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São 40 crônicas selecionadas pelo próprio ministro em um trabalho de pesquisa de mais de um ano. O futebol foi a metáfora utilizada por Nelson Rodrigues para a apresentação e a divulgação de um Brasil eficiente e vitorioso.

Confira abaixo a segunda crônica da série: “O escrete é nosso”. O site do ministério vai publicar dois textos por semana, aos domingos e às quintas-feiras.

“Foi preciso que jornais alemães, franceses, húngaros, tchecos, ingleses berrassem para nós: — Vocês são os maiores.”

O escrete é nosso!

Neste momento, o mundo todo está de olho no fabuloso escrete brasileiro. A toda hora e em toda a parte, há quem chegue e rosne ao nosso ouvido: — “Ofereceram tanto por fulano, tanto por cicrano, tanto por beltrano!” São os grandes clubes de fora, da Espanha, da Itália, da França, de não sei onde que acenam os seus milhões para os campeões do mundo. Mazzola já foi pescado. E há ofertas nababescas para Pelé, Vavá, Didi, Garrincha, etc. etc.

E observa-se, então, o seguinte: — os clubes dos campeões, que deviam estar alarmados, não estão alarmados coisa nenhuma. Pelo contrário: — do lábio pende-lhes a baba elástica e bovina da cobiça. Não vejo nenhum clube disposto a lutar pela preservação de um Vavá, de um Pelé, de um Didi, de um Zito, de um Nilton Santos. Todos estão com água na boca e aflitos para embolsar os milhões dos passes. Ninguém se lembra de uma verdade tão transparente e tão óbvia: — os campeões do mundo deviam ser incompráveis.

O jornalista Mário Filho, com sua implacável lucidez, viu, melhor e antes do que ninguém, o grande problema do momento. Em suma: — ele faz um apelo no sentido de que se defenda, aqui, com unhas e dentes, a integridade do maior escrete que olhos mortais já contemplaram. E, de fato, amigos. O futebol brasileiro praticará um suicídio se permitir, por uma questão de cifras, que se desintegre a equipe que deslumbrou o mundo. Objetará alguém que é um negócio para qualquer clube vender um Vavá, ou um Garrincha, ou um Didi por uma quantia tremenda.

Ilusão! Um Garrincha, um Didi ou Vavá não tem preço. E se assim acontece com os craques individualmente, que dizer do escrete? Ora, a equipe que levantou a Taça Jules Rimet em 58 não é um conjunto qualquer. É um quadro que, segundo o testemunho dos críticos europeus, alcançou o nível mais alto do futebol, em qualquer tempo. Vejam bem: — não somos nós, jornalistas brasileiros, que escrevemos isso. Não. Os jornalistas brasileiros não queriam admitir que o Brasil tivesse o maior futebol do mundo. Vivíamos a admirar os húngaros, os ingleses, os tchecos, os russos. E só não admirávamos os gênios locais, que, todos os domingos, esfregavam a sua classe na nossa cara.

Foi preciso que jornais alemães, franceses, húngaros, tchecos, ingleses berrassem para nós: — “Vocês são os maiores.” Então, a nossa imprensa começa a admitir, embora o medo, embora relutante, que não somos tão pernas de pau. Mas como eu ia perguntando: — será o futebol brasileiro tão suicida ou, pior do que isso, tão idiota que desista do seu escrete por causa de uma meia dúzia de patacas? Amigos, nenhum país tem o direito de renunciar a um escrete como este.

Os clubes poderão usar o argumento de um lucro certo e imenso. Ao que eu respondi: — lucro apenas aparentemente, falso lucro. A venda de um campeão do mundo, qualquer que seja o seu preço, implica num prejuízo real e irrecuperável. E se os nossos clubes fossem menos obtusos, já teriam percebido que deviam chutar os milhões que o mundo oferecer pelos nossos supercraques. Mário Filho tem uma razão total: — cumpre ao futebol brasileiro não desistir do seu escrete. Permitir a dissolução da equipe não será um crime, porque é, antes de tudo, um suicídio.

Um Garrincha, ou Didi, ou Vavá ou qualquer campeão do mundo devia ser amarrado, solidamente, num pé de mesa, para que ninguém o arrancasse daqui.

Jornal dos Sports, 6/7/1958