— Engole o choro menino, engole!
A austera mão paterna
Proporcionou-me prazeres
Que sem ela não desfrutaria jamais.

É um ultraje, no sertão, rejeitar qualquer alimento.
Roer a casca da banana,
Comer vivos uns invertebrados
De nome saramundongo,
Puro azeite do coco tucum.
Peba, marreco, macaco, preás,
Miúdos de pássaros impregnados de pólvora.

E o quiabo cozido?
Quanto foi difícil entregar-me
Ao seu visgo e gosma.
Era engolir um liso peixe, vivo.

Mas afora o exótico
Da culinária sertaneja,
A severa didática paterna
Conduziu-me às delícias do amargo.
Sorver lentamente a poupa do jiló,
Com os dentes triturar o miolo da jurubeba.
(E mais tarde, já aqui, saborear o amargado
da gueroba).
Ah! travor adstringente, delícia adulta, rústica.
As papilas fremem
Ante este horror tão envolvente.
Passei a saber o quão ingênuo
É o reino do açúcar.

Entre tantos agradecimentos
Devo às severas regras de meu pai
A pluralidade do meu paladar.
Sem o que teria ficado
Nos monótonos domínios do mel.

As Delícias do Amargo & Uma Homenagem poemas – Adalberto Monteiro
Editora Anita Garibaldi, 2006

Adalberto Monteiro, Jornalista e poeta. É da direção nacional do PCdoB. Presidente da Fundação Maurício Grabois. Editor da Revista Princípios. Publicou três livros de poemas: Os Sonhos e os Séculos(1991); Os Verbos do Amor &outros versos(1997) e As delícias do amargo & uma homenagem(2007).