Na noite do dia 29 para a madrugada de 30 de janeiro, quarta-feira, o Estado de Israel, com quatro aviões voando abaixo do poder de captação dos radares da Síria, na fronteira com o Líbano, invadiu o espaço aéreo desse país árabe numa profundidade de 18 km, bombardeou e destruiu parcialmente as instalações do Centro de Pesquisas Militares da Síria, na cidade de Jamraya, em Qasioun, próximo de Damasco, com mísseis aéreos lançados a 22 km de distância.

Segundo declarações posteriores do Exército de Israel, o que foi atacado teria sido um comboio militar que supostamente transportava armas com destino ao Líbano e especificamente ao Hezbolláh (Partido de Deus). Prontamente desmentido tanto pelo governo sírio, quanto pelo grupo da resistência libanesa. Na verdade, foi o próprio governo da Síria que informou sobre o ataque. Israel manteve o silêncio até poucos dias, sustentando a versão de ataque a um comboio de armas destinadas ao Hezbollah no Líbano.

Cabe-nos aqui tentar analisar os desdobramentos, consequências e como as coisas se deram. Para isso, consultamos diversos artigos, páginas internacionais na Internet de linha independente, em especial especialistas como Bill Van Auken, Toni Cortalucci e Stephen Lendman, cujas referências encontram-se a seguir publicadas no canadense Global Research, dirigida pelo competente Michael Chossudóvski.

Israel envolveu-se mesmo na guerra?

Houve diversos protestos por parte da Síria. Em seguida, uma declaração dura do governo iraniano. Posteriormente da Rússia e da China, que não aceitam qualquer violação do espaço aéreo e do território da nação árabe da Síria. Até a Turquia e a Arábia Saudita, que insuflam e apoiam os que a mídia chama de “rebeldes” protestou contra a inoperância e o silêncio do sempre quieto secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon. A Liga Árabe, hoje totalmente dominada por governos antiárabes, emitiu nota de protesto contra os ataques. O moderado Egito de Morsi e da sua Irmandade, também soltou nota protestando. Jogo de cena, claro, pois essa turma que governa hoje o maior país árabe aposta tudo na deposição de Bashar Al Assad.

A ONU, cada dia mais desmoralizada por servir única e exclusivamente aos Estados Unidos, adota, como sempre, uma política de dois pesos e duas medidas. Tem sido assim na causa palestina há décadas e agora nisso que alguns autores chamam de “redesenho do Oriente Médio”. Faz vistas grossas ao total apoio em armas e dinheiro que a Arábia Saudita, Qatar e Turquia dão aos tais rebeldes que agridem a partir do exterior a nação síria e agora ensaia condenar esse mesmo país se ele reagir aos ataques israelenses.

Porque Israel faria um bombardeio dessa natureza? Alguns até da própria Síria, dizem que ela vem revidando as derrotas que vem sofrendo no campo político e militar, pois claro está que os sionistas apoiam a deposição do atual governo da Síria. Outros dizem que seria para tentar desestabilizar o governo patriótico sírio e dar maior apoio e suporte aos grupos mercenários que o combatem. Disparos vindo de Israel contra a Síria, ainda que sem invasão, vem ocorrendo há mais de sete meses. E isso esta amplamente documentado pela imprensa.

A questão central que se indaga é a seguinte: Israel atacaria sem um sinal verde da Casa Branca? Artigos de analistas que pudemos ler suas opiniões não têm a menor dúvida: Obama autorizou esse ataque ao território sírio. Ou seja, é a primeira vez que uma potência estrangeira se envolve diretamente na guerra. Ainda que saibamos que a OTAN e os EUA apoiam as agressões dos tais “rebeldes” ao governo da Síria, na verdade, esse conflito acaba sendo mascarado, encoberto. Como, pelo bloqueio firme por parte da Rússia e da China desde fevereiro de 2012, uma agressão como ocorreu na Líbia esta obstaculizada pelo CS da ONU, optou-se por financiamento a “jihadistas globais”, como vêm sendo chamados esses muçulmanos de orientação sunita, vinculados a grupos como os da Irmandade Muçulmana, Al Qaeda, Salafista (Qatar) e Wahhabitas (Arábia Saudita). Ideologicamente são grupos de extrema direita. Esses tais “jihadistas globais” são armados, financiados e treinados pela CIA e potências regionais desde 2007. Isso esta amplamente documentado na literatura política internacional.

Aqui o silêncio midiático sobre a estranha aliança entre os sionistas, os tais “terroristas” da Al Qaeda e mesmo os Estados Unidos é ensurdecedor. Aceitaram a Al Qaeda, que usa nomes diversos em vários países – na Síria chama-se Al Al-Nusra –, no último encontro dos “Amigos” da Síria que criou a Coalizão Nacional, dirigida por Moaz Al Khatib, um defensor descarado da Al Qaeda, esse agrupamento diz abertamente que quer derrubar Assad e o governo do Irã.

Obama praticamente manteve o que Bush fazia. O centro é atacar e enfraquecer os partidos e grupos de orientação xiita, fortes no Irã, Síria e Iraque, além de parte do Líbano. Por isso, a aliança com Arábia Saudita, Qatar e Turquia segue mais forte do que nunca na política externa norte-americana. Aqui entra a aliança com a conservadora e teocrática Irmandade Muçulmana que governa o Egito. Aqui – volto a dizer – não é um problema religioso, mas sim político e ideológico. Há hoje uma profunda identidade ideológica entre Al Qaeda, Irmandade, Salafistas e Wahhabitas, que contam com apoio da CIA e Israel.

Também nos parece que a administração Obama vem adotando uma tática semelhante ao que Reagan adotou desde a sua posse em janeiro de 1981. Optou em não agredir diretamente o Irã, com sua jovem Revolução Islâmica. Financiou o Iraque de Saddam Hussein, que, à época, era chamado pela mídia de “presidente Saddam” (depois virou “ditador Saddam”). Também financiou os chamados Contras na Nicarágua da jovem revolução sandinista. Sabemos o quanto uma invasão é custosa, política e economicamente. Por isso, financia, treina e apoia o que hoje se chama de “Coalização Nacional Síria” e seu Exército “Livre”.

Quanto ao argumento falacioso de “armas para o Hezbolláh”, nunca é demais dizer que esse as armas que o Partido da resistência libanesa precisa para derrotar Israel ele já as possui em seu próprio território. Eles já fizeram isso em julho de 2006 e voltaram a derrotar Israel em oito dias, no ano passado, na guerra dos mísseis disparados, desta vez pelo Hamas e pela Jihad Islâmica a partir de Gaza.

Que reação se pode esperar?

Até onde temos lido, as reações têm ficado na retórica. O Irã advertiu claramente que “os ataques do regime sionista contra a síria terá consequências graves para Tel Aviv”. Já algum tempo antes a chancelaria iraniana havia dito claramente que qualquer agressão externa à Síria seria considerado uma agressão ao próprio Irã. Houve endurecimento até do moderado presidente do Líbano, Michel Suleiman.

A Síria colocou todas as suas tropas em estado máximo de alerta e ameaçou com retaliação, ainda não ocorrida. O mesmo aconteceu com os 18 navios da frota russa estacionados no mediterrâneo, no porto de Tartus. Do lado estadunidense, também as tropas estacionadas na base de Incerlik na Turquia e na Jordânia estão de prontidão.

É imprevisível o que pode ocorrer. Analistas falam abertamente em uma ampliação e regionalização do conflito. Outros acreditam que o ataque com objetivo de provocação não será respondido com uma reação militar. Ela poderia envolver de uma só vez ataques ao Irã. Como já se disse há alguns anos, o melhor caminho para a Pérsia, passaria por Damasco. Isso poderia arrastar a região para um banho de sangue, com desfechos imprevisíveis. Esperemos que nada disso ocorra e que uma paz seja selada em breve.

Nesse sentido, a visita de Ahmadinejad ao Egito, que romperam relações desde 1980, pode ser alguma luz no final do túnel.

Veja mais nos seguintes endereços:

Stephen Lendman – http://www.globalresearch.ca/washington-oks-israeli-aggression-on-syria/5321572

Bill Van Auken – http://www.globalresearch.ca/israels-bombing-of-syria-escalates-threat-of-wider-war/5321397

Toni Cortalucci – http://www.globalresearch.ca/israeli-attack-on-syria-desperate-bid-to-save-failed-us-nato-covert-war/5321194

* Sociólogo, Professor, Escritor e Arabista. Colunista da Revista Sociologia da Editora Escala e colaborador do portal da Fundação Maurício Grabois e do Portal Vermelho. Foi professor de Sociologia e Ciência Política da UNIMEP entre 1986 e 2006. Presidiu o Sinsesp de 2007 a 2010. E-mail [email protected]