Os versos estão no Hino Nacional, mas o espírito que carregam espalha-se por toda parte em que habite a brasileira gente:

Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Seu autor, Antônio Gonçalves Dias, nascia há 190 anos, no dia 10 de agosto de 1823. Vinha ao mundo em sítio nos arredores da antiga Aldeias Altas — hoje Caxias —, uma próspera vila do sertão maranhense, que já à época contava seus trinta mil habitantes. Ali, naquele momento e naquela localidade, nossa terra se tornava, afortunadamente, a pátria mãe de um dos mais vigorosos poetas de todo o Romantismo.


De todo ele: a assertiva não trás em si qualquer excesso. Já em vida reconhecido como o maior poeta do país — juízo que ainda hoje persiste em boa parte dos críticos —, o autor de “I-juca-pirama” não teve sua fama restrita ao território pátrio. Sua edição dos Cantos impressa em Leipzig em 1857 alcançou grande aceitação em Portugal, na Espanha, na França e na própria Alemanha, projetando-o mundialmente como poeta de expressão.


Não por acaso, a leitura dos Primeiros Cantos — obra de estreia de Gonçalves Dias — levou Alexandre HERCULANO, gigante do Romantismo português e europeu, a declarar sobre o futuro literário do Brasil:

“Naquele país de esperanças, cheio de viço e de vida, há um ruído de lavor íntimo, que soa tristemente cá, nesta terra onde tudo acaba. A mocidade [i.e. a jovem nação brasileira], despregando o estandarte da civilização, prepara-se para os seus graves destinos pela cultura das letras; arroteia os campos da inteligência; aspira as harmonias dessa natureza possante que a cerca; concentra num foco todos os raios vivificantes do formoso céu, que a alumina; prova forças enfim para algum dia renovar pelas ideias a sociedade, quando passar a geração dos homens práticos e positivos, raça que lá deve predominar ainda; porque a sociedade brasileira, vergôntea separada há tão pouco da carcomida árvore portuguesa, ainda necessariamente conserva uma parte do velho cepo. Possa o renovo dessa vergôntea, transplantada da Europa para entre os trópicos, prosperar e viver uma bem longa vida, e não decair tão cedo como nós decaímos! […] Os Primeiros cantos são um belo livro; são inspirações de um grande poeta. A terra de Santa Cruz, que já conta outros no seu seio, pode abençoar mais um ilustre filho.” (in DIAS, 1998, p. 99-100)

Gonçalves Dias foi o autor emblemático do admirável círculo romântico maranhense, que por sua vez — como se depreende das opiniões de críticos como José Veríssimo e Sílvio Romero — representou o ponto alto do Romantismo brasileiro. “A lírica de Gonçalves Dias”, afirma o historiador e crítico Alfredo BOSI, “singulariza-se no conjunto da poesia romântica brasileira como a mais literária, isto é, a que melhor exprimiu o caráter mediador entre os polos da expressão e da construção” (1992, p. 119).


Nessa linha de apreciação já insistia o professor Soares AMORA, para quem

“Na ordem do relativo, Magalhães, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela e Castro Alves foram, sem dúvida, os nossos mais significativos poetas românticos; mas na ordem dos valores absolutos, pouco a pouco chegou a crítica à convicção de que foi Gonçalves Dias a mais completa organização poética de nosso Romantismo, e foi, ainda, aquele a quem ficamos a dever a primeira definição de uma grande poesia brasileira.” (1967, p. 127)

Essa “primeira definição de uma grande poesia brasileira” surge da pena de um poeta forjado concomitantemente sob os signos da lusitanidade e da mestiçagem. Poeta brasileiro por excelência, Gonçalves Dias temperou sua verve poética, de um lado, em um modo de vida intimamente ligado à realidade da gente simples, e de outro na militância em torno das grandes questões nacionais. Daí a marca simultaneamente nacionalista e popular de sua poesia, como veremos na segunda parte deste ensaio.