Um assunto único domina, hoje (11/4), as manchetes dos jornais brasileiros mais vendidos. Folha, Globo e Estado destacam, em frases quase idênticas que a inflação anualizada subiu (para 6,59%) e “estourou a meta” fixada pelo Banco Central (BC). Em consequência, não restaria, ao próprio banco, outra alternativa exceto iniciar uma nova rodada de elevação da taxa básica de juros (Selic), já na próxima semana. A presidenta Dilma Roussef, que se manifestou contra a alta, há poucos dias, teria sido vencida. AFolha chega até a prever o montante e o ritmo do ascenso: a Selic, hoje em 7,5% ao ano, passaria a 8,5%, após “quatro aumentos de 0,25 ponto percentual, até dezembro”.

Noam Chomsky cunhou certa vez o termo “fabricação de consensos” – provavelmente sem cogitar que alguém tentasse praticá-la de modo tão caricatural quanto a mídia brasileira. Há três abusos claros nas manchetes de hoje: a) a inflação não está mais em alta, nem deve ser reduzida a qualquer custo; b) elevar os juros não é receita eficaz para fazê-lo; c) por trás do suposto “remédio” esconde-se a luta da oligarquia financeira para capturar uma parcela ainda maior da riqueza coletiva. Os jornais, é claro, escondem esta tentativa.

Veja, ponto por ponto, como se manipulam os fatos.

1. Para constatar que a inflação não está subindo, mas em queda, há dois meses, basta mirar o gráfico acima, publicado sem destaque pelo Estado. A taxa, medida por um dos índices do IBGE (o IPCA) foi de 0,47% em março, ante 0,6% em fevereiro e 0,86% em janeiro. O índice anualizado só aumentou porque os 0,47% de agora substituíram, no cômputo de doze meses, uma taxa excepcionalmente baixa, registrada em março de 2012 – 0,21%. Tudo indica que, já em abril, a inflação anual recuará, sem necessidade de qualquer intervenção, para os patamares previstos pela “meta” do BC.

2. A mídia brasileira omite, mas há uma crítica internacional crescente à crença segundo deve-se perseguir a queda da inflação a qualquer custo. Pelo menos dois economistas premiados com o Nobel – Paul Krugman e Joseph Stiglitz – têm sugerido o contrário. Propõem que os Estados mantenham, nas próximas décadas, índices de inflação ligeiramente superiores aos atuais – como ocorreu, aliás, nos “anos gloriosos” do pós-II Guerra. Explicam que tal ambiente permitirá desvalorizar a riqueza financeira dos mais ricos, reduzir a dívida pública e, em consequência, promover políticas redistributivas. Estas, explica Stiglitz, estimulam a economia e a geração de empregos – porque a classe média e os pobres consomem uma parte expressiva de seus rendimentos, enquanto os super ricos entesouram quase tudo.

3. Ainda que a meta seja reduzir a inflação, elevar os juros é uma péssima forma de fazê-lo. Num post extremamente didático, publicado hoje, o jornalista Luís Nassif demonstra que o BC dispõe de instrumentos muito mais eficazes para segurar os preços. Tem total autonomia, por exemplo, para determinar uma redução dos prazos de financiamento ao consumidor. A mudança torna mais difícil adquirir bens, reduz o consumo e as pressões inflacionárias. Tome, por exemplo, uma geladeira de R$ 1.000, financiada em 24 meses, a uma taxa de 4% ao mês. Hoje, as prestações são de R$ 65,58. Com a redução do prazo para 18 meses, elas saltam para R$ 79,00. Já a alta da Selic eleva-as para… R$ 65,86. “Alguém deixaria de tomar financiamento por conta de um aumento de 28 centavos?”, pergunta Nassif.

4. Por fim, a questão central. Se a alta da taxa Selic é tão ineficaz, qual o motivo de tanta batalha em torno dela? É que os juros, embora não reduzam a inflação, são, por excelência, o meio pelo qual a oligarquia financeira extrai riqueza do conjunto da sociedade. Em 2012, o Estado brasileiro desviou, do total de impostos arrecadados, R$ 128 bilhões (ou 4,81% do PIB) para pagar juros – equivale a aproximadamente seis vezes o montante aplicado no Bolsa-Família. Mas, ao invés de beneficiar 13 milhões de famílias, os juros fluem, segundo cálculos do IPEA, para apenas 0,5% da população – a ínfima minoria que tem recursos para comprar títulos públicos ou seus derivados.

Ocorre que este setor havia se acostumado a ganhar muito mais, nos anos anteriores. Em 2011, foram R$ 151 bilhões; e no período FHC, a despesa com juros chegou a 9% do PIB. A redução da sangria foi alcançada precisamente graças à queda dos juros. A partir de julho de 2011, a presidente Dilma orientou o BC a retomar a trajetória de redução iniciada no governo Lula. As taxas, que são fixadas em reuniões do Conselho de Política Monetária (Copom) do banco, caíram de 12,5% ao ano para os 7,5% de hoje. Sucederam-se fatos extraordinários. Em 2012, por exemplo, os lucros de bancos como o Itaú e o Santander recuaram, ainda que muito levemente – depois de anos de recordes sucessivamente quebrados.

A oligarquia financeira jamais se conformou com a queda de juros. Não pode, evidentemente, expor suas razões. Mas tem muito poder, dinheiro e capacidade de “convencer” aliados importantes. Prepare seus olhos e ouvidos. Até a próxima reunião do Copom, você estará exposto a doses cavalares de propaganda ideológica – disfarçada na forma de “notícias” e previsões alarmantes dos “especialistas de mercado”. O governo e o Banco Central cederão? Esta é a pergunta que importa.

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