Boas vindas ao Portal Grabois, conheça nossa marca
Boas vindas ao Portal Grabois, conheça nossa marca
O que você está procurando?

Recursos humanos: início de uma crise de formação de quadros técnicos no país

11 de novembro de 2024
O presidente da ANPG, Vinicius Soares, defende a realização de um grande debate nacional sobre a formação dos quadros técnicos no país.

O presidente da ANPG, Vinicius Soares, defende a realização de um grande debate nacional sobre a formação dos quadros técnicos no país.

A pandemia da covid-19 acelerou muitos processos sociais, entre eles a disputa acirrada por produção de conhecimento, ciência, tecnologia e inovação. Se no século XX tivemos a corrida espacial, no século XXI, essa corrida se repetiu em busca das vacinas e por outras tecnologias, como o 5G. O que fica nítido é que a ciência e tecnologia podem definir os destinos das nações. Por isso, qualquer uma que queira lograr êxito em continuar a se desenvolver, fortalecer sua independência e soberania, não poderá renunciar a massivos investimentos no setor, e, em especial, investimentos em recursos humanos. E, em tempos de reconstrução nacional no Brasil, é preciso olhar para realidade e ampliar o debate sobre o desenvolvimento do país. Um país que possui um histórico de desigualdades e que ainda lida com grandes gargalos para cumprir suas vocações e engatar um desenvolvimento altivo, soberano e independente.

A realidade do Brasil hoje é de que podemos estar vivenciando o início de uma grave crise de formação de quadros técnicos de alto nível no país, o que pode impactar diretamente a curto, médio e longo prazo, o nosso desenvolvimento nacional. Os dados atuais, da plataforma Sucupira, indicam algumas tendências que demandam movimentos intensos para mitigar e estancar seus danos. Por exemplo: até 2019, o Brasil estava em uma crescente no número de titulações de doutores, buscando cumprir a meta do PNE de 25 mil doutores por ano, entretanto, a partir daquele ano, há uma queda considerável de titulações. Apenas de 2019 a 2022, virtualmente, o Brasil deixou de titular mais de 10 mil doutores tendo vagas no sistema nacional de pós-graduação. Para 2023, há uma recuperação no número de doutores titulados, porém esse crescimento pode estar relacionado ainda aos mais de 40 mil pós-graduandos que não conseguiram se titular por causa da pandemia. Além disso, há queda no número de ingressantes para o doutorado e aumento significativo da evasão na pós-graduação.

Essa fotografia atual tem influência de problemas estruturais e conjunturais que afetaram o sistema de pós-graduação ao longo dos anos. De um lado, temos uma pós-graduação que ainda tem dificuldades em se renovar para responder aos desafios atuais. Para exemplificar, ainda temos uma formação massivamente voltada para a própria academia, com currículos engessados e que não permitem construir outras competências e habilidades que possam responder e formar quadros técnicos para os setores produtivos econômicos não acadêmicos. Uma contradição inerente ao sistema, pois formamos mestres e doutores para alimentar a força de trabalho na academia, mas sequer nossos programas de pós-graduação possuem disciplinas de didáticas e metodologia de ensino que possam, de fato, formar professores universitários.

Por outro lado, a longa noite de negacionismo científico e político, vivida entre os anos de 2016 e 2022, criou condições adversas para a produção científica, desde um ambiente de perseguição política aos cientistas até brutais cortes de investimentos no setor, desmantelando o parque nacional de ciência e tecnologia. Segundo o Observatório do Conhecimento, foram mais de R$ 100 bilhões que deixaram de ser investidos na educação e na ciência. E isso, associado aos efeitos da pandemia, tem permitido, por exemplo, que a produção cientifica nacional tenha caído pela segunda vez consecutiva.

Essa integração de diversos fatores tem gestado uma crise de perspectiva para o setor, pois o recém-graduado termina por alimentar diversas dúvidas sobre ingressar numa pós-graduação, já que não há valorização do trabalho cientista. O caminho mais vantajoso termina sendo seguir para o mercado formal de trabalho, já que os valores iniciais para muitas profissões são maiores que os R$ 2.100,00 pagos por uma bolsa de mestrado. Ao mesmo tempo, quem já está na pós-graduação tem dificuldades de se manter com bolsas em tamanha situação de desvalorização. Isso para quem tem, pois apenas 40% dos matriculados possuem bolsas de estudos, e ainda não há uma política nacional robusta de assistência estudantil para os pós-graduandos. Com o agravante que esses atuais pós-graduandos também estão descobertos pela seguridade social e não veem perspectiva de serem absorvidos no mercado de trabalho. Diante dessa realidade, por que entrar na pós-graduação?

Faz-se necessário um grande debate nacional sobre a formação dos quadros técnicos no país para construção de um projeto realmente capaz de suprir nossas necessidades de desenvolvimento. Afinal, qualquer política executada para resolver tais gargalos nacionais irão necessitar de uma força de trabalho qualificada, a exemplo do próprio esforço de combate à fome, da Nova Indústria Brasil e do processo de transição energética. Por isso, ao mesmo tempo em que a academia precisa refletir e inovar para permitir atrair novos talentos para a pós-graduação e uma formação de mestres e doutores com múltiplas competências, os atuais esforços do governo federal – com medidas importantes para recompor o orçamento da ciência e as estruturas do parque nacional de C&T, como o reajuste das bolsas em 2023 que já influenciou timidamente o número de ingressantes – precisam evoluir para que estejam à altura dos desafios que enfrentamos. É preciso lançar mão de mais investimentos no setor, utilizando-se, inclusive de instrumentos que podem alavancar nosso desenvolvimento, como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e o Fundo Social do Pré-Sal, que precisam estar voltados ao desenvolvimento e ampliação das nossas capacidades produtivas e não aos esforços de equilíbrio fiscais. Apenas dessa forma o Brasil poderá construir condições para o seu desenvolvimento perene, de forma a se colocar como um player competitivo nas diversas corridas científicas e tecnológicas, em âmbito global.

Vinicius Soares é doutorando em saúde coletiva pela UFRJ, presidente da ANPG e conselheiro nacional de ciência e tecnologia.

Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.

Tags