Motivado por questões contratuais, o descasamento entre a tarifa, que não segue a inflação, e a remuneração das empresas, que sobe acima do índice, pressiona as contas da prefeitura, que após o cancelamento do aumento de R$ 0,20, terá que bancar 20% do custo do sistema, estimado em quase R$ 6 bilhões para 2013.

A receita média por passageiro repassada às concessionárias de ônibus e vans da cidade de São Paulo cresceu 15% acima da variação da inflação entre 2006 e abril de 2013, de acordo com levantamento feito pelo jornal Valor Econômico com base em dados da SPTrans. Em valores corrigidos pelo IPCA, a remuneração média por viagem subiu de R$ 1,71 para R$ 1,97 neste período.

Em 2012, as operadoras de ônibus receberam R$ 3,89 bilhões (em valores corrigidos) para realizar 1,65 bilhão de viagens. No caso das cooperativas de vans, o repasse foi de R$ 1,88 bilhão, para 1,27 bilhão de trajetos.

Motivado por questões contratuais, esse descasamento entre a tarifa cobrada na ponta, que sequer acompanha a inflação, e a remuneração das empresas, que sobe acima do índice oficial, pressiona as contas da Prefeitura de São Paulo, que após o cancelamento dos R$ 0,20 de aumento terá que bancar 20% do custo do sistema, estimado em quase R$ 6 bilhões para 2013.

No novo contrato que o prefeito Fernando Haddad (PT) pretende firmar com as concessionárias a partir do mês que vem, numa licitação de valor estimado de R$ 46 bilhões por até 15 anos, está prevista uma mudança no cálculo do reajuste das empresas, bem como a possibilidade de dividir meio a meio os ganhos de eficiência obtidos pelas companhias.

No contrato atual, firmado em 2003, se as empresas conseguem obter uma margem de lucro maior do que prevista inicialmente – ao transportar mais passageiros sem precisar aumentar a frota, por exemplo -, a diferença fica toda para as concessionárias. Se o sistema novo vingar, eventuais ganhos alcançados poderão de alguma forma ter reflexo para baixo nas tarifas.

A proposta de licitação também prevê a mudança na base de remuneração das companhias. Hoje ela é 100% ligada ao tráfego de passageiros, enquanto o novo sistema dará peso igual ao número de viagens e ao custo fixo. “Esse modelo manterá o interesse das empresas em tratar bem o passageiro e dará mais previsibilidade para a Prefeitura saber seu gasto com transporte ao longo do contrato”, diz Adalto Farias, diretor de gestão econômico-financeira da SPTrans, referindo-se ao subsídio que a cidade paga para manter o sistema.

Segundo o Valor apurou com uma fonte, a mudança deve incentivar a realização de investimentos, já que no sistema atual as concessionárias aumentam sua margem quando transportam mais passageiros com a mesma frota – que é dimensionada por contrato a partir da necessidade no horário de pico.

Cabe notar que o crescimento real de 15% da receita por viagem não significa necessariamente um aumento correspondente no lucro das companhias que operam o transporte público em São Paulo, já que os custos das empresas também podem ter subido acima do índice oficial de inflação – o que não se sabe, já que elas não são obrigadas a divulgar balanços. Mas no último dissídio, por exemplo, o reajuste nominal dos salários de motoristas e cobradores foi de 10%, enquanto o IPCA variou em torno de 6%.

Segundo Farias, que tem acesso às demonstrações financeiras auditadas das concessionárias, a operação dos serviços de ônibus e vans em São Paulo dá uma taxa interna de retorno que varia de 9% a 13% para as companhias.

Segundo ele, o crescimento da remuneração das empresas acima do IPCA se explica em parte pela fórmula prevista em contrato para reajuste desse repasse e também por um aditamento feito na gestão do prefeito Gilberto Kassab de incentivo ao investimento em novos ônibus, em troca de uma remuneração maior.

Segundo o técnico da SPTrans, no contrato atual 50% do reajuste tem como base a variação da renda média da população da região metropolitana de São Paulo, calculada pelo IBGE. Outros 20% dependem do custo do diesel, 15% do comportamento dos preços de equipamentos de transporte e 15% de acordo com o IPC, esses últimos conforme apurados pela FGV.

Seguindo essa fórmula, a remuneração das concessionárias teria que subir 10,16% em maio deste ano. Mas as desonerações feitas pelo governo federal permitiram que o aumento fosse de apenas 2,5%. O reajuste de R$ 0,20 proposto para a ponta, que era de 6,67%, visava cobrir não apenas os 2,5% de 2013, mas também a inflação do ano passado, já que os R$ 3 estão valendo desde janeiro de 2011.

No novo contrato proposto, 80% do reajuste da remuneração das prestadoras de serviço dependerá da variação do IPC da Fipe e 20% do preço do diesel – ficando mais alinhado à tarifa cobrada na ponta, se as condições políticas permitirem reajuste.

Embora o valor de R$ 3,00 tenha se tornado conhecido até por aqueles que nunca andaram de ônibus, o sistema de transporte da metrópole possui na verdade mais 16 tarifas, uma para cada empresa prestadora de serviço, a depender da região de atuação na cidade, do fluxo de passageiros, da necessidade de renovação da frota etc.

Na média, as concessionárias de ônibus, que fazem trajetos mais longos, recebem algo próximo de R$ 2,35 por passagem. Já as permissionárias, que exploram o serviço com vans e microônibus, em viagens nos bairros, recebem entre R$ 1,45 e R$ 1,50 por viagem.

Os valores são menores que os R$ 3 porque a cada 100 pagamentos com Bilhete Único, os passageiros costumam fazer 158 viagens. Isso significa que, se a cobrança fosse por evento, o valor por passagem poderia ficar próximo de R$ 2. Seria uma vantagem para aqueles que usam apenas um ônibus para ir ao trabalho ou à escola. Mas a cobrança unitária penalizaria aqueles que moram na periferia e precisam tomar duas ou três conduções para chegar ao destino, que teriam que desembolsar R$ 4 ou R$ 6 somente na viagem de ida.

Esse modelo de Bilhete Único foi implantado em 2004, na gestão da petista Marta Suplicy, e desde então foi uma das políticas públicas que recebeu maior aprovação da população.

Farias, da SPTrans, lembra que por vezes algumas pessoas questionam porque a passagem custa o mesmo valor independentemente da distância percorrida, o que difere do que ocorre hoje na EMTU (rede de transporte entre as cidades da Grande São Paulo). Mas a sugestão de se usar esse modelo na capital foi rechaçada pelas urnas quando proposta pelo candidato Celso Russomano nas últimas eleições.

Sem desonerações, subsídio seria 24%
A manutenção da tarifa de ônibus estável em R$ 3, após a onda de protestos que varreu o país, deve elevar o gasto da Prefeitura de São Paulo com subsídio ao sistema em quase 12% em relação 2012, para R$ 1,19 bilhão, conforme simulação feita pelo Valor com base em dados da SPTrans. O montante equivale a 20% do custo total estimado para o sistema, que deve somar este ano pouco mais de R$ 5,9 bilhões. Se o reajuste para R$ 3,20 fosse mantido, o desembolso do município ficaria em R$ 1 bilhão.

A simulação considerou aumento de 2,5% na remuneração das concessionárias a partir de maio e receita com tarifas estável em comparação com 2012, já que o tráfego de passageiros praticamente não cresce. Não fossem as desonerações feitas pelo governo federal, o subsídio teria que subir quase 40%, para aproximadamente R$ 1,5 bilhão, ou 24% do custo do transporte.

O peso de 20% dos subsídios estimados para este ano se compara a um índice de 18% observado em 2012, quando o repasse da Prefeitura somou R$ 1,06 bilhão, para um gasto total de R$ 5,83 bilhões com transporte público na cidade.

O gasto de 2012 havia representado um salto de 81% frente ao desembolso de R$ 586 milhões em 2011, última vez que a tarifa cobrada dos passageiros foi reajustada (em janeiro daquele ano) e quando o peso do subsídio equivaleu a apenas 11% do desembolso total.

Esses índices revelam a consequência do descompasso entre o aumento da remuneração das empresas que prestam o serviço – prevista em contrato – e a manutenção da tarifa cobrada na ponta.

Em 2006, o subsídio pago pela prefeitura representava 10% do gasto total com o sistema, num valor nominal de R$ 325 milhões. Em 2009, após o congelamento da tarifa cobrada do usuário em R$ 2,30 por três anos, a complementação da Prefeitura passou a equivaler a 20% do custo do sistema, ou R$ 840 milhões em valores da época.

Em 2013, o crescimento da conta da Prefeitura não será tão relevante por causa das desonerações feitas pelo governo federal, como a mudança da incidência do INSS patronal da folha para o faturamento e a isenção de PIS e Cofins sobre a passagem. Isso permitiu que o repasse às empresas subisse apenas 2,5%, e não 10,16%.

Como em 2014 as desonerações federais podem não se repetir, a conta da Prefeitura deve saltar, a não ser que a licitação em curso mude esse quadro.

Autor(es): Por Fernando Torres | De São Paulo
Valor Econômico – 24/06/2013