990, mesmo ano que Luiz Viana morreu).
UnB Agência – Além do depoimento do ex-governador da Bahia, o senhor disse que uma necropsia no corpo de Anísio Teixeira teria comprovado a impossibilidade de ele ter morrido em decorrência da queda no fosso do elevador. Como o senhor teve acesso a essa informação?
João Augusto – Os médicos Afrânio Coutinho e Clementino Fraga Filho tiveram acesso ao corpo de Anísio devido a um engano do Exército. No dia que o corpo de Anísio foi encontrado no fosso do elevador, um oficial do Exército havia se suicidado no mesmo bairro. Quando o rabecão passou para pegar o corpo do oficial, pessoas do prédio onde Anísio foi localizado pediram que o veículo levasse o corpo de Anísio, identificado então incorretamente como um oficial do Exército. Só por isso é que houve necropsia. Se ele tivesse sido identificado corretamente, acredito que não iriam querer a avaliação do corpo.
UnB Agência – E o que os médicos falaram?
João Augusto – Que pelos ferimentos de Anísio era impossível ele ter morrido devido à queda no fosso do elevador. Ele tinha todos os ossos quebrados. Quem cai no fosso de um elevador quebra alguns ossos, mas não todos. Além disso, os óculos e a pasta de documentos de Anísio estavam perto do corpo de uma maneira que não seria possível em uma situação de queda. Parecia que alguém tinha colocado esses itens lá. O caixão de Anísio permaneceu fechado no velório. Outro fato misterioso é que o porteiro do prédio desapareceu e não foi encontrado até hoje. Leia matéria publicada pelo jornal Última Hora, em 15 de março de 1971, sobre a morte de Anísio.
UnB Agência – Os médicos também se recusaram a gravar um depoimento sobre isso?
João Augusto – Também. Afrânio (escritor e médico baiano falecido em 2000) me disse que escreveu um texto contando essa história e deixou na Academia Brasileira de Letras com a recomendação de que fosse tornado público apenas em 2021, ou seja, 50 anos após a morte de Anísio.
UnB Agência – Por quê?
João Augusto – Era uma outra época. As pessoas tinham medo de falar. A própria família de Anísio tinha receio. A esposa dele já faleceu, mas os filhos de Anísio querem reaver essa história agora. Clementino é o único dos que me deram esses depoimentos que permanece vivo. Ele está com 94 anos. Vou tentar convencê-lo a falar publicamente sobre o que ele me disse.
UnB Agência – Qual a razão do senhor apresentar esse assunto agora, já que tem essas informações há mais de 20 anos?
João Augusto – Eu só queria ter tornado isso público quando tivesse provas para apresentar, mas o que tenho são depoimentos que me foram dados, mas não gravados. Resolvi falar disso porque achei o momento propício. A Comissão da Verdade da UnB, agora instalada, pode ajudar a esclarecer essa história. Além do mais, não quero correr o risco de morrer sem ter falado publicamente do que eu ouvi sobre a morte de Anísio.
Fonte: UnB Agência