Nossa senhora dos igarapés

 

Mãe d’água velai por nossos rios,
lagos, furos e igarapés esgotados
de tonto e sedento solo explora dor.

 

A cobragrande mãe dos peixes encantados
que viraram gente na beira e eira
dos rios nos começos do tempo
venha Cobra Norato nos ajudar
a dominar a sanha de Maria Caninana
e a reencontrar a lua nova
que se esconde numa praia nua
de verdade e de mentira
reino da poesia no fundo das águas grandes
o avesso do caroço do tucumã
na imaginação da Terra sem males
negro coração da primeira noite do mundo.

 

Yara soberana do caminho desta canoa igarité
carregada de peixes nativos
e lendas afroamazônicas
sementes aluviais de sóis e luas
manhãs que ainda não brilharam
histórias do futuro que se guardam
no abismo de mitos indecifrados
do obscuro passado deste mundo
sem par.

 

Mãe da chuva, guardiã vilipendiada
da floresta violada por estrupadores dementes
constritores bandeirantes do caos
exterminadores do vir a ser
aborteiros do futuro
posseiros e fazendeiros da maldade
garimpeiros doentes da febre do ouro dos tolos.
Cobra madre que morde a própria cauda
emendando vidas e mortes em cardumes
com o prateado fio do delírio da paisagem:
tempo e resiliência deste rio sem fim
rosário infinito do espaço imemorial,
zelai por nós
que depositamos nossa pouca fé em vós.

 

 

   José Varella, Belém-PA (1937), autor dos ensaios “Novíssima Viagem Filosófica”, “Amazônia Latina e a terra sem mal” e “Breve história da amazônia marajoara”.

autor dos ensaios “Novíssima Viagem Filosófica” e “Amazônia latina e a terra sem mal”, blog http://gentemarajoara.blogspot.com