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Economia: Foco em rentabilidade ofusca função social da Petrobras

16 de dezembro de 2024
Sistema de governança da empresa segue capturado por interesses privados e desconsidera objetivos da política energética nacional e função social da estatal. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil.

Sistema de governança da empresa segue capturado por interesses privados e desconsidera objetivos da política energética nacional e função social da estatal. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil.

O Plano de Negócios da Petrobras (2025-2029), divulgado no dia 21 de novembro, reafirma o foco da empresa em priorizar investimentos com maior potencial para geração de valor. Nos próximos cinco anos, a estatal deverá investir US$ 111 bilhões, dos quais cerca de 70% serão destinados para exploração e produção de petróleo. Dos US$ 77 bilhões previstos para Exploração e Produção (E&P), US$ 76 bilhões já estão em implantação.

A produção total de óleo e gás operada pela Petrobras deve chegar a 4,5 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boed) em 2029, enquanto a demanda interna deve permanecer estável em cerca de 2,5 milhões de boed. Desde 2014, a produção de petróleo no país ultrapassou o consumo e vem crescendo ano a ano. Em 2024, pela primeira vez na história, o petróleo cru será o principal produto de exportação do Brasil, superando a soja e o minério de ferro. Em setembro de 2024, o Brasil exportou US$ 3,2 bilhões de petróleo cru e importou US$ 1,36 bilhão de derivados.

Produção × consumo de petróleo no Brasil

Fonte: Balanço Energético Nacional (BEN) 2024.

Tal situação leva o país a um paradoxo: tornou-se exportador de petróleo cru, mas é dependente da importação de derivados para garantir o abastecimento do mercado interno de combustíveis. Caso o Brasil retome uma trajetória de crescimento do PIB a taxas superiores a 3% ao ano, dependerá ainda mais da importação, deixando a economia nacional vulnerável às oscilações da cotação do dólar e da variação da cotação do barril do petróleo, movimentos que podem desencadear uma forte repercussão inflacionária.

A partir da análise dos planos de negócios da Petrobras divulgados anualmente, entre 2010 e 2014, é possível estabelecer um paralelo entre as mudanças no padrão dos planos de investimento e as alterações operadas no sistema de governança da empresa. A título ilustrativo: o Plano de Negócios 2010-2014 previa um investimento nominal de US$ 224 bilhões, sendo 48% destinados para E&P e 35% para abastecimento (refino, transporte e comercialização). O PN 2012-2016 previa o investimento de US$ 236,5 bilhões (valores nominais), sendo 60% para E&P e 27,7% para o abastecimento. Já o PN 2014-2018 mantém o volume de investimentos na casa dos US$ 220,6 bilhões, mas eleva para 70% o investimento em E&P e reduz a 18% os recursos para o abastecimento.

Mesmo com a prioridade do investimento direcionada para o E&P, a concepção do PN 2014-2018 situava a Petrobras como uma empresa integrada de energia, prevendo o crescimento da produção de petróleo em linha com a capacidade de suprir o mercado brasileiro de derivados. Apesar da redução do percentual de investimento em abastecimento, constava como um dos objetivos prioritários ampliar a capacidade de refino da empresa para 3,9 milhões de boed até 2030. A capacidade atual de refino da Petrobras é de 1,8 milhão de boed e a previsão, até 2029, é de ampliar para 2,1 milhões de boed, ainda abaixo da demanda do mercado interno.

O PN 2015-2019 promove alterações profundas nos objetivos e no padrão dos planos de investimento da Petrobras. O Plano anunciava como objetivos prioritários a desalavancagem da companhia e a geração de valor para os acionistas. Os investimentos foram reduzidos em 37%, quando comparados ao Plano anterior, totalizando US$ 130 bilhões. Destes, 83% foram direcionados ao E&P e apenas 10% ao abastecimento. Os recursos para a ampliação do parque nacional de refino foram drasticamente reduzidos, ativos estratégicos da empresa foram vendidos e a prioridade absoluta dos investimentos se concentrou na Exploração e Produção, segmento com maior taxa de retorno econômico.

Fonte: Petrobras, PN 2014-2018.

Esse cenário é agravado a partir do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, com a posse de Michel Temer e o início da gestão de Pedro Parente à frente da Petrobras a partir de maio de 2016. A avalanche de denúncias de corrupção anunciadas pela chamada “Operação Lava Jato” foi o ensejo perfeito para a nova gestão implantar uma série de mudanças na governança corporativa da empresa.

A pretexto de promover melhorias na transparência, controle e integridade, as alterações estatutárias efetuadas transferiram o poder de gestão da Petrobras do Estado para os acionistas minoritários. Operou-se uma transfiguração no padrão de governança da empresa, rompendo o equilíbrio entre as partes interessadas em lugar do modelo financeiro, ainda hoje vigente, que privilegia os interesses dos acionistas no curto prazo.

O debate sobre o sistema de governança corporativa da Petrobras ganha corpo e relevância no início dos anos 2000, após a empresa conseguir a licença junto à SEC (Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos) e o governo brasileiro vender 17% das ações com direito a voto (ordinárias) na Bolsa de Nova York (NYSE). A abertura da negociação de ações da estatal brasileira na NYSE vinculou a empresa à jurisdição da legislação do mercado de capitais dos Estados Unidos, sob supervisão da SEC, além de continuar respondendo às normativas do mercado de capitais brasileiro, por meio da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6404/1976).

Em 2002, em meio a uma série de escândalos corporativos e fraudes contábeis no mercado financeiro, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Lei Sabarnes-Oxley (SOX), com o objetivo de criar regras de maior transparência e controle da governança corporativa de empresas com o capital aberto. A Petrobras, assim como todas as empresas com ações registradas na SEC, passou a ser obrigada a aplicar os dispositivos da nova legislação. O processo de adaptação às exigências da SOX obrigou a empresa a construir um robusto sistema de governança corporativa.

Nessa primeira fase, do início dos anos 2000 até 2014, prevaleceu um modelo de governança corporativa que buscou equilibrar o interesse público e a remuneração dos acionistas privados, num contexto de crescimento e expansão, particularmente após as descobertas do pré-sal. A missão da Petrobras abrangia a garantia do abastecimento de combustíveis ao mercado interno a preços acessíveis, com um robusto plano de investimentos que combinava a ampliação da produção e do refino com a distribuição crescente de dividendos aos acionistas.

O empenho da estatal em aprimorar sua governança corporativa e elevar a qualidade das informações divulgadas ao mercado, aliado à busca por um modelo de governança que equilibrasse os interesses dos acionistas privados e da sociedade em geral, foi amplamente reconhecido. Em 2013, um estudo desenvolvido pela Standart e Poors (S&P)[1] reconheceu a gestão de governança da Petrobras como “Strong”, o mais alto nível de governança e confiabilidade, sendo que das 310 empresas da América Latina avaliadas, somente sete receberam essa classificação.

As mudanças no Estatuto Social da Petrobras operadas entre 2016 e 2019 objetivavam criar obstáculos no sistema de governança para a realização de atividades econômicas voltadas ao interesse público e que, eventualmente, não atendessem aos critérios de avaliação técnico-econômica para projetos de investimento e para os custos/resultados operacionais esperados, mesmo que estivessem orientados pela União para cumprir objetivos de finalidade social. Entre essas mudanças estatutárias, ainda vigentes, destacam-se:

  1. a) A elevação de 25% para 40% na proporção de conselheiros declarados independentes no Conselho de Administração (CA). Também foi determinado que, caso o acionista controlador indique um ou mais conselheiros independentes, estes devem ser selecionados a partir de lista tríplice indicada por empresa especializada em recrutamento de executivos, sem a possibilidade intervenção da parte do acionista controlador na lista;
  2. b) A criação do Comitê dos Minoritários para assessorar o CA, com funções estratégicas envolvendo a reestruturação acionária e a análise de transações da empresa com partes relacionadas, tais como: União, suas autarquias, fundações e empresas públicas ou estatais federais;
  3. c) A obrigatoriedade de avaliação prévia por parte do Comitê de Minoritários, em assessoramento ao CA, com base em critérios de avaliação técnico-econômica para projetos de investimento e para custos/resultados operacionais específicos praticados pela administração da Companhia, se as obrigações e responsabilidades a serem assumidas forem diversas às de qualquer outra sociedade do setor privado que atue no mesmo mercado.

De maneira geral, o PN 2025-2029 preserva a sistemática de governança voltada aos resultados de curto prazo e à maximização da geração de valor. É certo que as sociedades de economia mista devem perseguir um resultado econômico lucrativo, mas a função social da Petrobras não se resume a distribuir lucros e dividendos aos seus acionistas. O interesse público e o interesse geral da economia nacional é que devem nortear o planejamento da empresa, respeitando sua natureza híbrida e conciliando com os direitos dos acionistas minoritários.

A Petrobras é um instrumento do Estado para a efetivação de políticas públicas, a despeito da participação privada em seu capital social. A sociedade de economia mista não é uma mera associação de capitais públicos e privados para realização de atividade econômica. Não se move em função da maximização do lucro ou da remuneração máxima aos seus acionistas.

O planejamento, embora tenha conteúdo técnico, é um processo político, especialmente nas sociedades onde se busca a transformação das estruturas econômicas e sociais. O plano estratégico de empresas estatais deve se orientar pela maximização da eficácia social e não da mera elevação da distribuição de dividendos aos seus acionistas.

Uma das novidades do PN 2025-2029 foi a retomada da sistematização e apresentação da visão de longo prazo da empresa com a apresentação do Plano Estratégico 2050. Tal retomada é relevante porque pode sinalizar uma superação da visão rentista de curto prazo, focada nos resultados financeiros da empresa, em benefício de seu papel estratégico de participar decisivamente na garantia do provimento de energia ao país, num contexto marcado por conflitos geopolíticos e mudanças tecnológicas na produção energética.

Nota:

[1] Relatório Management And Governance Credit Factors de 2013 da S&P.

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André Pereira R. Tokarski, é pesquisador do Ineep, doutor em Direito pela PUC/SP, coordenador do curso de Direito e professor do Mestrado em Direito Constitucional Econômico da UNIALFA. É coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Transformação ecológica e diversificação energética da Fundação Maurício Grabois.

Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.