Nem ufanismo, nem desprezo
Mesmo com todas as influências midiáticas possíveis, esse movimento fomentou – passagens raras em nossa história – um debate de ideias em nível nacional. Apesar de caracterizar-se por uma pauta difusa e negar avanços conquistados pelo povo, ele instigou uma disputa entre diagnósticos, entre caminhos e indiretamente, sobre programas para a nação.
O assunto está presente entre todos os níveis das salas de aulas e nos mais variados espaços do convívio social. Todos debatem, opinam, reclamam e apontam saídas. Essa complexa e nova circunstância política ajuda na formação ideológica, na distinção dos campos políticos e no tempero da luta reivindicatória do nosso povo.
Penso ser restritivo ficar analisando apenas seus limites e o sequestro de seus objetivos originais. Mesmo que essas manifestações tragam bandeiras que já disputamos há décadas, é incorreto tanto tratá-las de uma forma ufanista, quanto desprezar suas mensagens. A mobilização nacional é um fato e em torno dela devemos melhor refleti-la e aproveitá-la. Algum acúmulo desse enfrentamento ficará.
Uma nova forma que veio para ficar
A sua forma horizontal e instrumentalizada pelos meios eletrônicos que já mobilizou multidões em outros países – Egito, Líbia, Estados Unidos, etc – chegou ao Brasil e tende a se estabelecer como mais uma forma mobilizadora social. Nessa nova experiência destaca-se um fato: a “militância eletrônica” concluiu que não basta teclar e compartilhar suas reivindicações e elaborações – é preciso se fazer presente em todos os espaços das lutas sociais, sobretudo nas ruas.
Contextualizar e ter lado
São nos momentos turvos como este que o método da contextualização torna-se mais exigível. As mobilizações ocorrem diante de um modelo que produziu uma condição econômica e social popular nova, mas que revela seus limites e que agora vastas camadas da sociedade exigem maiores avanços estruturantes. Colocou em debate e na ordem do dia a remoção dos obstáculos que impedem o alcance desse novo patamar.
Mas o maior guarda-chuva no qual está inserido todo esse processo é marcado pela disputa política, destacadamente pela antecipação da disputa presidencial de 2014 e que nesta batalha o cenário continua desvantajoso para a oposição neoliberal.
Nessa perspectiva o sistema de oposição, liderada pela grande mídia, busca tirar proveito da situação. Emula o caos e a instabilidade tentando transferir para a presidenta Dilma Rousseff o ônus de todas as insatisfações populares.
Contra essa ofensiva reacionária e fascista devemos ter lado, denunciar objetivos, disputar rumos e unificar o movimento social e democrático do país contra aqueles que nunca admitiram o país ser dirigido por forças populares.
A manipulação grotesca da mídia
A cobertura midiática, que começou criminalizando o movimento, percebeu-o momentaneamente como uma oportunidade política e o impulsionou. Agora, após o ápice deste, volta a acusá-lo com a mesma caracterização de antes – uma agressão que também é denunciada nas cartolinas dos manifestantes. Acirra-se a disputa sobre quem captura seus louros, a sua condução e seus objetivos.
Resultante dessas manipulações históricas, manifesta-se com força entre os mobilizados a negação as organizações socais e partidárias. Uma atitude infanto-anarquista não espontânea que agride a história dos processos mudancistas, nos quais tais organizações sempre tiveram papeis estratégicos em suas conduções. É um tiro no próprio pé.
Uma fração que deve ser incorporada
O resultado dessa campanha é a fragilização e a insuficiência de representatividade das organizações formais. Grande parte desses mobilizados não se sentem representados por elas. Como estabelecer canais de mediação permanentes com eles? Como integrá-los pelo esforço unitário em torno de um novo padrão civilizacional para o povo brasileiro?
Reputo esses desafios como os maiores entre todos os outros, pois têm o sentido de incorporar frações da diversificada sociedade brasileira, sobretudo entre a juventude e dar-lhes um maior e permanente pertencimento nas grandes disputas que envolvem os projetos de nação, estes em constantes conflitos.
O programa do PCdoB propõe
Nessa direção, o novo programa do PCdoB (elaborado em 2009) apresenta propostas que visam responder a esses desafios. Propõe além de uma ampla reforma política democrática, comunicação, tributária, urbana, educacional e pela saúde e segurança pública, instituir formas de democracia participativa e direta, além da representativa.
Julgo essa instituição como fundamental, pois busca exercitar a democracia popular para além do comparecimento bianual às eleições. Mecanismos, inclusive constitucionais, como plebiscitos, referendos e iniciativas populares podem envolver o conjunto da sociedade em torno de grandes temas nacionais, elevando sua consciência e dando-lhe oportunidades de intervenção programática para além de suas escolhas eleitorais.
Esse instrumento democrático mais direto, combinado com uma regulamentação do sistema de comunicação no país, pode promover as conexões entre a representatividade política e os anseios democráticos, econômicas e sociais do povo brasileiro.
A resposta governamental
Sobre as propostas apresentadas pela presidenta Dilma Rousseff, faço dois comentários:
Quanto a primeira, que convoca um plebiscito para viabilizar uma constituinte focada numa necessária reforma eleitoral, considero uma importante decisão que pavimenta caminhos para o fortalecimento dos recursos da democracia participativa direta no Brasil. Não à toa o sistema de oposição conservador já tenta inviabilizá-la.
As demais propostas integram um conjunto de intenções, inclusive com incremento de recursos, que exigirá disputá-las permanentemente pela sua efetivação. Isso decorre, contraditoriamente, por uma delas se comprometer com uma agenda rentista: o “equilíbrio” fiscal que desequilibra o investimento público e condiciona as demais. Soma-se a isso a ineficácia executora
do Estado nacional
Nesse contexto, as ruas apresentam-se mais uma vez como caminhos e desafios para os democratas e as forças populares. O possibilismo do núcleo da base de apoio do governo Dilma comprova seus limites.
Disputar ideias, unificar o povo e avançar nas mudanças.
Mãos à obra.
*Divanilton Pereira é membro do comitê central do PCdoB, da direção nacional da CTB, da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e do Sindicato dos Petroleiros do RN.
Publicado no Portal da CTB