Retomada do desenvolvimento no Governo Lula confronta consenso fiscalista
3 de dezembro de 2023
Para retomar uma industrialização e o desenvolvimento nacional, o governo Lula se depara não apenas com um desmonte do estado, mas também com uma reconfiguração dos meios de acumulação do capital.
Na manhã de hoje, durante a quarta mesa do Seminário Primeiro Ano do Governo Lula, o tema central abordado foi a “Retomada do Desenvolvimento”. O evento contou com a coordenação do economista Aloísio Sérgio Barroso, diretor da Fundação Maurício Grabois (realizadora do Seminário), doutor em desenvolvimento econômico e membro do comitê central do Partido Comunista do Brasil.
Barroso mencionou os palestrantes da mesa, reconhecendo a pesquisa aprofundada da economista Marilia Tunes Mazon, economista das Faculdades de Campinas (FACAMP), sobre o agronegócio, como uma valiosa contribuição para a compreensão desse setor pouco explorado. O economista Elias Jabbour, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e assessor da ex-presidente Dilma Rousseff no Banco dos BRICS, trouxe uma perspectiva focada no desenvolvimento, sem explorar especificamente o contexto chinês, apesar de sua experiência nessa área. Falou também do privilégio de ter o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor emérito da Unicamp, como colaborador do seminário.
O debate caminhou tateando as transformações profundas no capitalismo brasileiro das últimas décadas, desde a hegemonia neoliberal que desindustrializou e reprimarizou a economia, criando uma nova casta de magnatas do agronegócio que resistem aos avanços do governo. Passando por uma mudança nos meios de acumulação de capital, após o golpe de 2016. Desde então, se naturalizou um discurso fiscalista, em que metas e tetos são tratados como consenso inabalável, submetendo todas as tentativas de desenvolvimentismo do governo Lula às restrições do Banco Central. Para Belluzzo, não há receita milagrosa e nova, senão o retorno aos fundamentos marxistas para retomar a luta social a partir de seus agentes privilegiados: a classe trabalhadora.
Otimismo da vontade: enfrentando o pessimismo da inteligência
O debate girou em torno das batalhas necessárias para reposicionar o país no caminho do desenvolvimento, visando afastá-lo das sombras de crises passadas. Barroso destacou as pressões enfrentadas pelo governo, oriundas do capital financeiro e setores da grande mídia que, segundo ele, tentam impor uma agenda neoliberal, já conhecida por seus fracassos.
As lutas políticas e de ideias, tanto dentro quanto fora do governo, foram ressaltadas como essenciais para superar os desafios econômicos e sociais impostos ao país. Barroso salientou a necessidade de romper com políticas monetárias ditadas pelos banqueiros, permitindo um crescimento mais robusto, marcado pela geração de empregos e melhoria das condições de vida da população.
Durante a exposição, foi ressaltada a queda significativa nas exportações de produtos manufaturados de alta e média intensidade tecnológica, evidenciando uma opção governamental voltada para commodities. O debate abrangeu o desafio de enfrentar a desigualdade social, o processo de desestruturação e a criminalização de vastas áreas, destacando a necessidade de uma presença ativa do Estado em políticas públicas e sociais.
Barroso lembrou a famosa que Antonio Gramsci gostava de citar: “pessimismo da inteligência, otimismo da vontade.” Ele destacou a importância de manter uma visão crítica, mas também otimista, diante dos desafios enfrentados pelo país.
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Produção agrícola de magnatas
A economista Marília Tunes Mason discutiu a trajetória do agronegócio brasileiro ao longo do último século. A partir de sua apresentação, mergulhamos em uma análise histórico-estrutural que revela as distintas fases desse setor crucial para a economia nacional.
A primeira parte da palestra abordou os dois momentos marcantes na evolução do agronegócio brasileiro. O período entre os anos 30 e o início dos anos 70 foi caracterizado por um desenvolvimento econômico robusto. No entanto, a partir da década de 80, o Brasil testemunhou uma retração brutal, afetando não apenas a economia, mas também os aspectos sociais, políticos e culturais do país.
Ela destacou a importância do papel do Estado na transformação do cenário agrícola brasileiro. Durante o governo de Juscelino Kubistchek, o país contava com um sistema industrial avançado, mas uma agricultura desafiadora, dependente de importações. A virada veio com políticas públicas que priorizaram o desenvolvimento do capitalismo no campo, apoiadas por três pilares principais: crédito público subsidiado, investimento em pesquisa e inovação, e a ocupação de terras por meio de um fluxo migratório organizado.
Na continuação da apresentação, a economista apontou para as transformações significativas ocorridas desde o final do século XX. O Brasil emergiu como o maior produtor global de soja, açúcar, canola, laranja e carnes processadas, além de se consolidar como o segundo maior produtor de milho. Esse fenômeno, segundo Marília, foi possível graças a políticas governamentais focadas no agronegócio, que impulsionaram a modernização e expansão das terras agrícolas.
Marília destacou uma mudança paradigmática ao discutir a transição da figura clássica do grande fazendeiro para o empresário magnata. Uma nova geração de controladores surgiu que comandam verdadeiros impérios agrícolas de dimensões colossais. Fazendas que demandam aviões ou horas de carro para serem atravessadas agora compõem a nova paisagem do agronegócio.
A interligação desses latifúndios é impressionante. Em 2017, apenas 0,6% dos estabelecimentos rurais concentravam incríveis 53% do valor total da produção. São fazendas que se equiparam ao território das cinco maiores cidades do Brasil, o que ressalta a magnitude e a concentração de poder nas mãos desses megaempreendedores.
Outro ponto crucial discutido por Marília foi o papel crescente dos fundos financeiros e a participação estrangeira no agronegócio brasileiro. Empresas controladas por fundos financeiros nacionais e gigantes estrangeiros. A capitalização dessas empresas, especialmente em regiões como Mato Grosso, evidenciou a valorização das terras decorrente da expansão da fronteira agrícola.
Marília abordou a concentração de poder em diversos setores do agronegócio, desde a produção de grãos até a distribuição. Essa consolidação, impulsionada por fusões e aquisições, representa uma sincronização sem precedentes do capital em todas as etapas da cadeia produtiva.
Entretanto, Marília não deixou de lado os desafios e limites do agronegócio brasileiro. A falta de transparência na produção de commodities, juntamente com a crescente preocupação internacional sobre o impacto ambiental, questiona o futuro desse setor. A especialização na exportação de produtos poluentes e a dependência de insumos importados, como fertilizantes, também emergiram como pontos críticos.
No terceiro segmento da palestra, a economista explorou os desafios e limites do atual cenário do agronegócio brasileiro. Entre os pontos levantados, destacam-se a crescente concentração de terras nas mãos de grandes produtores, a presença de fundos financeiros nacionais e estrangeiros no setor e a questão da sustentabilidade ambiental.
Ao revelar os novos protagonistas, Marília instigou uma reflexão sobre os impactos sociais, ambientais e econômicos dessa transformação. O desafio agora é como o Brasil navegará nesse cenário em constante evolução, equilibrando o crescimento econômico com a responsabilidade social e ambiental.
Ela concluiu a apresentação abordando questões sociais e ambientais urgentes, como o aumento da fome e desigualdades. A transformação do agronegócio brasileiro, embora tenha impulsionado a economia, também trouxe consigo desafios que demandam atenção imediata.
A naturalização do fiscalismo contra o desenvolvimento
O economista Elias Jabbour compartilhou suas reflexões sobre a situação política e econômica do Brasil a partir de sua residência na China. A distância geográfica, segundo Jabbour, proporciona uma perspectiva única para analisar os desafios e tendências brasileiras.
Jabbour destacou a complexidade de entender a realidade política brasileira estando fisicamente distante, afirmando que a política e as nuances do cenário podem ser difíceis de perceber completamente. No entanto, ele argumentou que essa distância oferece uma vantagem valiosa: a oportunidade de analisar com calma, elaborar pensamentos e testar ideias de forma independente.
Jabbour salientou a importância da honestidade e da objetividade ao abordar as questões públicas. Ele ressaltou a necessidade de se colocar à prova constantemente, testando suas ideias e análises por meio de diálogos com brasileiros na China, incluindo a ex-presidenta Dilma e outros acadêmicos.
Vivendo em Xangai, Jabbour explicou que sua experiência na China tem permitido uma análise mais profunda não apenas da realidade brasileira, mas também de questões globais. Ele avançou para a reflexão sobre sua pesquisa na China, explorando novas fronteiras em conceitos como novas formas econômicas e economia de projetamento. Ele enfatizou a obsessão por entender o Brasil, contrastando a aparente indiferença da esquerda brasileira diante de questões cruciais para o desenvolvimento do país.
O economista expressou preocupação com a situação política brasileira, destacando a dificuldade em fazer uma análise honesta de um governo em curso, especialmente diante das mudanças na dinâmica de acumulação desde 2016. Ele ressaltou a influência do capital financeiro e do agronegócio no governo, enfatizando a necessidade de repensar a orientação do Estado em relação ao desenvolvimento.
Ao abordar a conjuntura política, Jabbour apontou as dificuldades enfrentadas pelo governo brasileiro, destacando a deterioração da classe política e a influência de forças externas, como os governos de Temer e Bolsonaro. Ele relacionou essas mudanças ao golpe de 2016, que, segundo sua análise, teve como objetivo alterar a dinâmica da acumulação econômica no Brasil. Nas últimas décadas se consolidou um consenso em torno da estabilidade monetária e não em torno do desenvolvimento, naturalizando metas inflacionárias e teto de gastos, como se fôssemos uma economia doméstica.
Ao abordar a conjuntura política brasileira, Jabbour mencionou a falta de debate sobre questões essenciais, como a reconstrução das cadeias produtivas e a necessidade de uma agenda estratégica para lidar com a China. Ele ressaltou a importância de estabelecer uma relação equilibrada com o país asiático, aproveitando seu potencial para impulsionar o desenvolvimento brasileiro. Ele alertou para a falta de uma agenda clara para lidar com a China, especialmente considerando as mudanças globais, como a transformação da agricultura chinesa e os impactos da mudança climática.
No entanto, Jabbour apontou a ausência de uma agenda clara por parte das esquerdas brasileiras, que, segundo ele, estão cada vez mais distantes de debates fundamentais sobre nação, desenvolvimento e industrialização. Ele argumentou que a esquerda brasileira precisa superar agendas estranhas e retomar a discussão sobre totalidade e projeto nacional.
Ao finalizar sua apresentação, Elias Jabbour alertou para os desafios que o Brasil enfrenta em um cenário global em rápida transformação. Ele enfatizou a importância de planejar estrategicamente para enfrentar questões como a mudança climática, a reconfiguração das cadeias globais de produção e a possível competição por recursos estratégicos.
Ele trouxe à tona questões fundamentais, como a domesticação das esquerdas brasileiras, a falta de debate sobre temas nacionais e a urgência de uma agenda para enfrentar os desafios econômicos e políticos do Brasil. Jabbour finalizou, provocando reflexões sobre a soberania nacional, a necessidade de reconstrução das infraestruturas e a importância de uma visão estratégica de esquerda para o futuro do país.
Em suas palavras finais, Jabbour deixou claro que sua distância física não diminui seu compromisso e preocupação com o Brasil. Ele conclamou a sociedade a repensar suas estratégias e a construir uma visão mais clara para o futuro, considerando a dinâmica econômica global e as oportunidades oferecidas por parcerias internacionais, especialmente com a China.
Retorno a Marx para entender a mesmice das mudanças capitalistas
Luiz Gonzaga Belluzzo apresentou uma série de reflexões, abrangendo questões políticas, sociais e econômicas. O economista destacou a importância das questões políticas e sociais na compreensão das transformações contemporâneas. Referindo-se à teoria marxista, Belluzzo ressaltou a relevância das análises de Karl Marx na compreensão das mudanças estruturais da sociedade. Ele enfatizou a necessidade de considerar tanto a mesmice quanto as diferenças nas transformações sociais do capitalismo, destacando a contribuição inigualável de Marx para essa compreensão.
Durante a explanação, Belluzzo abordou temas como a industrialização, a agricultura de produtos e a necessidade de reindustrialização no Brasil. Belluzzo argumentou que a reindustrialização implica na recuperação de certas formas de construção institucional, uma visão que destaca a importância da economia do projetamento, conforme mencionado por Elias. Ele comparou o fato da China ter avançado para a industrialização de alto valor agregado, enquanto o Brasil regrediu de um processo de industrialização para a reprimarização de exportação de commodities. Isso tudo no mesmo momento em que o Brasil embarcava no Plano Real, na dolarização e desmonte da indústria nacional.
Ele trouxe à tona a experiência da China, que, ao adotar uma abordagem que integra mercado, banco público, empresas estatais e iniciativa privada, demonstrou uma visão que valoriza a contradição como um elemento positivo na construção de soluções criativas. Contrariando a visão negativa sobre contradições, Belluzzo ressaltou que elas são fundamentais para a compreensão da criatividade e da dinâmica entre diferentes dimensões da vida social.
A palestra também abordou a relação entre as dimensões econômica, social, política, antropológica e cultural, destacando a importância de considerar a totalidade na análise dos desafios enfrentados pelo Brasil. Belluzzo mencionou a complexidade das relações de poder no Congresso Nacional, onde forças conservadoras muitas vezes predominam, influenciando decisões que impactam diretamente a recuperação econômica.
As críticas à esquerda foram evidentes, especialmente em relação ao empobrecimento percebido. Belluzzo enfatizou a necessidade de considerar as restrições políticas e as relações de poder ao propor soluções para os problemas econômicos e sociais do Brasil.
No que diz respeito à história econômica do Brasil, Belluzzo discutiu a queda na participação da indústria na economia brasileira, chamando a atenção para a necessidade de superar obstáculos políticos e estruturais. Ele observou o papel fundamental do governo na criação de estratégias de superação do baixo crescimento.
A palestra de Belluzzo não se limitou apenas ao cenário nacional; ele abordou a importância do protagonismo brasileiro em fóruns internacionais, destacando questões como meio ambiente e desigualdades. Entretanto, ele também alertou para as dificuldades internas, como a diminuição da participação sindical, quando Marx sempre considerou a classe trabalhadora o maior agente de transformação do capitalismo. Assim, ele destacou a fragilidade dos sujeitos sociais, como os sindicatos, em meio a transformações globais que têm impactado a participação política.
Belluzzo enfatizou que as forças conservadoras, ao se oporem ao capitalismo, muitas vezes prejudicam a si mesmas. Ele concluiu sua palestra enfatizando a necessidade de uma análise profunda das relações de poder, das restrições políticas e das complexidades que permeiam o cenário brasileiro.
(Por Cezar Xavier)