Alckmin, demos e populus
Nos bancos acadêmicos aprendi uma velha e definitiva lição. Nas democracias, o comando é do povo.
A palavra grega demokratia, como todos sabem, é composta por ´demos´, que quer dizer povo, e kratos, a significar ‘poder’. Por isso, e na melhor conceituação, significa ‘poder do povo’, ou seja, regimes e sistemas políticos nos quais é o povo que comanda.
O problema é como atribuir poder ao povo. No velho berço de Atenas, com cerca de 30 mil habitantes, tínhamos a democracia direta. Assim mesmo, impunha-se uma odiosa exclusão às mulheres. Elas não participavam das assembleias, a tornar imperfeito, por vício de origem, o sistema.
Segundo Aristóteles, ‘demos’ eram os pobres, enquanto, para os marxistas, o povo era o proletariado.
Com o passar do tempo, consolidou-se a democracia representativa e o princípio de maioria limitada e moderada. Trocado em miúdos, a maioria tem o direito de governar mas com respeito aos direitos da minoria.
Colocado isso, soa diversionismo barato e marquetagem de quinta categoria o pronunciamento do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB). O governador Alckmin disse que irá, por meio de ação judicial contra a empresa multinacional Siemens, postular indenização (dano emergente e lucro cessante) por ter essa empresa denunciado e confessado participação em licitação fraudada nas implantações de linhas do metrô paulistano. No fundo, uma maracutaia, segundo informado, consumada nos governos tucanos, desde Covas-Alckmin e a passar por José Serra, que sempre se apresenta em panos de Varão de Plutarco mas já está identificado como tartufo.
Duas colocações, no particular. O povo está legitimado, pelo seu representante na chefia do governo (Alckmin), a buscar indenização pelos prejuízos. Só que o povo (leia-se também cidadão paulista) também está legitimado a buscar a responsabilização dos seus representantes que, ainda não se sabe se dolosamente ou por incompetência, permitiram as ‘maracutaias’.
Mais ainda, ainda não se sabe nada sobre o preço da corrupção, ou melhor, se foi para engordar carteiras e bolsos ou se para fazer caixa para campanhas eleitorais tucanas. Alckmin, ao anunciar a ação judicial, quer evitar o questionamento sobre a participação de todos os governadores nesse esquema. Ele quer se auto-absolver, sem que os cidadãos paulistanos percebam.
No direito administrativo, está patente que os secretários do governador são apenas agentes da sua autoridade. Todos os secretários de Alckmin e Serra agiam, atuavam, por delegação. Se abusaram e trapacearam por conta própria, fica claro que o (s) governador (res) foi inepto nas escolhas e fiscalizações.
Como se percebe, o governo Alckmin é pródigo no exercício de uma ética ambígua, que, certamente, seria reprovada pelo santo Josemaria Escrivá de Balaguer. E não se trata, como se informou ter acontecido no passado, de acordos com o chefão do Primeiro Comando da Capital (PCC). Refiro-me, agora, às declarações de que o governo Alckmin não vai rescindir os contratos com a Siemens e referentes a outras obras. Com efeito, a Siemens foi ‘bandida’ apenas em certa e determinada obra. Para as demais, não é bandida.
Num pano rápido, está patente a ética ambígua de Alckmin pois a Siemens, depois de admitir participação criminosa e os seus responsáveis livraram-se em face do instituto da delação premiada, continuará, por contratos cujo princípio básico é a confiança recíproca, a participar das realizações do governo Alckmin.
Publicado em Carta Capital