CONHEÇA O ESPECIAL SOBRE O II Seminário Nacional de Saúde do PCdoB

A partir dos referenciais de debate apresentados na abertura do II Seminário sobre Saúde do PCdoB, pela diretora do DAGEP/MS, Júlia Roland, o debate decorreu com a participação de inúmeras lideranças que pontuaram os temas mais polêmicos em disputa no Governo Federal, atualmente. A questão do financiamento, a desoneração de planos de saúde, a ausência de um plano de carreira pública e a terceirização da gestão foram discutidos sob os diversos olhares, de militantes, usuários, profissionais e gestores. Todos concordam que o tema da saúde assumiu, pela primeira vez, um novo patamar na agenda da opinião pública, desde as manifestações de junho que uniram a pauta deste serviço público ao consagrado tema da educação.

Entre os militantes que expressaram suas posições sobre o assunto, estiveram Néio Lúcio Pereira (coordenador do Complexo Hospitalar Conceição), da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), do deputado federal João Ananias (PCdoB-CE), (membro titular da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados), Ronald Ferreira (Federação Nacional de Farmacêuticos e do Conselho Nacional de Saúde e coordenador da Campanha Saúde+10), Marcio Florentino (Secretário Executivo do Conselho Nacional de Saúde), de Julieta Palmeira (Diretora Geral da BahiaFarma), de Gisélia Santana (Secretaria de Atenção Básica à Saúde do Estado da Bahia) e Jussara Cony, farmacêutica vereadora em Porto Alegre, Ubiracy Matildes, da Unegro e SindSaúde, entre outras lideranças.

Florentino acredita que politizar a agenda das mobilizações pode significar um grande avanço para a área, fortalecendo os conselhos. “É uma boa chance política de ter conquistas importantes na questão do financiamento, oportunidade de avançar na questão dos recursos humanos, uma questão que está enviesada pela questão dos médicos estrangeiros, mas que pode avançar”, afirmou. Ele avalia a importância de trazer ao centro do debate público e da agenda política a questão da precarização do trabalho, via Programa Saúde da Família e via terceirizações. “Dá para sair do discurso enviesado e construir uma base estruturante”, declarou o gestor público.

Florentino destacou a importância da agenda imediata, em três tempos, que começa dia 10 de julho com a reunião de cerca de três mil secretários municipais em torno de um pacto pela saúde. “É preciso reafirmar a saúde como direito humano e de cidadania e derrotar a agenda da cura gay, da bolsa estupro e da internação compulsória”, disse ele, referindo-se à agenda da Campanha Saúde+10, que vai mobilizar assinaturas para o projeto pelo financiamento da saúde em municípios de todo o país.

Outras agendas devem envolver garantia de saúde como dever do estado combatendo a terceirização e a mercantilização da saúde; a defesa do financiamento pela campanha Saúde+10, aprovar lei de responsabilidade sanitária para combater corrupção. “Não temos política de recursos humanos para o SUS. Isso tem que ser denunciado. A carreira tem que ser regulada pelo menos na atenção básica”, salientou Florentino.

Florentino também considera fundamental que o PCdoB se interesse pela questão da participação e controle social, por meio dos conselhos. “Há uma percepção de que vivemos uma democracia elitista que exclui amplos setores da sociedade. Há um desejo cada vez maior de participação, observado nas manifestações. O Partido precisa ocupar esse vazio, pois o PT fica muitas vezes preocupado com a governabilidade, com um pragmatismo, e pouco atento às questões estratégicas da área da saúde”, apontou.

Transição para avançar

A deputada Jandira fez coro a esta reflexão ao dizer que o articulador dessa luta é o PCdoB e sua militância não pode estar desarticulada e dividida. “Não vejo esse acúmulo e capacidade de dar consequência a essa agenda em nenhuma outra força política”, enfatizou ela, lamentando um suposto retrocesso político e de ação por parte das forças comunistas, que ela considera fragmentadas, hoje. Em sua opinião, pela primeira vez, a sociedade tomou essa bandeira nas mãos, mudou a qualidade da pauta e jogou a saúde num patamar superior.

A deputada comemorou a vinda da presidenta Dilma para responder aos anseios das manifestações, assim como o Congresso, embora ela veja lacunas importantes deixadas no processo. “Fica todo mundo discutindo se importa ou não importa médico, enquanto isso a boiada está passando, com riscos de retrocesso do SUS”, disse ela.

Jandira também lembrou que, embora a presidenta não tenha tocado no tema do financiamento da saúde, o Congresso aprovou 25% dos royalties do petróleo para o setor. Ela destaca no entanto, que no calor da votação, em meio à madrugada, os deputados esqueceram de incluir no texto que esta fonte nova de recurso deverá vir fora do mínimo constitucional, questão que será levada ao Senado. “Há um subfinanciamento da área e nenhum empenho do Ministério para mudar isso”, criticou.

Além disso, diz ela, há uma isenção tributária de 22,5% do PIB, R$ 16,5 bilhões incentivados para a saúde privada brasileira. “Um dos pouquíssimos países do mundo que financia a saúde e a educação da elite. Hoje se isenta de imposto de renda o gasto total com saúde privada”, diz ela. E o que mais preocupa a deputada, é a perspectiva de desoneração do atendimento dos planos de saúde, em curso no Congresso. “É o maior risco de retrocesso para o SUS”.

“A gente precisa botar o povo debatendo o Saúde+10 e a desoneração de plano de saúde”. Para ela, a contribuição sobre grandes fortunas é pauta, hoje, decisiva no Brasil. “O imposto sobre bens e serviços é regressivo porque vai para o preço. Tem que pagar sobre patrimônio. A questão da redistribuição do imposto progressivo é a bandeira mais avançada que existe hoje nos países democráticos”, afirmou Jandira.

Como relatora do projeto, Jandira diz que, se 997 contribuintes com patrimônio de R$ 150 milhões pagassem seu imposto, contribuiriam sozinhos com mais de R$ 10 bi anuais para a saúde. “Se você comprar um carro popular vai ter uma alta tributação, mas se comprar um iate ou helicóptero, não vai pagar nada”, exemplificou ela. “Essa é uma virada definitiva da política de esquerda brasileira”.

Jandira também apontou a polêmica das fundações como modelo gestor em diversas áreas, inclusive na saúde, como ponto de debate no partido. Outro tema, em sua opinião, diz respeito à questão da inovação tecnológica, que avançou na área da saúde com a criação de polo tecnológico de medicamentos. Jandira avalia que o governo desistiu de avançar na carreira pública de saúde, preferindo investir na gestão terceirizada, o que torna esta luta mais difícil. “Existe o risco de estarmos vivendo uma transição para o retrocesso, e não para o avanço na saúde”.

Como ex-prefeito, o deputado João Ananias deu um depoimento contundente sobre a situação dos gestores municipais, que arcam com todo o peso do financiamento da saúde. Ele aponta muitas distorções no financiamento federal ao setor, focado principalmente em capacidade instalada, ou seja, nas cidades com mais leitos hospitalares, enquanto a saúde básica e o programa de saúde da família são deixados aos recursos de municípios com pouca capacidade de financiamento.

“O Ministério Público fica em cima do prefeito, ameaçando de prisão, caso não atenda determinado caso complexo de doença rara, quando o município não tem recursos sequer para o atendimento básico”, disse ele, contando o caso de um paciente que precisou de um remédio que custava cerca de R$ 700 mil reais, para o uso de três meses. O município dispendeu às pressas esse recurso para o atendimento de um único paciente sob pena de prisão pela denúncia do Ministério Público, mesmo sem saber da idoneidade do remédio. Dessa forma, o deputado expressou um dilema em que muitos gestores estão submersos, por falta de um financiamento adequado da saúde.

A diretora geral da BahiaFarma, Julieta Palmeira, considera importante inserir alguns vetores da economia no debate da saúde. “Este governo invertou prioridades, fazendo a distribuição de renda antes do desenvolvimento e não depois, já que a ordem tradiconal nós já vivemos e não funcionou”, afirmou.

Para ela, o investimento político no Complexo Industrial de Saúde colocou o setor como vetor de desenvolvimento, e não apenas de custos. Esta vertente de ciência tecnologia e inovação concretiza uma ideia de transferência de tecnologia para o Brasil na área de saúde. Ela agradeceu o empenho da deputada Jandira nessa área e destacou a importância do apoio do PCdoB nessa iniciativa que já envolve cinco ministérios: Indústria e Comércio, Saúde, Planejamento, Casa Civil e Ciência, Tecnologia e Inovação.

Ronald dos Santos, da Fenafar, questionou o suposto consenso que haveria nos movimentos sociais em favor do Sistema Único de Saúde. “Tem militantes que acreditam que mais hospitais e mais médicos é defender o SUS, quando a defesa da saúde enquanto direito é a questão central”, afirmou. Ele exemplifica que as centrais sindicais dão mais peso à Agência Nacional de Saúde, que regula os planos privados, do que ao SUS. “Não há esse consenso todo, o que fragiliza os fundamentos da universalidade, da integralidade e da qualidade”.

A secretária de Atenção Básica à Saúde do Estado da Bahia, Giselia Santana, aponta a atuação institucional do PCdoB como um fator de crescimento. “Nossa atuação no governo amplia nossa base de apoio político e nossos resultados eleitorais, além da nossa capacidade de intervenção no debate”, diz ela.

Ela criticou o defensismo do Ministério sobre o financiamento da saúde. “O Governo aparece com diretrizes e programas, mas nada sobre financiamento, quando os recursos são canalizados para a média e alta complexidade, toda ela na mão do setor privado”, afirma Gisélia. Para ela, é preciso ampliar a atenção básica que atende a maior parte da população.

Gisélia diz que o estado abriu mão da regulação da mão de obra médica do SUS. “O estado gasta fortunas com a formação e não tem um dia de dedicação desse médico formado ao SUS”. Ela defende que a remuneração dos profissionais não pode abrir mão do desempenho, a partir de melhoria dos indicadores epidemiológicos daquele equipamento público de saúde, inclusive de hospitais filantrópicos.

O médico e secretário estadual do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, Neio Lúcio Fraga Pereira, também defende que o financiamento seja pelo resultado da redução de incidência epidêmica, em que o hospital ganha pela redução de atendimentos de diabetes, por exemplo.

Pereira critica as entidades médicas, que estão tomadas por pauta reacionária e golpista. Para ele, há falta de habilidade política na proposta de importação dos médicos estrangeiros. Por outro lado, a formação médica nas universidades é desumanizada e mercantilista, o que se reflete em suas entidades representativas. “A Prefeitura de Porto Alegre abre vaga e não tem inscrição de médicos, numa das cidades onde mais tem médicos no país”.