Irlanda na época de severa frugalidade
1 – Explosão de desemprego, recorde de confiscos de casas e imigração em massa
Novamente a Irlanda indica o caminho. Mas desta vez não constitui modelo de crescimento para o “pobre Sul” europeu. Seis mesas após a adoção das medidas de adequação fiscal (que até o superdefensor do liberalismo econômico jornal britânico Financial Times as caracterizaram de “masoquistas”) o país é o primeiro a sentir as consequências da severa frugalidade.
Milhares de super-endividados irlandeses estão “no olho da rua”, impossibilitados de resgatar seus empréstimos habitacionais, enquanto 1/3 dos jovens está desempregado. Os economistas recomendam “paciência”, avaliando que o “adormecido” “tigre celta” despertará da letargia.
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê crescimento de 3% ano que vem, enquanto o Banco Central do país anunciou, recentemente, que “os primeiros sinais positivos surgirão já a partir do segundo semestre deste ano”. Mas tudo isso são meras previsões, para não dizer especulações. Por ora, a realidade é dramática para a maioria da população do país.
É possível que os irlandeses não saiam diariamente às ruas para se manifestarem contra o governo. Contudo, buscam (novamente) sua sorte imigrando ao exterior. Aliás, neste caso, a história mostra que se repete, porque aqueles que imigram são – a exemplo da década de 1980 – jovens com altíssimo preparo que não podem ser absorvidos pelo mercado doméstico de trabalho. Afinal, o que deu errado para que o “tigre celta” se transformasse em campeão de frugalidade na Europa?
Preço para salvar bancos
“Estamos quase no fundo do poço” declarou o governador do Banco Central da Irlanda, Patrick Honohan, em entrevista a jornais estrangeiros. Mas, considerando a contração da atividade econômica em 10% nos últimos dois anos, alguém se questiona a que profundidade encontra-se o fundo do poço?
No mesmo período temporal foram perdidos cerca de 180 mil empregos e o desemprego atingiu mês passado 13,7% surpreendendo até a o Serviço Nacional de Estatística. “A Irlanda paga preço muito alto para a salvação dos bancos. Não nos custou só postos de trabalho, mas tem destruído até as perspectivas de crescimento do país”, destaca comunicado da ICTU, maior central sindical do país.
Entretanto, o governo parece decidido gastar muitos milhões ainda para salvar os bancos que “desabaram” por sua exposição a produtos “tóxicos”. Já foram “doados” mais de 14 bilhões de euros para ser evitada a catástrofe dos três maiores bancos do país. Mas o já estatizado Anglo Irish Bank precisará ainda mais 8 bilhões de euros, segundo informou comunicado do governo.
Aliás, o governo fez questão de lembrar aos irlandeses o que aconteceu após a “derrocada” do Lehman Brothers, destacando que “o Anglo Irish Bank é, ainda, um banco muito maior para os fundamentos econômicos da Irlanda”. Prudentemente, contudo, enquanto declarava que “não deixaria o banco falir”, anunciou novas medidas de severa frugalidade com objetivo de reduzir o déficit fiscal.
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2 – “Não culpem o empresário”
O governo irlandês, embora procure desesperadas formas para tapar os “buracos negros” do orçamento (o déficit fiscal corresponde a 12% do Produto Interno Bruto), permanece fiel ao modelo econômico da Irlanda.
Quer dizer, na atração de investimentos por intermédio de isca de baixa tributação das empresas e do repasse dos pesos tributários aos quatro milhões e meio de irlandeses (com exceção dos empresários, obviamente).
Assim, as empresas são tributadas com uma das mais baixas alíquotas da Europa (12%), enquanto os consumidores são convocados a pagar mais caro até pela água que bebem. O pacote de severa frugalidade do governo irlandês inclui redução dos rendimentos brutos no setor público em 15%.
Também, o total dos trabalhadores onera-se – desde dezembro do ano passado – com inflada tributação indireta e direta. Com tributação adicional de 5% oneram-se os rendimentos anuais até 30 mil euros, de 7,5%, os rendimentos abaixo de 70 mil euros, e em 10%, acima deste limite.
Adicionalmente, foram criados dois novos tributos: o primeiro sobre as transações de compra e venda de imóveis e o segundo sobre as tarifas de fornecimento de água. E o golpe de misericórdia sobre as famílias foi desfechado com a dramática contração dos programas de Previdência Social, os quais tiveram suas verbas reduzidas em 760 milhões de euros.
Apertar mais o cinto
“Os irlandeses continuarão apertando cada vez mais o cinto”, diz artigo do jornal Wall Street Journal. O corte das ajudas e a contração de rendimento dos irlandeses não faz com que asfixiam-se apenas os contribuintes, mas, também, estrangula-se o consumo. Isto é, a mola propulsora da economia irlandesa, e não só.
Aliás, o Banco Central prevê redução do PIB doméstico em 1% neste ano. Mas, mesmo os desempenhos operacionais reduzidos das empresas mantêm-se intocáveis. “Não se pode atingir os desempenhos operacionais das empresas, porque isto constituiria uma séria ameaça contra o modelo econômico”, declarou, membro do Partido dos Verdes, que participa da coalizão governamental junto com o Partido de Direita Fianna Fail.
Realmente, a Irlanda conseguiu crescer atraindo empresas de alta tecnologia, assim como de indústrias farmacêuticas. E em dez anos, o país de economia agrícola transformou-se em país modelo até para o pobre Sul europeu da década de 1990, sustentando seus vertiginosos ritmos de crescimento sobre o desempenho do setor de serviços.
Aliás, no mesmo período reverteu-se o habitual fluxo da corrente imigratória. A Irlanda foi, pela primeira vez, pólo de atração para os europeus que buscavam emprego. E não somente para os desempregados do Leste europeu, como poderia alguém imaginar.
No início de 2000, a Agência de Colocação de Desempregados de Berlim “empurrava” os alemães além do Mar do Norte oferecendo como ajuda de custo 5 mil marcos (cerca de 2,5 mil euros) a todos aqueles que optassem para trabalhar na Irlanda.
E não eram apenas as grandes empresas de Silicon Valley que haviam “mudado de endereço” para Dublin, mas, também, os bancos de investimentos dos EUA ofereciam cargos altamente remunerados em um novo e promissor setor.
Até então foram duas ondas de saída, uma na década de 1930 e outra na de 1980. A terceira onda de saída do país já encontra-se em plena evolução. Desde meados de 2008. abandonaram o país cerca de 65 mil irlandeses e sobre este total deverão ser acrescidos mais 100 mil imigrantes econômicos.
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3 – “Bolha” de imóveis explode
A bolha monetária da Internet de 2001 não afetou a Irlanda. Entretanto, em 2008, o país abalou-se, assim como a Espanha, pelo crepitar dos rangidos do mercado da casa própria. Em outras palavras, pagou caro por atrelar-se à biga norte-americana e, especificamente, sua crença na utopia financeira.
Porque não enriqueceram apenas os altos executivos recebendo bônus, stock options e outros presentes de suas empresas. Do “Milagre Irlandês” aproveitaram-se pouco – e até muito – todos os irlandeses, os quais, até 2006, atingiram e ocuparam o segundo lugar de classificação de riqueza per capita entre todos os países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
De que forma? Simplesmente, adquirindo imóveis. As mesmas pessoas que aumentaram suas fortunas em 350% de 1995 a 2005 encontram-se hoje, após a galopante queda do valor da fortuna imóvel, em um beco sem saída. E reconhecem que “ser novo-rico é algo efêmero”.
Luz no fim do túnel?
Pelo menos já começou a aparecer alguma luz no fim do túnel. Na grande rede irlandesa de lojas de varejo Arnotts, os funcionários retornaram mês passado a ritmo regular de trabalho, após prolongada redução da carga horária de trabalho. Mês passado aumentou, pela primeira vez após 2007, a ocupação no setor industrial. As vendas no varejo apresentam sinais, mesmo débeis, de recuperação após 18 meses de recuo contínuo.
Obviamente, os “falcões” dos mercados apressam-se para mostrar o “caminho certo”. A visível (a partir do ano que vem) recuperação da economia da Irlanda se deve – destacam economistas locais – ao fato de ter seguido uma severa frugalidade.
“Esta volta é uma lição para a Grécia, que deve engolir o comprimido para avançar”, declara Karsten Brzeski, analista econômico do ING, que é complementado pelo seu colega do Bank of America, Joseph Kinlan: “Aquilo que fez a Irlanda é o que pedem os mercados da Grécia, Itália, Portugal e Espanha”.
Sabe-se. contudo que, cada organismo reage diferentemente ao mesmo tratamento terapêutico. E as reações não são sempre previsíveis.
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Fonte: Monitor Mercantil