Xô, abutres! Sobre um encontro histórico
O encontro BRICS / UNASUL deu um chega pra lá nos abutres, os fundos especulativos internacionais cujo ataque à Argentina visa a fragilizar política e financeiramente toda a região. Comovida, a presidente Cristina Kirchner agradeceu a solidariedade.
O tema não estava previsto na pauta oficial, mas juntamente com a parceria entre o Banco do Sul e o Novo Banco de Desenvolvimento – questão levantada pelo presidente Maduro, da Venezuela – a discussão tornou-se um dos pontos centrais do encontro realizado em Brasília na quarta-feira, 16/07/2014.
Segundo o governo argentino, os papéis em posse desses fundos foram comprados na bacia das almas muitos anos depois da renegociação da dívida. Se esta loucura não for detida, o rombo nas contas públicas da Argentina poderá ultrapassar a casa dos U$ 46 bilhões, levando a uma moratória técnica com efeitos sistêmicos sobre toda a região, a começar pelo Brasil.
Em seu discurso de agradecimento, a presidente Cristina Kirchner criticou duramente a cobrança da dívida e disse que o país está sofrendo um ataque especulativo. “Esses fundos abutres não foram investidores na Argentina, compraram bônus em 2008, quando já havia passado sete anos da declaração do default. Eles nunca emprestaram dinheiro à República Argentina, mas compraram por centavos uma dívida de U$ 48 milhões”, observou a presidente.
Por isso, no atual contexto, a realização do encontro BRICS / UNASUL adquire uma relevância maior para toda América do Sul.
Nos últimos 200 anos nunca estivemos tão próximos de reverter a dependência financeira que historicamente caracterizou a região. O chega pra lá nos abutres é uma prova disso, e foi acompanhado de críticas ao FMI e apoio a criação do Banco do BRICS. Futuramente este encontro será estudado como um dos acontecimentos que deu origem a nova ordem financeira mundial.
A principal diferença é que agora a América do Sul está entre os protagonistas, e não mais entre os espectadores, como aconteceu há 70 anos quando foram criadas as instituições de Bretton Woods.
Ao fazer jus ao que há de melhor em nossa tradição diplomática, a presidente Dilma se adiantou em dizer que os novos instrumentos financeiros não são contra ninguém, mas a favor da soberania da América do Sul. Às vésperas de uma campanha eleitoral que promete ser uma das mais acirradas ideologicamente do período recente, um pouco de elegância não faz mal a ninguém. Sobretudo quando alerta para os riscos de uma eventual regressão da nossa política externa independente contidos nas promessas da oposição.
Fossem vivos, Raúl Prebisch e Celso Furtado estariam exultantes. O momento é mesmo de comemoração.
(*) José Renato Vieira Martins, professor da UNILA, vice-presidente do FOMERCO, ex-pesquisador visitante do IPEA.