Como nas eleições de 1986, a história se repete agora, como farsa
Em 1986, no embalo do plano Cruzado do governo Sarney (que havia congelado todos os preços por lei para acabar com a inflação), o PMDB fez “barba, cabelo e bigode” nas eleições daquele ano. Emplacou quase todos os governadores, maioria dos senadores e 260 deputados (53,3% da Câmara na época). O PFL também se deu bem, elegendo 118 deputados. O PSDB ainda não existia e estava dentro do PMDB.
O PT era relativamente pequeno e fez pouco: 16 deputados. O PDT, ainda com Leonel Brizola, era o principal partido de oposição e foi o maior derrotado. Três anos depois, nas eleições presidenciais de 1989, o candidato do PMDB, Ulysses Guimarães, teve só 4,73% dos votos válidos e o do PFL (Aureliano Chaves), apenas 0,88%.
Lula se tornou a segunda liderança nacional, tendo recebido 17,18% dos votos no primeiro turno. Brizola ficou em terceiro, com 16,51%, quase empatado com Lula.
Depois de abandonar o navio do PMDB assim que o Cruzado afundou, o recém-criado PSDB também se deu mal naquele ano, ficando apenas em quarto lugar – seu candidato foi Mario Covas.
Agora, em 2016, a história se repete, com algumas diferenças. Em vez do otimismo ingênuo do eleitor com o plano Cruzado em 1986, existe o pessimismo e o descrédito na política, legados da doentia campanha de perseguição e criminalização dos governos petistas por parte da imprensa, da oposição – depois de quatro eleições presidenciais consecutivas sem vitória nas urnas – dos empresários, dos ricos, dos sonegadores de impostos.
Em vez da hegemonia do PMDB em 1986 (seguido meio de longe pelo PFL), os grandes vencedores destas eleições municipais foram o “centrão neoliberal” em que o carro chefe é o PSDB, seguido do PMDB e um emaranhado de partidos médios e pequenos com uma agenda neoliberal antipovo – casos de DEM, PPS, PP etc.
O grande derrotado deste domingo (2) foi o PT, que ficou em décimo lugar em quantidade de prefeituras, com 256, deixando de ser o titular do poder em 374 cidades. Quatro anos atrás, o partido terminava a disputa municipal em terceiro, com 630 prefeitos eleitos.
O desempenho foi ainda pior nas grandes cidades do país. Disputando as eleições em 54 municípios com mais de 200 mil eleitores, a legenda venceu em apenas um – Rio Branco, Acre, 241 mil eleitores, com Marcus Alexandre. Se vier a ser bem-sucedido em todas as disputas pelo segundo turno, o PT chegará a 3,3 milhões de eleitores sob seu governo. Em 2012, na primeira eleição após a passagem de Lula pela presidência, o eleitorado sob sua influência ultrapassava 15 milhões de pessoas.
Por outro lado, o PMDB não tem muito a comemorar. Embora tenha conquistado 1.027 municípios, o partido de Temer, Cunha etc. manteve a média de 18% de prefeituras conquistas da eleição passada – apenas 12 municípios a mais que em 2012.
Os demais partidos de esquerda ainda não contam com números precisos sobre crescimento. Nota-se que o Psol cresceu, mas pouco ainda, ficando muito longe de compensar o espaço que o PT perdeu.
O PCdoB festeja o desempenho no Maranhão, onde foi o partido que conseguiu eleger o maior número de prefeitos. A legenda, que até 2016 contava com 14 prefeitos nas 217 cidades do estado, ampliou para 46 prefeitos em municípios de todas as regiões maranhenses.
Cidades como São Paulo, Porto Alegre e Curitiba terão prefeito, governador e presidente da República do “centrão neoliberal”. Não terão mais ninguém do PT a quem colocar a culpa pelas consequências do jeito de governar “quanto melhor para o mercado, pior para o povo” que o PSDB-PMDB-PP-PSD-PSB-PSC-etc. praticam sem pudores.
Passadas as eleições, virão os sacos de maldades para o povo de baixa renda. Com isso, o pêndulo do eleitorado pode até virar à esquerda em 2018 como virou em 1989. Mas também há o risco de um novo Collor surgir em 2018 como surgiu em 1989, disfarçado de “caçador de marajás”.
De certa forma a eleição de Doria em São Paulo já tem algumas semelhanças com esse perfil, ao se apresentar falsamente como “gestor não político”. Vamos ver no que vai dar. Passado o segundo turno, a maior luta dos partidos daqui para frente está em recuperar a participação popular na política. Porque muitos cidadãos perderam a confiança até em si mesmos como capazes de influir na transformação para melhorar suas próprias vidas. Então buscam “terceirizar” para um “bom gestor”, sem se perguntar: bom gestor para quem? Para o banqueiro ou para o trabalhador? Para os 1% mais rico ou para os 99% do povo?
Comenta-se que São Paulo fez a pior escolha da história que poderia ter feito. Trocar Haddad por Doria lembra quando o povo do Rio, em 1986, trocou a inteligência de Darcy Ribeiro (do PDT das antigas) por Moreira Franco (PMDB) para governar o estado. Hoje eminência parda de Temer, Moreira Franco foi dos piores governadores que o estado do Rio já teve. Nunca mais ganhou nada nas urnas. Tentou ser senador e perdeu, tentou ser prefeito de Niterói e perdeu.
Mas e Haddad? O que aconteceu com Haddad?
Em qualquer iniciativa que se tenha para mudar as coisas na vida, nas empresas, na família, conta-se com 20% de pessoas que apoiam as mudanças, 20% que resistem às mudanças e 60% que ficam esperando para ver o que acontece.
Para trazer os 60%, você precisa empoderar os 20% que te apoiam e neutralizar os 20% que resistem. Numa democracia, neutralizar significa convencer, não deixar prosperar a “rádio corredor” do contra, explicar tudo o que está fazendo, mostrar os ganhos que eles podem ter no futuro e até converter resistentes para o grupo dos apoiadores, na medida em que eles percebem as vantagens das mudanças.
Lula conseguiu fazer isso, especialmente no segundo mandato. Dilma não conseguiu. Ela foi para o enfrentamento dos 20% resistentes e não empoderou os 20% que a apoiavam.
Todo o resto é consequência. Ela conseguiu unir todos os grupos que estavam com os interesses contrariados e só aguardavam uma oportunidade para dar o golpe e usurpar o poder. Os 60% ficaram onde sempre estiveram, olhando para onde as coisas vão. Ou vendo a banda passar, como observou Chico Buarque.
Teria acontecido o mesmo com Haddad?
Agora, não adianta chorar, é reagrupar e resistir até surgir nova oportunidade.