O que o estreitamento das relações econômicas Brasil-China significa para o país do ponto de vista social e político? O que significa ter no país asiático, um dos mais poderosos parceiros dos Brics, também um dos principais consumidores das commodities nacionais? O que significam, por outro lado, as importações de manufaturados chineses para o Brasil?

Este é o tema do debate “As relações China-Brasil em seus aspectos econômicos, sociais e políticos”, com a participação da socióloga Camila Moreno e do analista político e escritor Wladimir Pomar, que ocorreu no dia 25 de junho, na sede da Fundação Rosa Luxemburgo.

A questão do desenvolvimentismo está no centro do debate proposto pelo livro de Camila Moreno, e permeia o debate em que a socióloga representa uma leitura de esquerda ecológica contra o modelo econômico brasileiro. Pomar, por sua vez, tem uma leitura mais clássica do modelo difundido pela China para a esquerda que governa o Brasil. Ambas as leituras, no entanto, trazem uma visão que foge à visão hegemônica anticomunista ao analisar um cenário mais recente daquele país e suas relações econômicas com o resto do mundo.

Ao final do debate, um professor universitário chinês comenta imprecisões do seminário. Ele também expressa o enorme interesse dos chineses pelo Brasil, expresso em centros de estudos que não existem aqui para estudos sobre a China. 

Com o debate, ocorreu também o lançamento do livro “Brasil made in China”, de Camila Moreno, editado pela Fundação Rosa Luxemburgo.

O evento foi promovido pelas Fundações Perseu Abramo (FPA) e Rosa Luxemburgo (FRL), e teve transmissão ao vivo pela tevêFPA.

Sobre o livro

Por Paulo Arantes

O meio século desenvolvimentista brasileiro transcorreu entre duas ditaduras. Inaugurado pelo Estado Novo (1937), seu auge foi alcançado igualmente numa outra ditadura (1964-1985). É muita coincidência para não cair na tentação de associar desenvolvimentismo e violência de Estado. Tão pouco é mera coincidência que o mito do desenvolvimento seja uma narrativa da Guerra Fria, sugerindo de novo afinidades entre os dispositivos de poder armados pelo impulso desenvolvimentista e as formas da guerra. Externa e interna. Coalizões de classe em torno de um “interesse nacional” de um lado, forças oponentes adversas de outro. A Guerra Fria terminou, o momento unipolar americano também. Bem como o ciclo das ditaduras brasileiras. Todavia, como o vínculo entre acumulação recuperadora e violência estratégica parece ser congênito, nossa atual recaída neodesenvolvimentista, além de assustar e mobilizar, parece-me que está pedindo explicação exatamente nesta chave.

Se Camila Moreno e Verena Glass – na contramão do atual consenso progressista latino-americano – estão certas, esse retorno explosivo da ilusão desenvolvimentista pode e deve ser entendido como um efeito colateral e dramático do fator China, que sabidamente reconfigurou todo o metabolismo da reprodução capitalista no planeta.

O Brasil made in China não é em absoluto mais um livro sobre o espectro de uma China Global rondando e devorando o mundo, até porque esse mundo está sendo fabricado por lá mesmo. Por isso “nós estamos dentro da China e a China está dentro de nós”. Na Amazônia, por exemplo. E, em escala mega e acelerada, como tudo o que ocorre na China e a partir da China. Em regime de urgência, crescer até o topo antes que o mundo se esgote. Daí o capitalismo de fronteira no qual estamos mergulhados. Os mapas que ilustram este livro são os mapas de um novo front.

Desde a Conquista, fronteira é um limbo jurídico, território de exceção por excelência. A esta altura já não é mais possível distinguir estratégias empresariais e militares de controle dos territórios, como observou Henri Acselrad. Da Amazônia ao Rio de Janeiro. Não vejo melhor manual de instrução no momento. E justamente no momento em que escrevo esta Nota, está se armando sobre as grandes regiões metropolitanas do país uma tempestade perfeita, quando vários limiares sociais e ambientais estão sendo dramaticamente ultrapassados. O Brasil made in China certamente ajudará a ligar os pontos.