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Desafios do trabalho na era digital: entrevista com Euzébio Jorge

20 de setembro de 2024

O portal da Fundação Maurício Grabois entrevista o coordenador do Grupo de Acompanhamento e Pesquisa (Gap FMG) sobre “Trabalhadores e a Era Digital”, o economista Euzébio Jorge Silveira de Sousa

Pode nos contar um pouco sobre o GAP – Trabalhadores e a Era Digital que está sob sua coordenação? Um tema importante que está no radar do Gap é o do impacto das transformações tecnológicas para a mudança no modo de produção?

O GAP é um grupo de estudos focado em analisar as profundas transformações que o mundo do trabalho no Brasil está passando, especialmente no contexto das inovações tecnológicas que moldam o capitalismo contemporâneo. A análise se concentra em como a Inteligência Artificial, Big Data, realidade virtual e outras inovações organizacionais e tecnológicas estão impactando as forças produtivas e as relações de produção no Brasil e no mundo. O objetivo principal do GAP é não só entender, mas também fornecer subsídios teóricos sólidos para os debates políticos e ideológicos que surgem a partir dessas transformações.

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Atualmente, o GAP está vivendo um momento muito enriquecedor e fecundo, com debates intensos sobre as principais mudanças no capitalismo contemporâneo. A coordenação desse grupo é um dos fatores que tem possibilitado essas discussões tão frutíferas. Temos o privilégio de contar com o Professor Dantas, um dos mais renomados pesquisadores no campo das mudanças no capitalismo digital, cujas análises são embasadas em uma sólida abordagem marxista. Além disso, a coordenação inclui Rogério, um pesquisador experiente, com relevante atuação no movimento sindical, o que enriquece ainda mais a perspectiva prática das discussões no GAP. Essas diversas abordagens e experiências estão permitindo que o grupo construa uma análise crítica, capaz de conectar teoria e prática no entendimento do papel da classe trabalhadora frente às novas formas de acumulação de capital na era digital​.

Alguns, como o economista grego Yannis Varoufakis, dizem que estamos caminhando para um tecnofeudalismo. Outros, como Evgeni Morozov, dizem que a transição seria para um tecnocapitalismo. Como vocês avaliam esse debate?

O impacto das transformações tecnológicas é um dos temas centrais do GAP, que se dedica a investigar como a economia de plataformas, a Inteligência Artificial e a digitalização estão modificando as formas de geração de valor e as relações de trabalho. No entanto, diferentemente de algumas correntes de pensamento que restringem suas análises a uma única perspectiva, o GAP adota uma postura crítica e dialética. Nossa contribuição, embora priorize abordagens marxistas, não se limita a elas. Reconhecemos a complexidade dos fenômenos que estamos analisando e, por isso, não temos problemas em utilizar instrumentos ecléticos para compreender um objeto de pesquisa tão recente e dinâmico como a era digital.

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Nosso maior desafio é sistematizar essas abordagens de forma a oferecer uma visão robusta não só sobre a dinâmica do capitalismo nos países centrais, mas também nos países periféricos, como o Brasil. Essa análise requer uma visão dialética que entenda as diferentes maneiras pelas quais o capitalismo se manifesta em contextos diversos, especialmente quando consideramos as relações centro-periferia e as teorias da dependência e do estruturalismo latino-americano.

Um ponto de destaque dentro dessa discussão é o trabalho do professor Dantas sobre os “Jardins Murados”, uma metáfora que ele utiliza para descrever como as grandes corporações de tecnologia criam ecossistemas fechados, dificultando a concorrência e acelerando a rotação do capital no capitalismo informacional. Essa abordagem, que examina o controle sobre dados e o poder das plataformas digitais, traz à tona a forma como essas empresas não apenas exploram, mas também moldam as condições de trabalho e produção na era digital. Esse conceito é central para entendermos as novas formas de exploração e geração de valor no capitalismo contemporâneo e, por isso, merece uma atenção especial em nossos debates futuros.

Além das transformações tecnológicas, outros temas importantes para o GAP incluem a análise das mudanças no campo e na cidade sob a ótica da heterogeneidade estrutural, as novas formas de extração de valor no capitalismo digital e o impacto dessas transformações na luta de classes. O GAP também se dedica a investigar como essas mudanças tecnológicas estão criando novas divisões no trabalho global, especialmente entre os países do centro e da periferia​

Além desse tema, quais outros você considera importante para a agenda do GAP?

Além das transformações tecnológicas, a agenda do GAP é ampla e abrange questões cruciais para o entendimento das mudanças no capitalismo contemporâneo, especialmente no contexto brasileiro e latino-americano. Um dos temas centrais será o debate sobre a economia de plataforma e seu impacto na periferia do capitalismo. Plataformas digitais como Uber, iFood, Amazon e outras têm transformado profundamente o mercado de trabalho, promovendo novas formas de precarização e reconfigurando as relações entre capital e trabalho, especialmente nos países periféricos. Vamos discutir como essas plataformas reforçam as desigualdades entre o centro e a periferia do capitalismo global e quais são as implicações disso para a soberania econômica e os direitos dos trabalhadores.

Outro tema de relevância será o impacto da Inteligência Artificial no mundo do trabalho. O avanço da IA está modificando profundamente os processos produtivos, automatizando tarefas, eliminando postos de trabalho tradicionais e criando novos desafios para a classe trabalhadora. O GAP buscará entender como essas transformações afetam a economia brasileira e o que pode ser feito para mitigar seus impactos negativos, ao mesmo tempo em que se explora seu potencial para gerar empregos de qualidade.

Também será debatido o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial, com foco em sua contribuição para a soberania nacional, privacidade dos dados, geração de empregos decentes e a resolução de problemas sociais históricos e estruturais no Brasil. Vamos analisar criticamente se o plano está alinhado com os interesses nacionais ou se favorece apenas grandes corporações internacionais, assim como discutir o papel do Estado em garantir que a IA contribua para o desenvolvimento social e econômico do país, protegendo a população da exploração de dados e do aumento da desigualdade

Uma das tarefas dos GAPS é contribuir com a formulação do novo programa do PCdoB que será aprovado no ano que vem, no 16º. Congresso. O que você imagina que haverá de novidade nesse novo programa?

O GAP pretende ter um papel ativo na formulação do novo programa do PCdoB, que será aprovado no 16º Congresso do partido no próximo ano. Nossa contribuição vai além de fornecer uma análise crítica, ela visa ajudar na construção de um programa que esteja em sintonia com as transformações do capitalismo na era digital e seus impactos no Brasil e no mundo. Esperamos poder contribuir com uma caracterização adequada do capitalismo contemporâneo, mostrando como a economia digital, a financeirização e a plataformaização estão modificando as formas de acumulação e reprodução do capital, especialmente em economias periféricas como a brasileira. Essa caracterização será importante para orientar as políticas de resistência e transformação da classe trabalhadora.

Outro ponto crucial será a elaboração sobre a centralidade do trabalho na era digital. Embora as novas tecnologias tenham automatizado uma série de processos, o trabalho continua sendo a base sobre a qual o capital se reproduz. No entanto, o modo como o trabalho é organizado, remunerado e controlado mudou drasticamente e é necessário revisitar a abordagem  marxistas-leninistas sobre a centralidade do trabalho para refletir essas transformações. Vamos contribuir com uma análise profunda de como essas mudanças afetam as condições de trabalho, a exploração da força de trabalho e a luta de classes na era digital. Por fim, buscaremos contribuir com a atualização do   Projeto Nacional de Desenvolvimento para o século XXI, levando em conta as novas formas de produção e o papel da tecnologia. O desenvolvimento do Brasil no século XXI deve estar centrado na soberania econômica e tecnológica, mas também na criação de empregos de qualidade, na defesa do meio ambiente e na luta contra as desigualdades sociais.

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