A síntese do sentimento que contagiou a plateia da sala de cinema no Shopping Frei Caneca, centro de São Paulo, foi a fala de João Orlando Jr, sobrinho de Osvaldão, que, após a exibição, agradeceu em nome da família por ter acesso a imagens em movimento e sonorizadas do parente heróico e pouco conhecido por todos. De fato, o maior mérito do filme é dar corpo, movimento e voz a um líder comunista que viveu num momento de profunda clandestinidade, em que até mesmo fotos eram um risco para a vida dessas pessoas.
“O grande legado do filme é o fato de apresentar o Osvaldão, que a nossa geração só conhecia por fotos e os relatos. Foi uma grande emoção conhecê-lo, além de trazer para o plano simbólico do país essa figura que colaborou tanto para a democratização política do Brasil”, disse o sobrinho de Osvaldão.
O filme partiu da busca por Eduardo Pomar, amigo de Osvaldão, por um documentário feito em 1962, na antiga Tchecoslováquia, quando ambos estudavam num intercâmbio com aquele país. Ainda muito jovem, e às vésperas de se tornar o mítico comandante da Guerrilha do Araguaia, Osvaldo Orlando da Costa, foi filmado em circunstâncias bastante íntimas para um documentário local sobre os estudantes estrangeiros. As imagens permeiam todo o documentário, com outras imagens documentais sobre a Guerrilha, e depoimentos de pessoas que o conheceram.
“O filme era um sonho antigo meu e superou minhas expectativas. Conseguiram colocar a história do Osvaldo de uma maneira muito bonita, com esse recorte que ele representou para a população do Araguaia”,   disse Eduardo Pomar. Embora esteja presente no filme, ainda jovem, Pomar se emocionou com os depoimentos de camponeses descrevendo de forma particularmene mágica seu amigo.”Fiquei muito satisfeito de ter passado para quem não o conheceu, como eu, um pouco do homem que eu conheci”.
Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Maurício Grabois e um dos produtores do filme, apontou a Mostra Internacional de Cinema como um palco privilegiado para a estreia do filme. “O objetivo do filme é exatamente dar visibilidade à Guerrilha do Araguaia, que é um dos episódios mais destacados da resistência à ditadura militar e ao golpe de 1964, como é um filme que projeta um jovem negro que entre os guerrilheiros e guerrilhaeras do Araguaia é um dos personagens que mais se destacou e demonstrou toda a generosidade da juventude brasileira ao dedicar sua vida à causa da liberdade e da democracia”.
O ativista e ex-senador italiano José Luis Del Roio acompanhou emocionado à apresentação do filme. Com entusiasmo, expressou que acredita que o filme vá ter um bom percurso pelas salas de cinema.  Ele elogiou o esforço de fazer um filme com pouco material e recursos, além de uma dificuldade a mais por ser feito por um partido político e revolucionário. “Escolher o Osvaldão para contar essa epopéia é algo muito especial num país de maioria negra. O peso da escravidão ainda é muito presente, então, todos os nossos heróis negros, que são muitos, têm que ser valorizados, sim, inclusive na sua característica de cultura e raiz africana”, afirmou.
O filme traz uma carga poética e sensorial, por meio de imagens e trilha sonora, que transporta o público para o universo místico do Araguaia e da floresta. A aproximação do guerrilheiro com as religiões locais de matriz africana e a magia com que os camponeses e indígenas entendiam aquele homem misterioso, marcam profundamente a narrativa do filme, expressando a construção do mito que permanece no imaginário local até hoje.
O deputado Adriano Diogo (PT-SP), presidente da Comissão Estadual da Verdade, foi bastante crítico ao elogiar o esforço importante, mas que deixa a plateia com gosto de “quero mais”. Profundo conhecedor da Guerrilha do Araguaia, o deputado sentiu falta do Partido no filme, ao focar num único personagem daquele episódio. Adriano cita outros personagens importantes do PCdoB para a guerrilha, como Grabois, Pomar, os Petit, ou ainda lamenta a passagem rápida pelos relatos sobre o Major Curió, que atuava de forma violenta até recentemente naquela região de mineração.
Os autores, por sua vez, defendem a força narrativa justamente pelo foco no lendário que surge do contato com a população do Araguaia. Para Ana Petta, há uma beleza poética no fato de Osvaldão continuar muito vivo entre aquelas pessoas. “As pessoas falam dele com uma intimidade e contam da sua morte como se contassem de uma pessoa da família. Se foi exatamente assim como as pessoas contam, ou o que está documentado, o que importava pra gente era mostrar o quanto ele é vivo, o quanto esses relatos se misturam e o quanto a lenda também é a história, porque interfere na vida das pessoas e as mantém ligadas à história do Brasil e da região.”
Vandré aponta que o mito foi criado pelo Exército e se tornou uma opção de abordagem cinematográfica. “Quem tinha medo do Osvaldão eram os militares que o apresentavam como o inimigo número um e propagandeavam isso para a população local”, diz o cineasta. Ele observa que os contemporâneos de Osvaldão o descrevem de forma muito realista, enquanto as novas gerações falam dele como um ser mágico, que é o imaginário deixado pelos militares para assustar a população.
Osvaldão tem essa peculiaridade de ter alcançado uma dimensão mítica muito ligada à brasilidade, que outros líderes da luta armada contra a ditadura não têm. “Se você for nas onze cidades daquela região, todo mundo sabe dizer algo sobre o Osvaldão, enquanto outros como Marighella e Lamarca são conhecidos por uns e outros não nas localidades onde atuaram”, compara Vandré para justificar o recorte que sustenta o documentário.
Os detalhes da vida de Osvaldão foram pela primeira vez apresentados no cinema. Apesar de já existir outras obras sobre a Guerrilha do Araguaia, entre elas “Araguaia, a Guerrilha”, de Vandré Fernandes; “Araguaya, a conspiração do silêncio”, de Ronaldo Duque e o documentário da Fundação Maurício Grabóis “Camponeses do Araguaia: a guerrilha vista por dentro”, não havia um relato sobre Osvaldão, que foi uma das figuras mais importantes desta resistência fundamental para derrubar a ditadura militar.
O filme segue em cartaz durante a Mostra e será exibido mais duas vezes, uma no dia 28, às 15h30, no Museu da Imagem e do Som, e outra no dia 29, às 19h, no Centro Cultural São Paulo, na Sala Lima Barreto.