Por Marcos Verlaine

Por Marcos Verlaine, analista político e assessor parlamentar do Diap.

A anistia ampla, geral e irrestrita foi uma vitória do regime que já agonizava, mas possuía alguma força para impor à nascente democracia uma lei que perdoasse torturadores e assassinos. A anistia indiscriminada é uma espécie de amnésia nacional sobre o passado violento do regime militar.

Em algum momento da vida e da história, a democracia brasileira, quase maior de idade, pois vai completar 21 anos em outubro próximo, terá de se encontrar e enfrentar seus fantasmas e verdades. Quando isso acontecer, o regime democrático terá encontrado sua maturidade e consistência.

Volta e meia a história cobra uma solução para o problema dos desaparecidos políticos. São, pelos cálculos do sítio Eremias Delizoicov – Centro de documentação – Dossiê – Mortos e Desaparecidos Políticos no Brasil, 380 homens e mulheres que combateram o regime de 64.

A anistia ampla, geral e irrestrita foi uma vitória do regime que já agonizava, mas possuía alguma força para impor à nascente democracia uma lei que perdoasse torturadores e assassinos, que sob o manto do regime de exceção torturaram, sequestraram, desapareceram e assassinaram aqueles que por dever de consciência combateram o regime instaurado em 1º de abril de 1964.

A Lei de Anistia indiscriminada é uma espécie de amnésia nacional sobre o passado violento do regime militar, que hoje encobre a violência do Estado, sobretudo contra os mais pobres. Uma simples visita a qualquer cadeia, em qualquer parte do País desnuda esse fato.

Quando o ministro da Justiça, Tarso Genro, ou o secretário especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi se batem para que a Lei de Anistia seja revista ou para que os arquivos de 64 sejam abertos nada mais é que a história cobrando da sociedade e do Estado soluções para que esses conflitos sejam solucionados e a democracia brasileira se encontre com seu destino.

Cedo ou tarde isso vai acontecer. À medida que a tenra democracia brasileira se aprofunda, a sociedade cobra esse encontro com a verdade. Não se trata de uma revanche ou caça as bruxas, como gostam de dizer – para se defenderem – aqueles que por ação ou omissão colaboraram com a ditadura e seus crimes contra a humanidade.

Em toda a América Latina, onde o terror ditatorial se implantou isso aconteceu ou está acontecendo: Argentina, Chile e Uruguai são os exemplos mais próximos. No Brasil não será diferente, queiram ou não os setores conservadores.

A reconciliação só virá com a verdade. O exemplo da África do Sul é emblemático. Ante a possibilidade de ignorar os crimes do apartheid, com uma anistia indiscriminada, e permitir que os culpados de violações atrozes de direitos humanos permanecessem em liberdade, optou por uma ’solução de compromisso’. Compromisso com o Estado de direito.

Desse modo, foi negociada a formação de uma Comissão de Verdade, instituição, que embora baseada no modelo de outras comissões similares, era singular em termos de alcance, mandato e impacto, que redundou na formação da Comissão de Verdade e Reconciliação (CVR) criada pela Lei de Promoção da Unidade e Reconciliação Nacional de 1995.

Então, enquanto esse dilema de nossa história não for sanado, o tema estará sempre presente no debate nacional. Agora, os porta-vozes são Genro e Vannuchi, amanhã serão outros, até que nos encontremos com nossas verdades.