Certa vez, o mineiro Carlos Drummond de Andrade conseguiu, habilmente, a façanha de sintetizar Vinícius em uma frase que se tornou célebre: “O único poeta que viveu como poeta”.
Drummond captou bem a essência do poetinha que, ao longo dos seus quase 67 anos, transformou o amor em norte e o buscou incansavelmente – Foram nove casamentos, muitas composições e poemas. Hoje, há exatos 30 anos da morte dele, Terra Magazine conversou com Toquinho, que formou com Vinicius uma das mais frutíferas e interessantes parcerias da MPB.
Por telefone, o músico lembrou como foi o primeiro contato entre os dois e falou sobre o encontro feliz entre a juventude e o “Know-how de vida e de poeta”. Para Toquinho, Vinícius está vivo.
– Os personagens não morrem. Eles continuam, só param de trabalhar. Vinicius deixou a grande poesia dele, uma importância musical enorme. Ele desceu do pedestal da poesia e veio fazer música popular, numa época em que a música era samba-canção, uma mistura de tango e bolero. Como homem foi um ser humano que viveu como poeta, se dilacerou em nove casamentos e pagou um preço caro pela busca da paixão. Acho que ele é um parâmetro de forma de amor.
Uma vez, estávamos saindo de um show e veio uma mulher em prantos, o abraçou e falou: “Vinicius, obrigada por ensinar a gente a amar”. Então, é um pouco isso: Vinicius ensinou muita gente a amar. Tanto nos sucessos conhecidos que ele tem quanto na sua atitude dilacerada de vida, em busca desse amor eterno, que evidemente, não existe.
Confira a entrevista
Terra Magazine – Seu primeiro contato com Vinicius foi na adolescência: ele, o poeta e compositor consagrado. Você, o jovem músico promissor. Como foi esse encontro?
Toquinho – Foi meio bucólico (risos). O Chico Buarque, meu amigo de muitos anos, desde a adolescência, ele me telefonou e falou: “Meu pai (historiador Sérgio Buarque de Holanda) arrumou um encontro na casa do Vinicius para eu mostrar umas canções para ele. Você podia ir comigo para tocar um violão?” Respondi: “Vamos lá. Será o maior prazer. Quero conhecer o Vinicius”.
Nós fomos à casa do Vinicius, que morava no Rio de Janeiro, e ele recebeu o “filho do Sérgio”, talvez achando um saco aquilo, receber um garoto que foi mostrar música.
O Chico mostrou as canções para ele. Meio frio, ele falou aquelas coisas: “Menino (Chico Buarque), você é bom. Vê se continua” (risos). Depois, pediu lincença e falou que tinha que fazer outras coisas. Aí, nós fomos embora meio chapadinhos, sem saber o que tinha acontecido.
Os anos se passaram e conheci Vinicius e a gente começou uma parceria. Um dia, falei: “Vinicius, você se lembra daquela vez em que fui à sua casa com o Chico Buarque para mostrar umas canções para você?” Ele respondeu: “Não tenho a menor ideia” (risos).
Nesse primeiro encontro, você tinha quantos anos?
Uns 17 anos. O Chico tinha 19 anos. Quando eu o reencontrei, tinha 23 anos, mas aí já tinha feito uma trajetória. E o Chico já era conhecido.
Você e Vinicius formaram uma das parcerias mais bem-sucedidas da MPB. Por que deu tão certo? Qual o segredo da química entre vocês?
Antes de mais nada, apesar de eu na época ser muito jovem, já tinha muito tempo de música. Estudava violão desesperadamente, como estudo até agora. Adoro isso. Levava muito a sério minha carreira. Já tinha uma trajetória de disco, Já havia feito Maravilha, com o Jorge Benjor, já tinha uma bagagem enorme de melodias e procurava um parceiro. O Vinicius tinha uma certa idade e já estava meio aposentado na época. De certa forma, incoscientemente, ele devia procurar um cara jovem, que tivesse uma linguagem para poder dar para ele algo além da Bossa Nova, de que foi um grande mestre.
Agora, o que nós nos demos foi o que ambos precisavam. Ele deu um know-how de vida, de poeta que ele era, toda aquela magia que ele já tinha para um garoto que estava começando. Eu dei o que ele já não tinha mais: juventude, vigor físico, uma quantidade enorme de músicas. Depois, tem o respeito mútuo que sempre existiu e muita habilidade musical, uma constância musical enorme. Eu vivia compondo, compondo, compondo o tempo inteiro. A gente acabava um disco e já tinha outro pronto.
Fazíamos música para tudo: para o bebê, para a mãe, para a avó (risos).
Que voracidade (risos)!
É, era uma voracidade (risos). Foram esses os motivos pelos quais a parceria deu certo.
Quando Vinicius decidiu fazer música, enfrentou preconceito dos críticos, que não receberam bem a aproximação dele com a música popular. Ele falava sobre isso?
O preconceito acontecia principalmente pela aproximação do Vinicius comigo. Eu sou paulista e, na época, o Rio de Janeiro ainda tinha um certo preconceito com essa coisa de São Paulo. Outra: Os críticos já haviam pendurado as chuteiras do Vinicius. Já tinham falado: “Acabou sua carreira”. De repente, vem um garoto de São Paulo, de 22 anos, e começa a fazer música com ele. Músicas seríssimas até, como a A tonga da mironga do kabuletê , e faz o maior sucesso.
Os críticos não gostaram disso e começaram a colocar o Vinicius de uma forma quase ridícula em relação ao sucesso. Eles queriam que o Vinícus ficasse quietinho no canto dele, como haviam previsto. Já tudo resolvido, já fez uma história na música brasileira e acabou-se. De repente, a gente começou uma parceria nova em todos os sentidos e o Vinicius virou o show man que nunca havia sido. Juntos, fizemos mais de mil shows.
O Tom Jobim costumava falar: “O sucesso incomoda as pessoas, é uma agressão”. Foi isso que aconteceu. Depois, todas as pessoas se acostumaram.
Mas o Vinicus lidava bem com as críticas?
Eu lidava melhor do que ele. Eu, realmente, estou pouco ligando se alguém gosta ou não gosta de alguma coisa. Vinicius sentia um pouco mais. Sentia, porque era uma grande injustiça. A gente fez uma música, As cores de abril, e a patrulha ideológica achava que havíamos feito uma ode à revolução. Uma loucura. Era um patrulhamento ideológico imbecil. Acho que a esquerda brasileira foi tão radical quanto os militares.
Então, a gente sofreu isso também. De qualquer maneira, o tempo passou e consolidou a verdade, que emerge sempre. Fomos ajudados pelo tempo.
A parceria de vocês rendeu quantas composições?
Foram mais de 132. Gravadas.
Ainda há material inédito?
Tem uma música que gravei agora com o Paulo Ricardo, num disco novo, que vai sair neste ano, em homenagem aos 30 anos de morte do Vinicius. Uma música inédita que ficou e eu resgatei a letra no ano passado. Ficou um disco bem moderno e extravagante em termos de arranjo. Está uma coisa muito pop. Aliás, o Vinicius é pop. O papa é pop (risos).
Na sua opinião, qual o principal legado deixado por Vinicius para posteridade?
Vinícius está vivo. Os personagens não morrem. Eles continuam, só param de trabalhar. Vinicius deixou a grande poesia dele, uma importância musical enorme. Ele desceu do pedestal da poesia e veio fazer música popular, numa época em que a música era samba-canção, uma mistura de tango e bolero. Como homem foi um ser humano que viveu como poeta, se dilacerou em nove casamentos e pagou um preço caro pela busca da paixão. Acho que ele é um parâmetro de forma de amor.
Uma vez, estávamos saindo de um show e veio uma mulher em prantos, o abraçou e falou: “Vinicius, obrigada por ensinar a gente a amar”. Então, é um pouco isso: Vinicius ensinou muita gente a amar. Tanto nos sucessos conhecidos que ele tem quanto na sua atitude dilacerada de vida, em busca desse amor eterno, que evidemente, não existe.