Túnis – O Fórum Social Mundial (FSM) 2013 se encerrou, no último fim de semana, com uma larga e intensa manifestação de apoio à Palestina, que contou com maciça participação do público da própria Tunísia.

“A mensagem transmitida na marcha final foi clara: não há hipótese de melhorias para a nossa região do Norte da África e do Oriente Médio em questões como a paz, a democracia e a justiça social sem que sejam buscadas soluções à questão palestina”, declara Messaoud Romdhani, ativista da Liga Tunisiana de Direitos Humanos, considerado um dos agentes-chave na organização do FSM 2013 em território tunisiano. A população local, complementa Messaoud, mantém uma ligação histórica, cultural e política com o povo palestino. A situação em que vivem simboliza, em grande medida, o grau de intervenção externa experimentado pelo conjunto de países no que diz respeito à demanda pela auto-determinação.

A militante do movimento das mulheres camponesas tunisianas, Chaibi Torkia, de 39 anos, levava no peito uma camiseta vermelha com uma mensagem de apoio à Palestina. explica que a solidariedade demonstrada pelos participantes do FSM tem efeitos muito práticos. “A voz e a opinião são as nossas únicas armas. Não temos armas nem dinheiro. Tenho comigo que se esta marcha não estivesse dentro do Fórum, mesmo neste ambiente em que vivemos após a queda da ditadura, a possibilidade de uma repressão policial violenta seria maior”.

Diferentemente da marcha de abertura do FSM, em que o policiamento tunisiano se concentrou mais na organização do trânsito para a passagem dos participantes, foi mobilizado um contingente pesado de agentes para a marcha final. Durante o protesto, viram-se muitas faixas e ouviram-se gritos ritmados e palavras de ordem contra o atual governo do partido islâmico Ennahda, acusado de prejudicar o povo palestino em função dos estreitos vínculos mantidos com os Estados Unidos e Israel, especialmente por meio do emirado do Catar.

Segundo Chaibi, os governantes do Ennahda, sentados nas “cadeiras do poder”, não querem ver os povos livres, inclusive os palestinos, para que toda a região do Magrebe e do Maxereque possa vivenciar processos democráticos “de verdade”. “Este partido islâmico não vai mudar a atual situação grave de crise política, econômica e social, marcada pelos altos índices de desemprego. Há 30 anos, eles vêm usando a religião para seus interesses. Querem dividir o país para impor as suas vontades”, critica a militante. “Mas esta marcha mostra uma grande unidade e apoio popular em torno de uma questão fundamental, que é a Palestina livre. Vai embora o Fórum, mas o grito fica”.

Ao longo de praticamente todo o Fórum, o tema da Palestina esteve muito presente, inclusive com atividades concorridas como a que contou com a participação de Tariq Ramadan, que se encontra disponível na internet (https://www.rebelmouse.com/FSM/le_debat_au_fsm2013_a_tunis_av-135813112.html). Uma tenda temática especial na Universidade El Manar concentrou extensa programação e a Assembleia Palestina de Convergência reuniu muita gente no principal auditório do campus, em uma espécie de “aquecimento” para a ampliada Assembleia dos Movimentos Sociais.

Movimentos sociais
Uma das principais atividades de todo FSM, a Assembleia dos Movimentos Sociais em Tunis reforçou o clima “quente” que se notou na Tunísia. Liderança nacional do Partido dos Patriotas Democratas Unificados (PPDU), ao qual pertencia o oposicionista assassinado Chokri Belaid, Fathi Chamhki foi recebido com entusiasmo pelo público que lotou o auditório principal da Faculdade de Direito. “Há uma grande sintonia. O que ocorreu na Tunísia é uma prova de que `outro mundo é possível`. Unidos, podemos fazer muito mais”.

Assim como ele, diversos outros representantes de movimentos e organizações sociais dedicadas a diferentes temáticas e das mais distintas regiões do mundo expressaram a importância do espaço de reciprocidade e de aprendizado mútuo proporcionado pelo Fórum para a continuidade das lutas. Ataques diretos ao sistema capitalista e evocações em prol da “revolução” contagiaram o público presente, principalmente nos atos de abertura da assembleia. Entretanto, após o terceiro dia seguido e repleto de atividades, muita gente preferiu deixar o auditório, na noite da última sexta (29), enquanto a declaração final (leia íntegra abaixo), que prevê uma jornada mundial de mobilizações, era lida publicamente.

Foi aí que, em decorrência da menção feita ao direito dos povos à sua autodeterminação e à sua soberania – não apenas da Palestina e do Curdistão, mas também de Sahara Ocidental –, se instalou um tumulto. Parte de militantes do Marrocos forçou a subida ao palco para expressar que eram contra o suporte ao povo sarauí. Diante de ameaças seguidas de empurrões, ativistas como o belga Eric Toussaint, do Comitê de Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM), tiveram de intervir para que a assembleia não terminasse em atos de violência generalizada. As vaias de reprovação daqueles que ainda permaneciam no auditório não impediram que o diminuto grupo marroquino descontente exibisse a sua bandeira, causando o pretendido tumulto e quebrando o ambiente de harmonia que vinha se dando até então.

Incidentes à parte, esta edição na Tunísia foi marcada, na opinião do brasileiro Chico Whitaker, um dos co-fundadores do FSM, por uma “tensão”, indiscutivelmente advinda do contexto de agitação política em que vive o país, que injetou “energia e esperança” ao processo.

Declaração da Assembleia dos Movimentos Sociais – Fórum Social Mundial 2013 – Tunísia – 29 de março

Nós, reunidas e reunidos na Assembleia de Movimentos Sociais, realizada em Túnis durante o Fórum Social Mundial 2013, afirmamos o contributo fundamental dos povos do Magrebe-Maxereque (desde a África do Norte até o Oriente Médio) na construção da civilização humana. Afirmamos que a descolonização dos povos oprimidos é um grande desafio para os movimentos sociais do mundo inteiro.

No processo do FSM, a Assembleia dos Movimentos Sociais é o espaço no qual nos reunimos em toda a nossa diversidade para juntos construirmos agendas e lutas comuns contra o capitalismo, o patriarcado, o racismo e todo o tipo de discriminação e opressão. Temos construído uma história e um trabalho comum que permitiu alguns avanços, particularmente na América Latina, onde conseguimos travar alianças neoliberais e concretizar alternativas para um desenvolvimento socialmente justo e respeitador da natureza.

Juntos, os povos de todos os continentes conduzem lutas para se oporem com grande energia à dominação do capital, escondida por trás da promessa do progresso econômico e da aparente estabilidade política.

Agora, encontramo-nos numa encruzilhada na qual as forças conservadoras e retrógradas querem parar os processos iniciados há dois anos com a sublevação popular na região do Magrebe-Maxereque, que ajudou a derrubar ditaduras e a enfrentar o sistema neoliberal imposto sobre os povos. Estas revoltas contagiaram todos os continentes do mundo, gerando processos de indignação e de ocupação das praças públicas.

Os povos de todo o mundo sofrem hoje os efeitos do agravamento de uma profunda crise do capitalismo, na qual os seus agentes (bancos, multinacionais, grupos mediáticos, instituições internacionais e governos cúmplices do neoliberalismo) procuram potenciar os seus lucros à custa de uma política intervencionista e neocolonialista.

Guerras, ocupações militares, tratados neoliberais de livre comércio e “medidas de austeridade” traduzidas em pacotes econômicos que privatizam os bens comuns e os serviços públicos, cortam salários, reduzem direitos, multiplicam o desemprego, aumentam a sobrecarga das mulheres no trabalho de assistência e destroem a natureza.

Estas políticas afetam mais intensamente os países mais ricos do Norte, aumentam as migrações, as deslocações forçadas, os despejos, o endividamento, e as desigualdades sociais como na Grécia, Chipre, Portugal, Itália, Irlanda e no Estado Espanhol. Elas reforçam o conservadorismo e o controlo sobre o corpo e a vida das mulheres. Além disso, tentam nos impor a “economia verde” como solução para a crise ambiental e alimentar, o que além de agravar o problema, resulta na mercantilização, privatização e financeirização da vida e da natureza.

Denunciamos a intensificação da repressão aos povos em rebeldia, o assassinato das lideranças dos movimentos sociais, a criminalização das nossas lutas e das nossas propostas.
Afirmamos que os povos não devem continuar a pagar por esta crise sistêmica e que não há saída dentro do sistema capitalista! Aqui em Túnis, reafirmamos o nosso compromisso com a construção de uma estratégia comum para derrocar o capitalismo. Por isso, lutamos:

*Contra as multinacionais e o sistema financeiro (o FMI, o BM e a OMC), principais agentes do sistema capitalista, que privatizam a vida, os serviços públicos, e os bens comuns, como o água, o ar, a terra, as sementes, e os recursos minerais, promovem as guerras e violações dos direitos humanos. As multinacionais reproduzem práticas extrativistas insustentáveis para a vida, monopolizaram as nossas terras e desenvolvem alimentos transgênicos que nos tiram o direito à alimentação e eliminam a biodiversidade.

Lutamos pela anulação da dívida ilegítima e odiosa que hoje é instrumento de repressão e asfixia econômica e financeira dos povos. Recusamos os tratados de livre comércio que as multinacionais nos impõem e afirmamos que é possível construir uma integração de outro tipo, a partir do povo e para os povos, baseada na solidariedade e na livre circulação dos seres humanos.

*Pela justiça climática e a soberania alimentar, porque sabemos que o aquecimento global é resultado do sistema capitalista de produção, distribuição e consumo. As multinacionais, as instituições financeiras internacionais e os governos ao seu serviço não querem reduzir as suas emissões de gases de efeito de estufa. Denunciamos a “economia verde” e recusamos todas as falsas soluções à crise climática como os agrocombustíveis, os transgênicos, a geo-engenharia e os mecanismos de mercado de carbono, como REDD, que iludem as populações empobrecidas com o progresso, enquanto lhes privatizam e mercantilizam os bosques e territórios onde viveram milhares de anos.

Defendemos a soberania alimentar e a agricultura camponesa, que é uma solução real para a crise alimentar e climática e significa também acesso à terra para a gente que a vive e a trabalha. Por isso apelamos a uma grande mobilização para travar o açambarcamento de terras e apoiar as lutas camponesas locais.

*Contra a violência para as mulheres, que é exercida com regularidade nos territórios ocupados militarmente, mas também contra a violência que sofrem as mulheres quando são criminalizadas por participar ativamente nas lutas sociais. Lutamos contra a violência doméstica e sexual que é exercida sobre elas quando são consideradas como objetos ou mercadorias, quando a soberania sobre os seus corpos e a sua espiritualidade não é reconhecida. Lutamos contra o tráfico de mulheres, meninas e meninos. Defendemos a diversidade sexual, o direito a autodeterminação de gênero, e lutamos contra a homofobia e a violência sexista.

*Pela paz e contra a guerra, o colonialismo, as ocupações e a militarização dos nossos territórios. Denunciamos o falso discurso em defesa dos direitos humanos e da luta contra os integrismos, que muitas vezes justifica ocupações militares por potências imperialistas como no Haiti, Líbia, Mali e Síria.

Defendemos o direito dos povos à sua autodeterminação e à sua soberania, como na Palestina, Sahara Ocidental e Curdistão.

Denunciamos a instalação de bases militares estrangeiras nos nossos territórios, utilizadas para fomentar conflitos, controlar e saquear os recursos naturais e promover ditaduras em vários países.

Lutamos pela liberdade de nos organizarmos em sindicatos, movimentos sociais, associações e todas as outras formas de resistência pacífica.

Vamos fortalecer as nossas ferramentas de solidariedade entre os povos, como a iniciativa de boicote, desinvestimento e sanções para Israel e a luta contra a OTAN e pela eliminação de todas as armas nucleares.

*Pela democratização dos meios de comunicação de massa e pela construção de meios de comunicação alternativos, fundamentais para inverter a lógica capitalista.

Inspirados na história das nossas lutas e na força renovadora do povo em rebeldia, a Assembleia dos Movimentos Sociais convoca todas e todos a desenvolverem ações coordenadas em nível mundial numa jornada mundial de mobilização (em data a definir)

Movimentos sociais de todo mundo, avancemos para a unidade a nível mundial para derrotar o sistema capitalista!

Basta de exploração, basta de patriarcado, racismo e colonialismo! Viva a revolução!

Viva a luta de todos os povos!

Publicado na agência Carta Maior.