"Não há nenhuma armadilha no modelo, porque o país não está parado, dependente de exportações primárias, como é o caso da Venezuela. O que acontece é que estamos aproveitando um ciclo de longo prazo de alta nos produtos. A China domina a indústria de transformação no mundo e não tem matérias-primas. A China está obrigada a crescer rápido ainda por muitos anos e não vai parar de crescer pelo menos nas próximas três décadas", afirmou a economista, para quem o Brasil passou por uma curta, embora intensa, recessão no começo do ano passado, da qual saiu ainda em 2009 em razão da demanda chinesa.

"É como ocorreu em relação à Inglaterra no passado, sendo que dessa vez a China tem dimensões continentais", comentou Conceição, para quem " a mudança do centro econômico do Reino Unido para os Estados Unidos não nos foi favorável historicamente, porque os Estados Unidos sempre foram grandes produtores concorrentes de matérias-primas".

Para Conceição, o cenário para o país é o mais favorável "desde o governo de Juscelino Kubitschek", afirmou, referindo-se ao presidente que governou entre 1956 e 1961. A economista afirmou que o crescimento econômico brasileiro, ainda que abaixo do registrado na Ásia, não acentua desigualdades sociais. Conceição afirmou que, diferentemente do que se divulgou, o aumento do salário mínimo superou, em termos proporcionais, a rentabilidade das instituições financeiras nos últimos anos. "É preciso não confundir crescimento com melhoria de vida do povo. São coisas que não andam necessariamente juntas. Vive-se melhor em qualquer acampamento do MST do que na China rural", disse.

O ciclo favorável da economia brasileira, contudo, tem limites no contexto internacional, de acordo com a economista de origem portuguesa. "Não temos vocação para ser potência dominante mundial. Ninguém pode imaginar que o real será a nova moeda internacional. Quando muito, o Brasil será potência regional", afirmou.

A economista completou 80 anos em abril, com uma festa no Rio de Janeiro, que reuniu os dois principais candidatos presidenciais, José Serra (PSDB) e Dilma Rousseff (PT), ambos também economistas. Conceição lecionou na Unicamp, onde conviveu com ambos. Ainda ligada ao PT, partido pelo qual elegeu-se deputada federal em 1994, Conceição já gravou uma mensagem de apoio a Dilma este ano e ontem ironizou Serra. "No Brasil, a direita vem a reboque da social-democracia. O Serra no meu tempo não era tão conservador. Algumas pessoas, quando envelhecem, ficam burras", disse.

Ao comentar a questão da independência do Banco Central, Conceição afirmou que já tratou do tema com a candidata do PT. "Sou contra a independência formal do Banco Central, isso não pode existir na política econômica, como na prática não existe em relação ao Fed. Falei sobre isso com a Dilma e ela fala não sobre o assunto agora por razões que me parecem óbvias", afirmou. O Fed, Federal Reserve System, é a autoridade monetária dos Estados Unidos.

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Fonte: jornal Valor Econômico