Lula e Dilma em Brasília Teimosa, no Recife
No site do PT se escreveu:
“Brasília Teimosa, antes, eram apenas palafitas, casas que ficavam em cima da maré sustentadas por madeiras, em um cenário de extrema pobreza”
Mas não era bem assim, quem é de fora do Recife, ou quem não tem a experiência viva do lugar é que pensa dessa maneira.
Na verdade, Brasília Teimosa é um bairro do Recife que sempre lembrou paradoxos. Nascida na Zona Sul, em terras valorizadas, foi construída na praia por invasões de pescadores e sem teto. Tendo o nome de Brasília, adaptou a sua arquitetura pelo adjetivo, Teimosa, porque nunca seus casebres foram as linhas curvas de Niemeyer. Eram, antes, linhas de fuga, para que os moradores fugissem das prisões da polícia. E depois, teimosos, voltavam a construir suas casinhas no mesmo lugar.
Da minha experiência no bairro, onde vivi de 1972 a 1977, lembro que suas ruas não tinham calçamento, eram cobertas de areia da praia que sempre nos presenteava com traiçoeiros bichos-do-pé. Raras eram as casas de tijolos, quase todas eram de taipa ou de madeira. Saneamento nenhum, água era tirada de poços ou comprada em caminhões-pipa.
E continuou o site do PT, um dia depois do grande comício de Lula e Dilma no Recife:
“Hoje a comunidade de Brasília Teimosa é uma bela orla. Restaurantes, ciclovia, faixa de areia e um calçadão fazem parte de uma das mais importantes obras do governo petista em Pernambuco, a Avenida Brasília ‘Formosa’”.
Sim, isso expressa a realidade do bairro.
Hoje, Brasília Teimosa, em boa parte, está urbanizada, repleta de beleza e restaurantes. Os que moravam em palafitas foram transferidos para conjuntos habitacionais, deixando longe aquele ciclo de Josué de Castro: homem come caranguejo que vira fezes que são comidas por caranguejos. A maioria, que não morava em palafitas, hoje ocupa casas cujos terrenos são disputados por imobiliárias.
Para o grande comício de Dilma, Lula, Armando Monteiro e João Paulo, os jornais do Recife publicaram:
“O movimento era intenso ao cair da noite de ontem em Brasília Teimosa. Dezenas de ônibus mobilizados chegavam com a militância para adensar o comício de grandes proporções na do ex-presidente Lula (PT) e Dilma Rousseff (PT), montado na orla da comunidade. Outros, uns de azul (cor do PTB) e outros de vermelho (cor do PT) chegavam a pé. O público lotou a área reservada ao comício”.
Mas eu, que estava na multidão, e portanto não tenho uma visão de cima, de quem está no lugar reservado à imprensa e olha as pessoas do alto, registrei em uma folha de anotações.
Dilma é a mulher mais bonita da República. Em um texto anterior, registrei o quanto Marina Silva estava feia, era feia, e mais de uma pessoa estranhou, porque eu estaria elegendo modelos ou misses. Das misses, eu particularmente prefiro as ex-misses, de preferência as dos concursos de 1963. Quando digo que Dilma é a mulher mais bonita da República, quero dizer: vem dela uma história política, uma memória, um bem-querer que é consequência dos valores mais altos pelos quais valem a pena estar vivo. Então Dilma em Brasília Teimosa é também a superação daquele terrível ano de 1973, quando ali eu morava, e 6 militantes contra a ditadura foram assassinados, e uma delas foi Soledad Barrett. E sobre Soledad Barrett escrevi o livro Soledad no Recife.
Então eu falo que Dilma é a mulher mais bonita da República, pois a memória recupera o Brasil daquele tempo como uma superação. Dilma confirma a sua beleza quando afirma com voz embargada no palanque:
“Não desisti do Brasil nem quando fui presa e torturada, porque este País é muito maior que um bando de ditadores. Não mudamos de lado, nem de compromisso.”
Não sei se já contaram à candidata, mas Dilma é ótima quando sai do script, do roteiro dos gurus do marketing, que têm medo da emoção e firmeza da candidata. Eu a prefiro assim, fora do script. Dura, brava e clara.
Lula, que fala antes dela, é o cara. Desde muito antes deste comício em Brasília Teimosa. Quando ele se despediu da Presidência da República, aqui no Recife, ele discursou: “Era preciso que o presidente tivesse um olhar total do seu País, para conhecer o seu povo, e poder governar distribuindo possibilidades para que todos tivessem condições de participar do desenvolvimento deste País”. Agora, quando o locutor o anuncia, nesta parte daquele Recife rebelde dos que não tinham casa, quando o locutor fala: “alô, Brasília Teimosa”, a massa canta: “olé, olé, olá, Lulá, Lulá”. E ele entra em um só diapasão, como se fosse Nat King Cole ao inserir sua voz no piano, sem trauma ou lacuna do instante. Lula discursa como quem conversa, no começo. Ele prepara as pessoas contando casos reais, verdadeiros, dos bastidores, no começo da sua fala. Mas também adianta conceitos políticos, ao pedir que o povo assine a Constituinte exclusiva para a Reforma Política. Até explodir, no clímax:
“Nestes 12 anos, durante a crise internacional, enquanto o mundo todo demitia, os governos do PT e seus aliados conseguiram gerar 11 milhões de postos de trabalho com carteira assinada. No Governo Dilma, foram 5 milhões de empregos. Além disso, descobriram o pré-sal e destinaram 75% dos seus royalties obtidos com a extração deste petróleo para a educação e 25% pra saúde.
Dilma vai continuar com as políticas sociais que fazem o povo brasileiro andar de cabeça erguida. Como disse muito bem o Chico Buarque: ‘eu gosto da Dilma porque ela não fala grosso com a Bolívia, mas também não fala fino com os Estados Unidos’. É por esses e outros motivos, que eu quero mais 4 anos de Dilma”.
Então chega a vez de Dilma. Ela aprendeu com o mestre Lula, mas com o saber renovado. Ela também conta a chegada da água do São Francisco no sertão pernambucano, em Floresta, e lembra que ao ver os primeiros fios d’água, a correr barrenta, Lula lhe falou com a voz da experiência: “Dilma, é só um começo. Daqui a pouco a água fica limpa”. Então ela usa a metáfora do fiozinho d’água que cresce e se avoluma, da água barrenta que depois vira cristalina, para falar dos projetos nascidos em seu governo, como o Minha Casa, Minha Vida, que começou com uma projetinho de 100.000 casas, e foi crescendo, como água cristalina, com prestações hoje de 80 reais para o povo. Essa beleza de imagem não está na grande imprensa, que se apega ao factual, aos números, aos ataques de um jogo de futebol fla-flu. Mas é uma metáfora que toca na sensibilidade da gente como um grande poema.
Eles preferem registrar:
“Em discurso no comício realizado nesta quinta-feira (4), a presidente Dilma afirmou que em seu palanque ‘não tem vira-casaca’, que todos manterão suas opiniões, em indireta ao PSB, que rompeu relações com o PT no final do ano passado. A presidente também falou, sem citar nomes, que nessa eleição a verdade vai vencer a mentira, a desinformação e a cara de pau, em referência à candidata do PSB Marina.
Dilma, assim como o ex-presidente Lula, relembrou feitos de seu governo, citando a criação da Refinaria Abreu e Lima, os estaleiros e a indústria automobilística. Quando falou dos planos futuros, a presidente disse que pretende vir ao Estado inaugurar a segunda fase da adutora Pajeú e que pretende transformar o pré-sal em fonte de desenvolvimento para a educação”.
O tempo e o espaço acabaram. Eu fico com o fiozinho d’água barrenta da mulher mais bela da República do Brasil.