Ouça o discurso completo de Lula:

Durante a abertura oficial do Foro de São Paulo, na noite desta sexta-feira, 2 de agosto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou para recepcionar os mais de mil dirigentes partidários de esquerda de toda a América Latina que compareceram a São Paulo para discutir as estratégias para seus países e para uma integração regional.

Antes disso, a vice-prefeita comunista de São Paulo, Nádia Campeão desejou as boas vindas aos visitantes, representando o prefeito Fernando Haddad, que participava da Conferência de Cultura. O presidente do PCdoB, Renato Rabelo, também discursou e comentou o vídeo apresentado com mensagem da presidenta Dilma ao Foro de São Paulo, destacando os avanços que permeiam muitos governos da América Latina.

Avançar reformas estruturais

Rabelo também destacou os avanços dos últimos dez anos de governo, com redução da pobreza e distribuição de renda, como uma legado do Governo Lula e continuidade com Dilma. Ele citou os quarenta milhões saídos da miséria e a ascenção social a um padrão maior de consumo e acesso a serviços, vinte milhões de novos empregos e crescimento da renda do trabalho, maior acesso aos bens duráveis, como a casa própria, e ao ensino técnico e universitário. Renato ressaltou a recuperação econômica, tendo como motor a própria distribuição de renda e ampliação do mercado interno de massas.

Rabelo comentou as manifestações de junho como uma resposta a estes dez anos de governos democráticos e como uma reivindicação por mais conquistas sociais. “A voz das ruas manifesta uma crise de legitimidade do sistema político, impondo-se o aprofundamento da democracia. E atenção: o avanço da democratização não é possível com a existência de monopólios midiáticos”, declarou. O dirigente comunista alertou, portanto, para o modo como a direita, por meio dos meios de comunicação, busca orientar as manifestações para uma luta ideológica contra a presidenta Dilma e os avanços de esquerda. “Os manifestantes não pediram a volta ao passado. Pediram, sim, o avanço, mais direitos, mais democracia e mais conquistas sociais.”

Renato diz que o resultado dessas conquistas levaram a um novo patamar, uma nova etapa de desafios para seguir avançando. “A concretização de um Projeto Nacional de sentido democrático e popular, para avançar, exige reformas estruturais e democráticas mais profundas”, propôs. De acordo com o presidente comunista, as mobilizações expressam a premência da universalização de serviços públicos básicos, assim como a solução dos problemas ligados à qualidade de vida nas cidades, como segurança e transporte. “Vem para a ordem do dia a concretização da reforma urbana, da reforma tributária progressiva, da atualização da reforma agrária”, diz ele, citando reformas estruturais que não podem mais ser adiadas.

Rabelo defendeu a necessidade do governo garantir a continuidade das atuais conquistas econômicas como o nível de emprego e a valorização salarial, que, na opinião do PCdoB, dependem da redução da transferência de recursos ao capital financeiro, por meio dos juros da dívida pública, e consequente elevação das taxas de investimento econômico. Ele também defende um regime de tributação progressivo que onere os que ganham mais e reduza o peso da carga tributária sobre os setores médios e populares.

Outra mudança estrutural importante defendida por Rabelo é a reforma política proposta por meio de consulta plebiscitária pela presidenta Dilma. “Apoiamos as iniciativas populares de projetos de lei ao Congresso Nacional. Entretanto, opinamos que devemos buscar uma convergência em torno de uma proposta comum, de reforma política básica, que reúna as forças de esquerda e progressista, os movimentos sindical e social. Motivo que, consideramos para isso, o projeto de reforma política democrática proposto pela OAB, como um ponto de partida para essa unificação”, apontou ele. A proposta da OAB, ressalta ele, combina anseios da sociedade e dos partidos, por meio de duas questões estruturantes:  a extinção do financiamento de campanha por empresas e a alteração do sistema eleitoral, que não pode favorecer projetos pessoais.

Para além do balanço e das perspectivas apontadas para o futuro do Brasil, o dirigente comunista também dialogou com a pauta do Foro de partidos de esquerda latino-americanos como forma de fortalecer as mudanças que ocorrem em todos os governos progressistas contra a profunda e instável crise econômica global. “Acelerar a integração, fortalecendo o Mercosul, Unasul, Alba e a Celac é uma forma consequente de resistirmos em conjunto à grave crise capitalista, para a qual não há solução à vista, e convergir nossos projetos de desenvolvimento para fortalecer nossa soberania, aprofundar a democracia e garantir mais direitos para o povo”.

A via democrática

O ex-presidente Lula classifica o Foro de São Paulo como “a melhor coisa que já criamos neste continente latino-americano”, por antecipar políticas importantes de integração regional para os governos progressistas que vieram depois. Foram convidados pelos brasileiros, partidos de esquerda e movimentos sociais e revolucionários da America Latina e do Caribe para discutir alternativas às políticas dominantes e promover a integração da região.

Ao lembrar a história da organização, fundada em 1990, em São Paulo, Lula contextualizou sua origem.

Segundo ele, em 1980, a esquerda latino-americana não acreditava que seria possível chegar ao poder pela via da disputa democrática e, sobretudo, pela via eleitoral. “Eu me lembro da esperança que a gente tinha na vitória dos revolucionários de El Salvador, na revolução sandinista”, diz ele, fazendo referência à correlação de forças desproporcional em países que saíam de ditaduras fragilizadas pelo poder econômico das elites de direita.

“Mas a história provou que a democracia exercida pela massa é a melhor fonte para que a esquerda chegue ao poder em qualquer país do mundo”, diz ele, responsabilizando o Foro de São Paulo pela articulação que levou tantos partidos de esquerda ao poder na América Latina.
A eleição de Hugo Chávez, “pela mão do povo venezuelano”, é vista por Lula como esse momento inaugural na América Latina, embora lembre o papel perene de Cuba e sua revolução vitoriosa. “Os companheiros cubanos nos ensinaram que o exercício da tolerância entre nós, a convivência pacífica da diversidade, de vários setores de esquerda, era a única possibilidade que permitia que tivéssemos avanço aqui neste continente.”

Lula não deixou de apontar ameaças a esse processo ao apontar o imperialismo dos Estados Unidos e suas posturas em relação à geopolítica global. Lula fez piada com o monitoramente eletrônico que os americanos fizeram no Brasil. “Estou preocupado. Tenho que hablar poquito e de espacio porque si no o Departamento de Estado americano está gravando ou está filmando. E isso não é uma coisa boa porque tenho que tomar cuidado”, disse Lula, arrancando risadas da plateia.

Falando sério, o ex-presidente disse que “eles não brincam em serviço” e que “a Aliança do Pacífico tem o interesse geopolítico de enfraquecer a integração da América do Sul”. “Quando a gente organiza os Brics, faz reunião Mercosul-África, ou com os países árabes, isso começa a incomodar, porque mostra que outros atores estão surgindo”, afirmou.

Lula mostrou o quanto priorizou a integração da América Latina em seu governo como forma de enfrentar o boicote dos Estados Unidos à parceria entre os países da região.

“A direita um dia decidiu criar o Consenso de Washington e esse acordo pautou tudo o que aconteceu no nosso continente por anos. Está na hora de construirmos um consenso de esquerda na América Latina”, argumentou Lula.

Lula acredita que houve uma grande evolução nos últimos anos, mas que é preciso avançar muito mais na integração latino-americana. Para isso, ele defende a necessidade de haver mais troca de informações e experiências, “olho no olho”, com uma dedicação maior dos governos também à politica externa. “Política de integração a gente não faz por telefone, mas sim visitando os países.” “A América Latina pode ser o grande farol da nova esquerda que nós precisamos criar no mundo”, previu, mencionando o enfraquecimento brutal que a esquerda sofre no mundo com a atual crise econômica e a ofensiva neoliberal.

Ele lamentou e se disse “preocupado” com o futuro do continente após a morte do venezuelano Hugo Chávez, ocorrida em março deste ano, que, segundo ele, fará muita falta na integração regional. “É muito triste o Chávez não estar aqui hoje, ele era uma figura diferenciada, repetiu Lula, Chávez era diferenciado até quando divergia”, afirmou Lula. “Espero que o novo presidente Nicolás Maduro cumpra exatamente o papel que Chávez vinha tendo.”

Lula apontou a necessidade de criar instrumentos de comunicação de esquerda, em vez de apenas criticar a grande imprensa, como forma de enfrentar a ofensiva de direita. “Não podemos ficar chorando o problema da mídia conservadora, porque ela é conservadora aqui, em El Salvador, no Chile, na Argentina… Não podemos ficar apenas reclamando que nossos adversários usam a mídia contra nós. Agora com a internet, temos, pela primeira vez, a chance de criar instrumentos de comunicação entre nós.”


“A internet é o nosso canal, porque a gente pode chegar a milhões de pessoas”, diz ele, afirmando que é preciso “levar a coisa a sério”. “Nós precisamos ser mais comunicativos; não podemos mais continuar da forma tradicional”, falou, mostrando um panfleto de papel para a plateia.

A grande preocupação do petista é a necessidade de o PT e partidos de esquerda criarem novas formas de diálogo com a sociedade, em especial com os jovens. “Como estamos nos comunicando com eles? Qual a mensagem que estamos passando para eles? Qual a mensagem de esperança que passamos?”, indagou.

Lula ponderou que as manifestações, que ocorreram com grande intensidade e com uma enorme participação popular, foi uma surpresa para todos, para a esquerda e para a direita, desde a chamada Primavera Árabe. “O que ocorreu não está escrito na cartilha”, afirmou, salientando que a esquerda tem que se renovar de acordo com as mudanças que surgem. “Nestas manifestações que aconteceram, teve de tudo, a maioria é coisa boa. Mas por trás disso tem fascistas também. Às vezes a gente encontra um companheiro xingando e gritando na rua, já acha que é inimigo e esquece que nas últimas eleições ele votou na gente. Em vez de achar ruim, seria melhor perguntar ‘por que agora você está bravo comigo?’”, disse ele, lembrando a análise já feita por dirigentes partidários como Renato Rabelo.

Lula criticou os partidos de esquerda europeus que, segundo ele, “estão definhando” e perderam o discurso porque ficaram semelhantes à direita. Sobre a esquerda na América Latina, afirmou que seus dirigentes foram “ficando velhos” e, agora, se perguntam ‘cadê a juventude dos nossos partidos?’. O petista afirmou também que os partidos de esquerda da América Latina ainda fazem política “da forma antiga”.

No alerta ao PT, o ex-presidente sustentou que “aqui no Brasil nós sabemos que um partido de esquerda que chegou ao poder precisa tomar cuidado para não cometer os mesmos erros que vimos em outros lugares”. “Só tem uma coisa que garante um partido, chegando ao poder: não perder sua relação com o povo”.

A mensagem da presidenta

Em mensagem por vídeo aos participantes no evento, a presidente Dilma Rousseff (PT) afirmou que os governos de esquerda do continente “não se refugiam em um nacionalismo estreito” e buscam a integração regional. A presidente falou ainda dos protestos que desde junho têm tomado as ruas do país. “Meu governo e meu partido entenderam rapidamente o recado das ruas”, disse Dilma, que completou: “Não pediram a volta ao passado, pediram sim o avanço para um futuro de mais direitos, mais conquistas sociais”.

Dilma afirmou que os partidos e dirigentes de entidades e governos de esquerda da América Latina chegaram ao Brasil para o Foro “em um momento em que o país viveu e ainda vive mobilizações sociais de importância”.
O atual contexto, segundo ela, demanda mudanças que contribuam para dar maior representatividade e credibilidade a governos e partidos.

Dilma disse que os governos petistas se comprometem com o desenvolvimento do continente e que o mesmo compromisso seria visto nos governos de esquerda. “Todos os condutores das grandes transformações em nossa região chegaram aos nossos países por meios absolutamente livres, democráticos e com ampla participação popular. Nossos governos democráticos e populares têm sido firmes igualmente na defesa da soberania nacional. Mas não se refugiaram em um nacionalismo estreito. Ao contrário, impulsionaram como nunca a integração continental”, disse Dilma.

Apesar de a abertura oficial do Foro de São Paulo ter sido na noite desta sexta, o evento acontece na capital paulista desde segunda-feira, quando começou um curso de formação política. O encerramento será neste domingo, 4 de agosto, e contará com a presença do presidente boliviano, Evo Morales.