Os “contra poderes”: agricultura familiar – canonização do camponês; movimentos “sociais”; políticas públicas focadas; lutas das minorias;  multiculturalismo; gêneros; trabalhadores e trabalhadoras no lugar da classe operária; credo na benevolência humana; paz e esperança que “um novo mundo é possível”; “o agronegócio é deletério a saúde humana”; “o capital financeiro é coisa de imperialismo”, “ o capitalismo não é um salto civilizacional” e que os únicos e eficazes remédios são “consciência ambiental”, a “sustentabilidade” e destruição de tudo que foi feito até aqui. E a maioria das esquerdas do século XXI se apoderou com unhas e dentes de tal receituário infalível.

Não falo aqui no sentido filistino.

Sentimentalismos e tapeações nús. Sublevações impotentes e ineficazes. Isso nada mais é que uma contribuição para o melhoramento refinado das contradições de classe, a teatralização dos conflitos e movimentos sociais, maior largueza dos lucros dos capitalistas e a exploração requintada da mais-valia dos trabalhadores. E garantem às gerações futuras, novas e inéditas formas de misérias e higienização social via terabyte. A adesão a esse formulário representa zona sideral da total abnegação pelo fim da luta de classe. Está claro que se trata de um sintoma esquizóide maligno. Adotar esses modelos equivocados, irrealistas, significa elevar a loucura da miséria, da pauperização das dignidades do povo à “encarnação do realismo”. É um nirvana mortalmente paradoxal.

Só me resta concordar com o colosso Padre Antônio Vieira: “… destas faço aqui praça e lhas descubro todas, mostrando seus enganos como em espelhos e minhas verdades como em teatro, para fazer de tudo um mostrador certíssimo das horas, momentos e pontos em que a gazua destes piratas faz seu ofício. Não ensina ladrões o meu discurso, ainda que se intitula Arte de Furtar, ensina só a conhecê-los, para os evitar…”

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A delinquência chamada pós-modernidade tem tratado e estimulado inúmeras formas de ativismo insípido e fragmentado com o único e obstinado objetivo de exterminar  o sujeito histórico classe operária. Existe uma onda pecuniária para estandartizar a classe operária como um peça do Louvre. (Quem quiser saber mais uma dica: Quem pagou a conta? A CIA na guerra fria da cultura – de Frances Stonor Saunders, editora Record).

A maioria das esquerdas do século XXI, com a pós-modernidade até a medula, tem suas leituras do real baseadas na metafísica dos “contra-poderes”. Perdem a noção de  conjunto,  partindo do específico para o todo. Vilipendiam o processo histórico e são antagonicamente  diametral às categorias chaves do marxismo: formação social x modo de produção; forças produtivas x relações de trabalho; base econômica x superestrutura. As ideias de classes não são mais as ideias das classes dominantes? Defendem um anacronismo brilhantemente estúpido da aristocracia trabalhadora. Andam sem dimensionar profundidades e abrem mão do trabalhador puro, ou seja, aquele explorado pela mais-valia absoluta e relativa e dão margem a “biologização cultural” despertando os new adeptos do 3° Reich. Como lidar com essa “biologização” do trabalhador? Os capitalistas  não  entendem mais que o trabalhador é só um apêndice de uma máquina?

Ou não é preciso mais se preocupar com isso? Estão satisfeitos com os programas de “responsabilidade social”, “reinserção ao mercado de trabalho”, “programa de divisão de lucros”  “ética no trabalho” “recuperação de drogados”, “confraternizações de piso”, “prêmios de produtividade” , elaborados pelos departamentos de Capital Humano das multinacionais?
E os piquetes?

Nada contra as diversas formas de manifestações universais que serve de mobilização e somente só. Qual a verdadeira função de uma conferência temática, um FSM, ou um ocuppy the Wall Street? Quem participa desses movimentos acredita cabalmente que poderá, só com boa vontade e fé, acabar com a centralização de capital? Superar a ordem estabelecida ou destruir o que até aqui foi construído?  Isso curará doença sem minar os alicerces do sistema?  Ou basta acreditar nas diretrizes para os relatórios de sustentabilidade da ONU e nos vários projetos sociais executados por milhares de ONG’s que seduzem jovens “voluntários” para salvar o mundo?
Acredito articamente no que 160 anos atrás, dizia  Marx: os mortos se apoderam dos vivos.  Vale lembrar o que Ulisses fez para não cair no suave e atraente recital das sereias: amarrando-se no mastro principal de seu barco e colocando cera nos ouvidos de seus marujos. Temos que combater fielmente a “negação a estratégicas” e o endeusamento das flexões táticas, pois essas ultimas se tomaram um deus ex machina.

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O dinamismo do desenvolvimento das forças produtivas dentro do capitalismo, superam as suas próprias contradições. Exemplo: as suntuosas indústrias da reciclagem em varias matizes.
Por outro lado, a “Las Vegas” de ideias revolucionárias dos “revolucionários”, embebidos no cálice da pós-modernidade, exorcizam o “demônio” do agronegócio em detrimento da agricultura familiar. Os partidários do conhecimento pós-moderno sofrem de uma grande amnésia.

Apresentam coisas que em si mesmo, não representam nada. Colocam uma pá de cal no desenvolvimento histórico e são veementes hostis a realidade concreta. Quando usam o empirismo abstrato da agricultura familiar, lembro-me de Spinoza: “a morte era dada por aparências, pelas descrições meramente formais, as estatísticas alinhadas pelo simples prazer de manipular números, as classificações com as quais se pretendem aprisionar toda realidade”.

Projetos de ornamentos de garrafa PET e biscuit, tudo em nome da “consciência ambiental”, fazem parte do novo breviário do desenvolvimento econômico. Será que no futuro veremos carros feitos de garrafas PET nos morros do Rio de Janeiro, motores e eletrodomésticos feitos com a reciclagem do CO2, roupas feitas dos bagaços das laranjas orgânicas, tudo isso sob um ar puro e sereno das árvores que a Gisele Bündchen planta? Será que temos um futuro brilhante pela frente com as indústrias do politica e ambientalmente correto?

Lembro-me de Charles Dickens em Oliver Twist
“… senhores do júri, não há dúvida de que a garganta desse homem foi cortada, mas a culpa não é minha, a culpa é da faca. Devemos nós, por esse inconveniente temporário, abolir o uso da faca? Se os senhores abolirem a faca, estarão lançando-nos de volta nas profundezas do barbarismo”.

E se abolimos os agronegócios e voltaremos ao tempo do arado de madeira? Isso será o futuro? (Recomendo a leitura do texto de José Sidinei Gonçalves in http://www.iea.sp.gov.br/out/publicacoes/pdf/tec1-0405.pdf). 

No Brasil, esse mimetismo pós-moderno, confundem os menos atentos marxistas que vociferam que a panacéia da humanidade é o “desenvolvimento sustentável”. Isso é o fim em si mesmo. Apenas um automatismo de linguagem revolucionária. Uma verdadeira orquestração da harmonia do atraso.

Enquanto não pensarmos grande, ficando apenas na pequena produção santificada, ou seja, na reprodução simples do capital, M-D-M, da idade da pedra, seremos eternos vassalos. Divagações e adjetivações fundadas no abstrato têm além da conta. “A produção não se mede, de maneira alguma, pelo comprimento, volume ou peso do produto, mas pela utilidade que lhe foi dada”. (Jean Baptiste Say)

Depois da década de 1950, no Brasil urge a reprodução ampliada de capital. Tudo isso tem uma única forma: capital financeiro. Isso está disponível desde 1885 no segundo livro do O Capital.  A Lógica é D-M-D. O capital financeiro nacional é a grande força motriz para quebrar o cinto de castidade do desenvolvimento e a garantia intransigente da soberania nacional. Mas a ideia de capital financeiro brasileiro está pejorativamente vinculada ao imperialismo. “Tudo está organizado para que nada aconteça”.

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O diletantismo de inclinações revolucionárias e a teoria sem práxis são forma de “masturbação escolástica”, inférteis e sem consequências. A pós-modernidade mantém um sublime show de propaganda hiperbólica onde mimeticamente tudo é universalmente aceito e não precisa comprovação. Vincent Van Gogh salientava “quando um cego grita pra outro cego, os dois tropeçam na mesma pedra”.

A pós-modernidade com seus maneirismos, suas revoltantes atrocidades, seus yahoos impotentes, suas falseabilidades institucionalizadas formam uma colcha de retalhos de ideias reeditadas e judiadas. Por onde passa, deixa esqueletos dentro dos armários.

O novo é aquilo que ainda não foi feito. O desconhecido, o destemido, o medo dos fracos, a coragem dos bravos. Novas ideias são aquelas que chocam, que interpretam os esforços do passado sendo o único acesso para os “futuros esforços”. Milton Santos dizia que “não há esforço crítico sem risco”. Sem medo do pelourinho da historia e do isolamento político, é preciso buscar a verdade científica, a essência e não o sucesso efêmero da aparência. Como disse Hegel na Filosofia do Direito “a coruja de Minerva só abre as asas ao cair da noite”.

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Será que as lições históricas nunca serviram para clarificação da verdade ou iremos viver eternamente em “teatro de verdades”?

*Roberto César Cunha é geógrafo