5 – Avaliação das alterações de política e a influência do Novo-Desenvolvimentismo (continuação)

Na parte anterior desta série de artigos vimos que uma “política híbrida” – mistura de políticas macroeconômicas neoliberais com políticas contrastantes de desenvolvimento e equidade via ativismo estatal – logrou atingir um sucesso amplo e significativo. Essa resultante inesperada coloca-nos diante da necessidade de explicar por que a inflexão ocorrida a partir de 2006 alcançou resultados tão positivos.

Uma possível explicação seria que ocorreu uma suspensão momentânea dessa incompatibilidade devido a causas contingentes e exógenas à economia nacional – especificamente, a excepcional liquidez internacional no período 2003-2008. Essas circunstâncias extraordinárias teriam permitido que as medidas heterodoxas fossem absorvidas momentaneamente pelos agentes internos e externos, bloqueando a crise de desconfiança que anteciparia o seu “inevitável” impacto adverso nas contas públicas e na inflação, através da suspensão dos investimentos e da fuga de capitais. Nesse caso, a incompatibilidade voltaria a se impor quando essa conjuntura for revertida, o que é inevitável dada à natureza cíclica da economia internacional.

Como mostram Barbosa e Souza (2010), essa explicação é insuficiente, pois a política híbrida continuou a dar bons resultados mesmo quando as circunstâncias internacionais favoráveis foram abruptamente substituídas por uma grave crise, em setembro de 2008. A reação do governo à nova situação aprofundou suas políticas de estímulo à renda e à demanda, acentuando o ativismo estatal. Supostamente, essa reação não só impediu que o choque externo inviabilizasse os ganhos atingidos com a “inflexão” (como a elevação dos investimentos públicos e privados, o aumento da renda e a queda da desigualdade), como permitiu a volta ao crescimento a partir do final de 2009, em que pese – outra vez – o retorno da sobrevalorização do real e a elevação do custo fiscal da política monetária e do regime de flutuação cambial.

Outra explicação – mais abrangente que a anterior – seria que, apesar da incompatibilidade em questão ser verdadeira, sua suspensão provisória deve-se a uma singular conjunção de fatores políticos e econômicos inscritos no desenvolvimento do capitalismo brasileiro. Em primeiro lugar, não se deve subestimar a capacidade de forças políticas “alternativas” operarem apesar da ideologia hegemônica, especialmente quando a força do consenso ortodoxo está em declínio, como demonstra Bresser-Pereira (2001) (1). Essa capacidade do governo Lula de operar em oposição ao mainstream pode ter sido reforçada, a partir de 2005, pela evolução favorável da liquidez internacional e pela melhora rápida (e rara) nas condições econômicas de todas as classes sociais, em resposta às políticas do governo. Por sua vez, essa resposta rápida pode ser explicada pela existência de ganhos “potenciais de produtividade” na economia, até então não mobilizados, conforme argumentado por Barbosa e Souza (2010). Em segundo lugar, deve-se atentar para a presença singular de uma liderança política carismática e dotada de imaginação política, como Lula comprovou ao exercer o governo.

A singularidade e a complexidade da situação histórica nas quais se inserem a inflexão da política econômica também apontam para sua fragilidade. Primeiro, porque as consequências adversas das políticas neoliberais continuam a se agravar na mesma proporção em que elas obstaculizam uma maior liberdade de ação do Estado. A coexistência desses problemas com os sucessos alcançados até agora pela “inflexão” revelam a incongruência e a provisoriedade da situação atual. Segundo, a ausência da liderança carismática de Lula, a partir de 2011, e a possibilidade do governo ter que impor perdas a alguns setores sociais devido à dinâmica cíclica de uma economia capitalista periférica podem desestabilizar a base de sustentação da administração da nova presidente Dilma Roussef. Nesse caso, a incompatibilidade intrínseca da política econômica da “inflexão” voltaria a se manifestar.

Por fim, é importante considerar que a atual dinâmica global sugere que mudanças significativas estão em curso, e que podem beneficiar os chamados países emergentes periféricos. Em especial, o deslocamento do centro dinâmico do sistema capitalista para o Leste e o Sul Asiáticos pode significar uma situação estruturalmente mais favorável para o capitalismo brasileiro (e de outros “emergentes”), através de um longo período de afrouxamento da sua restrição de balanço de pagamentos. Esse efeito pode ser ainda mais acentuado, no caso brasileiro, pela descoberta recente de vastas reservas petrolíferas no litoral brasileiro, sob a plataforma continental. Isso pode ajudar a mascarar a incompatibilidade entre as políticas neoliberais e as novo-desenvolvimentistas ou, por outro lado, facilitar uma nova onda de mudanças das políticas macroeconômicas que tornem possível a ampliação dos ganhos obtidos no período 2006-10.

Notas:

(1) Para uma abordagem mais detalhada do declínio do (Pós-) Consenso de Washington, ver Fine, Lapavitsas e Pincus (2001), Jomo e Fine (2006) e Saad-Filho e Johnston (2005).