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    Economia

    Juros travam crescimento no capitalismo para sustentar parasitismo financeiro

    Enquanto o Copom eleva a Selic para 13,25% e os EUA mantêm as taxas, a Europa reduz os juros, expondo os dilemas do capitalismo, preso ao domínio do capital financeiro e à crise do investimento produtivo.

    POR: Osvaldo Bertolino

    Wynpnt/Pixabay

    O ciclo de juros elevados no Brasil, confirmado pela decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, na quarta-feira (29), ao subir a taxa básica Selic de 12,25% para 13,25% ao ano, é parte de um complexo jogo na economia mundial. Ele se relaciona à natureza das essências do capitalismo e de seu antípoda, o socialismo. 

    O ponto é: o que tem o capitalismo a oferecer à humanidade com um regime absolutamente controlado pelo giro descontrolado do capital financeiro? O que o centro do império capitalista, os Estados Unidos, têm para exportar, além de parasitismo financeiro?

    Trata-se de um sistema que crava suas garras nos orçamentos e patrimônios públicos e suga as economias, ignorando fronteiras, soberanias, leis e direitos dos povos. O mercado de títulos públicos e de dividendos, e seus derivativos, transfere renda para os ricos numa proporção brutal. As economias ficam engessadas pela política de juros, arma discricionária contra a inflação usada como espécie de cláusula pétrea da gestão econômica, fórmula segura contra a desvalorização dos ganhos na ciranda financeira, aquilo que o Copom acaba de chamar de impacto da política fiscal nos “ativos financeiros”. Resultado: qualquer crescimento econômico gera descompasso entre consumo e produção se a demanda não for socorrida com investimentos.

    Copom eleva a taxa Selic para 13,25% a.a. Imagem: Gráfico Banco Central/Divulgação

    Surge, dessa equação, o grande entrave: o investimento, inviabilizado pelo giro financeiro que faz dinheiro gerar dinheiro sem passar pela produção. Teria de haver investimentos públicos, a causa de tantos ataques a qualquer projeto de desenvolvimento com inclusão social que, consequentemente, conteria a farra financeira.

    A receita dos juros altos está espalhada pelo mundo do capitalismo, gerando crises e controvérsias. Nos Estados Unidos, o coração do sistema, seu banco central, o Federal Reserve (Fed), manteve as taxas inalteradas na faixa de 4,25% a 4,50% ao ano, interrompendo um ciclo de cortes.

    No comunicado que informa a decisão, o Fed fala de inflação “relativamente elevada”, uma alteração em relação à linguagem que falava de “progresso” no retorno à meta de 2% de juros. No mercado de trabalho, as “condições permanecem sólidas”, o que reforça a noção de que a economia continua sobreaquecida, por causa da inflação. 

    Somam-se também os anúncios do presidente Donald Trump de elevação de tarifas às importações norte-americanas, além da política de deportações de imigrantes que poderá pressionar o custo da força de trabalho. 

    O Fed prevê que, com essas políticas, pode haver um efeito expansionista da economia, que deverá resultar em crescimento mais forte e, por conseguinte, dificultar o corte dos juros.

    Também para combater a crise de crescimento da economia, o Banco Central Europeu (BCE) acaba de reduzir a taxa básica de juros em 0,25%, no quinto corte desde o início do ciclo de afrouxamento monetário em junho de 2024. 

    A decisão certamente comparecerá no debate eleitoral na Alemanha, a maior economia da região, prestes a ir às urnas. A perspectiva é de novos cortes pelo BCE, num duelo de falcões e pombos, como é chamada divisão entre os que defendem menos e mais juros. Falcões são os que reagem a qualquer sinal de subida da inflação com endurecimento da política de juros. Os pombos defendem a adoção de uma política menos agressiva para não gerar estagnação econômica.

    Ameaças de Trump

    Há ainda outras ameaças de Trump, que promete rever as relações econômicas entre Estados Unidos e União Europeia (UE). O presidente norte-americano disse que seu país tem “centenas de milhares de milhões de dólares em déficits (comerciais) com a UE e ninguém está satisfeito com isso”. Trump lamentou que seja difícil para as empresas norte-americanas competirem na UE. 

    A presidente do BCE, Christine Lagarde, respondeu que o presidente estadunidense trata o problema de forma injusta e pediu para que as partes trabalhem juntas e respeitem as regras. “Se a Europa aprendeu alguma coisa depois da Segunda Guerra Mundial foi que não se pode avançar só, e que é preciso trabalhar em conjunto e respeitar-se mutuamente”, disse.

    Lagarde apelou para que líderes políticos europeus cooperem com Trump em matéria de tarifas e comprem mais produtos fabricados nos Estados Unidos, alertando que uma guerra comercial lançaria o mundo no risco de destruir o crescimento económico global. “Como tornar a América grande outra vez se a procura global está caindo?”, questionou. “Levando os outros países a comprarem dos Estados Unidos”, respondeu. “Comprar certas coisas aos Estados Unidos”, como gás natural liquefeito e equipamento de defesa, sugeriu.

    Argumentos matemáticos

    O fato é que o capitalismo há tempos se debate com a superação de sua ideologia dita liberal. Desde o auge do iluminismo, ou movimento das luzes cuja era tem como símbolo a Revolução Francesa, até o começo do século XX, a ideia do “livre comércio” foi, praticamente, a fórmula única para erigir formas de sociedade. A transformação da Rússia – depois, União Soviética – na primeira nação a se industrializar e a se desenvolver política e economicamente fora desse padrão chacoalhou essa verdade. O desenvolvimento de uma nação, desde então, já não é tido como benesse exclusiva do homem anglo-saxão rico.

    Leia também: Como a China reage à especulação e a financeirização global

    Criou-se, nessa nova configuração mundial, uma dualidade que, por um lado, cresceu como extensão do modelo de socialismo soviético e, por outro, expandiu pelo domínio econômico, e principalmente por força do poderio militar, das potências capitalistas. No final da Segunda Guerra Mundial, esse quadro ficou bem delineado. Enquanto o socialismo expandia para o Leste Europeu e cravava sua bandeira na América — Cuba — e na Ásia — China, Vietnã e Coréia — por meio de movimentos de libertação nacional e revoluções, o imperialismo “ocidental” implantava ditaduras e regimes atrelados aos seus interesses.

    O ponto final do bloco soviético, esculpido pelo trio Reagan-Tatcher-Gorbachov, degradou muito esse quadro. Claro que China, Cuba, Coréia Democrática e Vietnã seguraram com brio a bandeira do socialismo. Mas, com a exceção da China, esses países ainda têm muito a caminhar até atingir um platô em sua trajetória de crescimento. O fato é que a atual fase da crise dos países capitalistas está mostrando que, em um mundo de economias “globalizadas” pelas finanças, a China, com seus números e ritmo de crescimento espetaculares, vai se firmando como centro de uma nova ordem mundial.

    Osvaldo Bertolino é jornalista, escritor e historiador, biógrafo, pesquisador, autor de 15 livros e analista político.

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.

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