Salvador Allende, a Codelco e os mineiros de Copiapó
Jorge Arrate atende o telefone em Santiago. Como todos no mundo, acompanha a situação dos mineiros de Copiapó. “É óbvio que sou um opositor nítido ao presidente Sebastián Piñera, mas quero que o Estado vá bem no resgate dos mineiros e que eles possam caminhar entre nós”, diz.
Candidato de uma parte da esquerda chilena nas últimas eleições presidenciais, Arrate foi ministro do Trabalho da Concertação e embaixador de Ricardo Lagos na Argentina. É tão difícil esquecer sua notável cozinheira peruana, quanto duas frases suas. Uma, sobre as transições: “São monstros horríveis, disformes”, dizia em tom descritivo. Era um modo de explicar o Chile com realismo, mas, ao mesmo tempo, Arrate reivindicava a marcha chilena para a democracia plena enquanto pedia mais e mais reformas. A outra frase foi dita quando, na Argentina, os partidários da impunidade sonhavam com o silêncio infinito e, falsificando os dados, apontavam o Chile como exemplo para não julgar. “O único ponto final é posto pelas almas”, disse Arrate que sempre esteve de acordo com processar os suspeitos de violação dos direitos humanos.
Em 1970, quando Salvador Allende ganhou as eleições presidenciais, Arrate ainda não tinha 30 anos, era militante socialista, amigo das filhas do presidente e já tinha seu título de economista. Foi assessor presidencial até que um ano depois “Allende me pediu –que pediu!, me ordenou! – que assumisse a presidência da Corporação do Cobre, a Codelco.
Hoje, Arrate lembra que, em 1971, o Congresso aprovou a nacionalização da grande mineração e a colocou sob a administração da Codelco. “Eu tinha apenas 29 anos e assumi o cargo com entusiasmo. A nacionalização era uma medida extraordinária. Tanto que foi o único projeto legislativo em três anos de governo da Unidade Popular que foi aprovado por unanimidade. Teve a aprovação da esquerda, da Democracia cristã e até da direita”.
Arrate descreveu Salvador Allende como “um político em tempo integral que abandonou muito jovem seu trabalho com médico, um homem de relação muito aberta com os demais, que amava muito a vida, carecia de ódios pessoais e tinha uma grande coragem pessoal e política, como demonstrou no 11 de setembro no palácio de La Moneda”.
Em julho de 1971, com o cobre nacionalizado, Allende falou em Rancagua aos “companheiros mineiros”, “aos duros trabalhadores do metal vermelho”. Disse a eles que, com a estatização, o cobre era o “salário do Chile”, “assim como a terra é seu pão”. Arrate estava ali, estreando no cargo de presidente de um dos maiores conglomerados mineiros do mundo.
A Codelco era tão poderosa que o ditador Augusto Pinochet – ao contrário, paradoxalmente, do que fez Carlos Menem, um presidente nascido da democracia que privatizou o petróleo na Argentina – manteve o cobre nas mãos do Estado para assegurar uma fonte própria de divisas e canalizou essas divisas para o financiamento do orçamento militar.
Em setembro de 1973, Arrate acabava de fazer um giro por vários países – entre eles a China – para conseguir novos mercados para o cobre em meio ao movimento decidido pelo presidente Richard Nixon e seu conselheiro Henry Kissinger para castigar o Chile e qualquer país que tivesse a audácia de imitá-lo: estava proibido governar com coalizões de esquerda e centroesquerda, proibido expropriar empresas made in USA, proibido fazê-lo (como fez o Chile) considerando que a indenização estava paga pelos abusos anteriores. Arrate decidiu encurtar a viagem e voltar ao Chile quando o final da democracia era iminente. Mas o vôo chegava a Santiago justamente no dia 11, o dia do golpe, do bombardeio ao Palácio de La Moneda e da morte de Allende, que se suicidou depois de resistir com um capacete na cabeça e uma metralhadora nas mãos. O avião de Arrate sobrevoou Santiago, não pode aterrisar e o presidente da Codelco iniciou seu longo exílio na Europa.
Em 1972, Arrate havia tomado parte em dois episódios relacionados com a Argentina. Acompanhou Salvador Allende quando o presidente se encontrou com Alejandro Lanusse em Salta. O Chile não queria um isolamento ainda maior. Tratava de evitar que a fronteira ideológica com a Argentina se convertesse em uma armadilha. E conseguiu. Em agosto de 1972, participou das negociações nas quais Allende decidiu não devolver os guerrilheiros argentinos que tinham fugido da prisão de Trelew. Não voltaram a Argentina e deixaram o Chile, onde sua estada teria aumentado a crise que estava em desenvolvimento. Foram para Cuba.
Arrate negociou muito com os mineiros e conhece bem como são. “Há alguns que transmitem o ofício de pai para filho. É como se tivessem uma cultura mineira. E outros vivem de ofícios diferentes. Mas sempre, mais jovens ou maiores, trabalham com espírito coletivo e respeitam o maior conhecimento dos líderes. Ali embaixo, na San José, há um mineiro que tem mais de 30 anos de vida nas profundezas. É muito importante contar com alguém assim”.
O ex-embaixador diz algo que poucos dizem. “A mina San José, onde ocorreu o acidente, foi fechada em 2007 e reaberta em 2008. Em 2010 houve um acidente sério, mas ela voltou a ser autorizada. É um erro muito grave”. E diz algo que ninguém conta: “A ajuda internacional é importantíssima. Mas como a Codelco se ocupa da grande mineração (San José é uma mina intermediária) tem tecnologia de segurança e de resgate e quadros especializados com muitíssima experiência em minas subterrâneas como El Tenienye. Eles e os engenheriso de Codelco foram vitais nos últimos dias e seguirão sendo até que todos os mineiros voltem para a superfície”.
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Tradução: Katarina Peixoto
Fonte: Carta Maior