Constituição de 1988: conquistas e retrocessos, por Aldo Arantes
Em 1988 o mundo estava sob a hegemonia do neoliberalismo com o início da demolição das conquistas econômicas e sociais obtidas com as constituições sociais aprovadas após o final da II Guerra Mundial. Internamente vivia-se um clima de avanço das lutas democráticas e sociais que asseguraram uma grande influência da sociedade nas conquistas obtidas com a Constituição de 1988.
Nos dias atuais a hegemonia do neoliberalismo se consolidou no mundo e alcançou o Brasil. Aqui tem provocado um acelerado processo de destruição das conquistas obtidas em 1988.
A Constituição restabeleceu o Estado democrático de direito com fundamentos na “dignidade da pessoa humana”. Expressando o forte sentimento democrático que existia na Constituinte, a Carta Magna estabeleceu que “A lei considerará a prática da tortura crime inafiançável, imprescritível de graça ou anistia”.
Nos dias atuais o atual presidente da República defende a ditadura militar de 64, a tortura, estimula o armamento de milícias e participa de atos que atentam contra a democracia e a Constituição.
A Constituição assegurou importantes conquistas para os trabalhadores. Nela aparecem, pela primeira vez, os seguintes direitos: piso salarial, irredutibilidade de salário, garantia de salário para quem recebe salário variável, 13º salário, jornada de seis horas para turnos ininterruptos, remuneração de serviço extraordinário, aviso prévio proporcional, adicional de insalubridade, assistência gratuita até os dois anos em creches e pré-escola, proteção face à automação.
A lógica neoliberal que preside o governo federal desde o golpe de 2016 tem como meta a quebra dos direitos sociais. Para cumprir tal objetivo foi aprovada a reforma trabalhista ainda no governo Temer. Ela submeteu o legislado ao negociado, praticamente liquidou com a CLT, criou diversas formas de trabalho precário, atentando contra direitos inscritos na Constituição. A reforma previdenciária, o aprofundamento de medidas contra os trabalhadores, a Emenda Constitucional 95 (teto de gastos) e inúmeras outras medidas vieram consolidar esta política.
A Constituição estabeleceu a soberania nacional como fundamento de nossa política externa. Todavia o atual a governo federal é totalmente subserviente aos interesses norte-americanos. Para agradar Trump adotou medidas contrárias à economia do país. E agora recebeu o secretário de Estado norte-americano, na fronteira com a Venezuela, para provocar seu dirigente e preparar uma intervenção militar no país.
A Constituição assegurou a presença do Estado em importantes setores da economia como o petróleo, mineração, entre outros. A participação do Estado é fundamental para regular as relações econômicas, sociais e políticas. No terreno econômico é essencial para assegurar que o poder econômico seja controlado pelo poder político.
Todavia hoje o poder econômico controla o poder político e jurídico, mais do que no passado. Conforme o constitucionalista Gilberto Bercovici, vivemos um estado de exceção econômico, em que os interesses do capital se sobrepõe à própria Constituição.
Está em curso um processo de privatização e desnacionalização da economia nacional de setores como o pré-sal, o desmonte da Petrobras, entre outras empresas.
A Constituição condicionou a propriedade ao interesse social. Hoje, com a liberdade completa do capital, o empresário pratica atos contrários à econômica popular e nacional com o apoio do governo federal.
Exemplo recente foi o caso do preço do arroz em que o governo federal não fez o estoque regulador e permitiu aos produtores venderem seus produtos no mercado internacional, causando uma criminosa crise de abastecimento interno, elevando o preço do produto a níveis exorbitantes.
O capítulo da Constituição sobre o meio ambiente foi um importante conquista civilizacional. A proteção do meio ambiente passou a ser um fator importante no desenvolvimento sustentável.
Todavia, Bolsonaro e seu governo desconhecem a questão ambiental. Fragilizam seus órgãos de fiscalização. Fazem “olhos de mercador” para o desmatamento e as queimadas da Amazônia e do Pantanal. E, cinicamente, tentam esconder a realidade revelada pelos dados do INPE sob a alegação de que há uma campanha internacional contra os interesses do país.
Na área da saúde, a criação do SUS foi uma das maiores conquistas sociais da Constituição. Na pandemia o SUS foi decisivo no combate à Covid-19.
O processo de fragilização da área da saúde e do SUS se relaciona, entre outras razões, ao corte de recursos relacionados à emenda do teto. Também na ONU Bolsonaro se eximiu da responsabilidade pelas milhares de mortes, por sua atitude de subestimação da crise da Covid-19. Pela priorização da retomada da atividade econômica em detrimento da defesa da vida.
A Constituição brasileira estabelece a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, prescrevendo o pluralismo de ideias e a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.
Todavia, o negacionismo, os ataques à ciência e ao conhecimento transformaram a educação em campo de batalha da luta contra o chamado “marxismo cultural”. E, sobretudo, a universidade pública, o maior repositório de pesquisas no Brasil, passou a ser alvo dos ataques em claro desrespeito à autonomia universitária. E os professores passaram a ser alvos de perseguições daqueles que não respeitam a liberdade de cátedra.
Enfim, os fatos demonstram que o que está por traz deste retrocesso é a lógica do mercado, a lógica neoliberal. É o confronto entre o Estado social e o Estado para o mercado. O confronte entre a constituição social e a constituição para o mercado.
Todavia, onde há opressão há luta. A política genocida de Bolsonaro, os graves retrocessos vividos pelo país com suas políticas, seus ataques à democracia e à Constituição, animaram a luta democrática. Inúmeros manifestos e movimentos em defesa da democracia surgiram.
Ao comemoramos os 32 anos da Constituição devemos reafirmar o propósito de defende-la. De defender a vida, a democracia, o trabalho e a soberania nacional.
A união das mais amplas forças políticas e sociais é decisiva para reconquistarmos a democracia obtida em 1988 e avançarmos para as reformas estruturais democráticas que o país necessita.
*Aldo Arantes é membro do Comitê Central do PCdoB, é coordenador Nacional da ADJC (Movimento de Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania)