Segundo a psicanalista Maria Rita Kehl, uma dos sete integrantes da Comissão Nacional da Verdade, a ideia de se criar uma comissão da verdade própria surgiu dos próprios índios.

“Ficamos no Araguaia entre 14 e 21 de outubro e passamos pela aldeia dos suruís. Após entrevistarmos alguns indígenas, eles acharam que era a hora de criar uma comissão da verdade deles, a partir da sugestão de um jovem cacique, que está na universidade”, afirmou.

De acordo com Kehl, os suruís foram torturados para contribuir com os militares no combate à guerrilha, fornecendo informações sobre os militantes e indicando onde eles estavam. “Eles não fizeram uma resistência política e não sabiam bem o que estava acontecendo. Como não tinham o que dizer, foram bastante torturados.”

A psicanalista afirma que o trabalho da comissão da verdade dos suruís irá abastecer a Comissão Nacional da Verdade. “O que nós iriamos fazer eles decidiram que eles mesmos vão fazer. “

A Comissão Nacional realizará uma audiência pública em Marabá, a partir da próxima sexta (16)  para tratar dos suruís e de outros povos indígenas que teriam sido vítimas da ditadura, entre eles os waimiris-atroaris, cuja população reduziu em mais de 2 mil durante a ditadura.

Mais violações

Outro povo indígena cujas violações estão sendo estudadas pela Comissão Nacional da Verdade é o Arara, que também vive no sudeste do Pará. Segundo a psicanalista, os araras foram “empurrados” para o oeste em razão das fronteiras agrícolas –uma multinacional da fruticultura passou a produzir na área ocupada pelos indígenas.

A comissão também recebeu documentos e informações de crimes praticados contra os índios pataxós, da Bahia, que teriam sido inoculados com vírus da malária em 1967 pela Aeronáutica, fato que deu origem, no ano seguinte, à CPI do Índio, encerrada meses depois com a decretação do AI-5 (Ato Institucional número 5).

Com relação aos potiguaras, da Paraíba, a comissão irá apurar a ocupação pelo Exército de uma área dos índios, que teriam sido despejados para dar lugar a uma madeireira. Há ainda relatos de violações contra os guaranis-kaiowás, do Mato Grosso do Sul, e os avá-canoeiros, do Tocantins.

Um dos responsáveis por pesquisar violações e encaminhá-las à Comissão da Verdade é Marcelo Zelic, vice-presidente da organização Tortura Nunca Mais de São Paulo e coordenador de uma pesquisa sobre crimes cometidos pela ditadura contra povos indígenas.

Zelic cita o exemplo das dificuldades vividas pelos guaranis-kaiowás hoje para afirmar que o tratamento dado aos povos indígenas ainda carrega marcas dos anos de chumbo. “Estamos em 2012, com democracia, e mais de 250 lideranças indígenas foram fuziladas nos últimos 12 anos. Como mudar essa realidade sem fazer uma crítica ao passado?”, questiona.

Fonte: Folha de S.Paulo