O debate foi organizado pela Casa de Portugal e pelo Centro Cultural 25 de Abril e o encontro discutiu precisamente a crise econômica na Europa e o modo como a direita no poder tenta eliminar os avanços profundos ocorridos durante a Revolução, sofrendo a resistência das forças progressistas portuguesas atuais. Conforme lembrou Vital Nolasco, numa intervenção da plateia, a direita está tentando, há 40 anos, destruir o que a Revolução dos Cravos conquistou em tão pouco tempo.

Durante o evento de encerramento, o secretário de Relações Internacionais do Partido Comunista do Brasil, Ricardo Abreu, o Alemão, destacou que o atual momento europeu é muito diferente do ideário defendido pela Revolução dos Cravos, com efeitos perversos especialmente na Europa.

Segundo ele, a crise econômica de 2008 intensificou o surgimento de um movimento direitista extremista fascista e xenófobo. Ele destacou a violenta contradição que são os naufrágios de imigrantes desesperados que fogem do norte da África, e são recusados pela mesma Europa que os colonizou, explorou e, recentemente, os invadiu e destruiu militarmente a institucionalidade de países como a Líbia, tornando-os inabitáveis pelas guerras civis incontroláveis. 

Alemão citou os valores que marcaram a Revolução dos Cravos, que contrastam com a Europa contemporânea. Era um programa de democracia popular, de soberania nacional, de desenvolvimento econômico social, a ampliação dos direitos sociais dos trabalhadores, uma política internacional de paz, de cooperação e solidariedade entre os povos, uma postura anti-imperialista pela descolonização e pela independência nacional de todos os povos, em especial as colônias portuguesas. “Os ideias de Abril são ideais humanistas plasmados num programa e na luta do povo português, que muito influenciou a luta contra a ditadura no Brasil, no final dos anos 1970”, afirmou o dirigente comunista. Da mesma forma, que o fascismo avançando sobre o mundo desenvolvido, hoje, também ameaça governos progressistas da América Latina.

O privilégio de contar com o relato do comandante Carlos Machado Santos, um dos capitães que participou da revolução, permitiu o contato com um ponto de vista muito peculiar sobre aquele período. Ele defendeu que a Revolução de Abril de 1974, em Portugal, foi consequência de um problema corporativo no interior das Forças Armadas gerado pela exaustão da Guerra Colonial num governo que insistia em ser o último país europeu a manter colônias formais. A ditadura Salazarista que enfrentava uma crise econômica profunda se mostrava incapaz de convencer seus soldados do sentido daquelas guerras coloniais que levavam a lugar nenhum.

A partir dessa hipótese interpretativa, que Santos admite sofrer de um recorte elitista, ele vai apontando as oscilações dentro do Exército, conforme avança a Revolução de Abril. Ele lembra, com rigor de detalhes, episódios reveladores da contradição ideológica no Exército que antecipou a reação de direita, com apoio dos EUA e do capitalismo europeu. As transformações socialistas que entusiasmavam o país, por um lado, assustavam os setores mais atrasados com a boataria anticomunista espalhada pela direita que se organizava, inclusive dentro do governo.

Desde as tratativas para libertação dos presos políticos no forte Peniche, Santos revela uma resistência do Comando Militar em soltá-los por considerar que deviam cumprir a pena pelos “delitos comuns”, tais como os assaltos a banco para financiar a resistência, ou a falsificação de documentos. “Vejam lá, isso na clandestinidade, falsificação de documentos, era uma coisa absolutamente fundamental, não é?” O general António Spínola, nomeado Presidente da República, transtornou-se, expulsando-os da sala, quando Santos defendeu que os presos não fizeram nada disso em proveito próprio.

Gente como Spínola tiveram influência nefasta sobre o programa urdido e as pessoas que assumiriam cargos no governo revolucionário, assim como a resistência em libertar Angola e Moçambique, muito bem financiados pela direita e a finança portuguesa que eram. Derrotado em seu golpe, Spínola ia sendo substituído por gente, “se calhar”, mais sinistra, ainda que a dinâmica das transformações democráticas, desenvolvimentistas e descolonilizadoras fosse mais ágil que a contrarrevolução.

Santos enfatizou os companheiros que, hoje, se sentem profundamente arrependidos de terem embarcado na cisão militar que enfraqueceu a Revolução durante o governo de Vasco Gonçalves, com apoio do Partido Socialista de Mário Soares.

A Revolução Dos Cravos foi o movimento que derrubou o regime salazarista em Portugal, em 25 de abril de 1974. A revolução estabeleceu a democracia no país e promoveu importantes transformações políticas e sociais.

Participaram da mesa um dos organizadores da série de eventos, o petista João Antônio, da Casa de Portugal, o mediador da mesa, pela Fundação Maurício Grabois, Augusto Buonicore, Ildefonso Garcia, do Centro Cultural 25 de Abril.