Nenhum viaduto, túnel, autopista ou outra obra destinada a facilitar o tráfego de automóveis poderá agora ser realizada impunemente. Shopping centers, grandes condomínios verticais e outras edificações classificadas como polos geradores de tráfego também não poderão mais ser executados sem passar por um crivo rigoroso, para impedir que atrapalhem o deslocamento dos cidadãos, seja de ônibus, carro, bicicleta ou a pé. Desde abril do ano passado, as obras públicas urbanas passaram a ser condicionadas à lei no 12.587, de 3 de janeiro de 2012, marco regulatório da mobilidade urbana.

A nova legislação, aprovada depois de 17 anos de tramitação no Congresso, também estimula o planejamento urbano ao exigir que os municípios com mais de 20 mil habitantes elaborem, até 2015, planos de mobilidade. Estes deverão ser revistos a cada dez anos e ser integrados a planos diretores, como condição para pleitear recursos federais para implantar, por exemplo, uma linha de VLT. Com isso, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o número de municípios obrigados a ter um plano de mobilidade passa de cerca de 38 para 1.663 cidades.

Em vez de detalhar medidas, a lei estabelece princípios, como a prioridade ao transporte público coletivo e a formas de transportes não motorizados, integração da política de mobilidade com a política de uso e controle do solo e redução dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos urbanos.

Com força de lei, esses princípios condicionam ações e investimentos de todas as prefeituras, que podem ser contestados pelo Ministério Público caso contrariem as diretrizes. “A legislação é super-avançada. Agora, as ações dos gestores públicos para priorizar o transporte público e adotar instrumentos como pedágio urbano, cobrança por estacionamento em áreas públicas e taxação sobre a gasolina contam com um arcabouço jurídico de retaguarda”, diz Carlos Henrique Ribeiro de Carvalho, pesquisador do Ipea.

Entre os pontos importantes da lei, o Ipea aponta a obrigatoriedade dos municípios de divulgar os impactos dos benefícios tarifários concedidos no valor cobrado pelo transporte público coletivo. “No mecanismo atual de cálculo das tarifas, em que o custo do sistema é rateado apenas entre os usuários pagantes, esses estão pagando um valor a mais para custear a parte dos usuários que não pagam nada ou usufruem de descontos (como policiais militares, carteiros, estudantes, idosos etc.)”, destaca documento do Ipea sobre a nova lei. Para o instituto, a maior distorção desse subsídio cruzado é que os usuários que pagam a tarifa integral são, na maioria, pessoas de baixa renda que não recebem o vale transporte e acabam arcando com todos os benefícios tarifários concedidos a diversas categorias.

José Geraldo Baião, presidente da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô (Aeamesp), elogia a nova legislação, mas acha que ela falha ao não estabelecer uma fonte de recursos para financiar os planos de mobilidade municipais e também ao não prever penalidade para o município que desrespeitar os princípios da nova legislação. Além disso, aponta uma contradição na ação do governo. “A manutenção da política de estímulo ao automóvel, com isenção fiscal e acesso ao crédito, é um contrassenso à lei”, afirma.

Autor(es): Por Gleise de Castro | Para o Valor, de São Paulo
Valor Econômico – 24/06/2013