No centro da cidade vencida organizo a esperança e irrompido pelo tempo clamo por meus heróis: índios, negros, gente miscigenada na seminal revoltosa dos brutais acontecimentos da formação brasileira. Na ponta da lança tupinambá a mão plena de Guaimiaba (1) em ataque ao forte da preagem e da escravização indígena, no nascedouro povoado erigido na ponta de terra, na foz do rio do tempo presente: Santa Maria de Belém (2).

No centro da cidade vencida caminha o poeta com tecidos arbóreos e certo temperamento das chuvas nas ribeiras. Numeroso caminha o poeta procurando na geometria das casas, a infância perdida.

Centro de Belém

Quando menino fui pela vida em diversas moradas, algumas com telhas vermelhas.
Quando menino sonhei os sonhos marítimos de meu avô operário.
Quando menino queria ser adulto e hoje quero voltar a ser menino.
Quando menino as estrelas me pareciam outros meninos.
A injustiça me faz fogo e vou queimando minhas vestes com a rouca voz que me resta. Em seu testamento de combatente e tribuno proletário meu pai temia mais perder a identidade do que a própria vida. Estava certo meu pai.
Não há porque calar quando os bestiais falam.
Não há porque o medo se as bandeiras de nossa época tremulam esperançosas.
Não há porque se fragmentar quando a unidade tem a vocação para jornadas altaneiras.
É tarde, madrugada. Os livros repousam na estante. Meus filhos dormem com sonos de desenhos. Os papéis destas horas guardam discursos incendiários. O café e a mesa posta da manhã comprovam o pomo de destinos e certa itinerância para a alvorada.

No centro da cidade vencida organizo a esperança e irrompido pelo tempo clamo por meus heróis: índios, negros, mamelucos, mulatos e proletários.

*Paulo Fonteles Filho é escritor e pesquisador

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Notas:
(1) O primeiro grupo indígena que os portugueses entraram em contato ao chegar ao Pará foram os índios Tupinambá, cujo “morubixaua” (“principal” ou “cacique”) se chamava Guaimiaba
(2) Belém, em suas origens chamava-se Santa Maria de Belém do Grão-Pará…