O decálogo do perfeito idiota da direita
Entre assombrações, equívocos e estereótipos, o pensamento conservador brasileiro anda atulhado de idiotices. Alguns nada mais fazem que repeti-las. Outros contribuem para aumentá-las. O título desta coluna alude àquele de uma obra que teve certa voga há quase 20 anos e hoje parece antediluviana. Publicado em 1996, o Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano era um ataque contra a esquerda e expressava o neoliberalismo triunfante que se espalhava pelo continente. Quem discordasse de seus axiomas era idiota.
Passou o tempo e a história mostrou o inverso. Nenhuma das experiências de governo inspiradas no Manual deu certo. Os povos sul-americanos escolheram caminhos diferentes, de mais realizações. Quem zombava dos outros, com a agressividade verbal característica dos autoritários, é que se revelou um tolo.
Quais são as ideias típicas dos conservadores brasileiros na atualidade? Algumas são permanentes, outras conjunturais. Amanhã serão substituídas por novas idiotices. O estoque é imenso. Vamos às dez mais comuns:
O Brasil está à beira do abismo
Ainda que os cidadãos normais tenham dificuldade de entender quem diz isso, os genuínos idiotas da direita estão convencidos: vivemos o caos e estamos a caminho do buraco. Há exemplo mais patético que a “inflação do tomate”?
O Bolsa Família é esmola usada para manipular os pobres
Marca distintiva desses idiotas, a ideia mistura velharias, como a noção de que os pobres são constitutivamente preguiçosos, com a pura inveja de ter sido Lula o criador do programa. No fundo, o conservador despreza os mais humildes.
O Brasil tem um governo inchado
Mundo afora, depois de a crise internacional sepultar a tese de que Estado bom é Estado mínimo, ninguém mais tem coragem de revivê-la. A não ser no Brasil. Fernando Henrique Cardoso deixou 34 ministérios quando saiu do governo. Esse seria o tamanho ótimo? Cinco a mais se constitui uma catástrofe?
O Brasil tem municípios demais
Exemplo de idiotice conjuntural, é prima da anterior. Que sentido haveria em considerar imutável a organização administrativa de um país em que a população se movimenta pelo território, fixando-se em novas regiões?
O Judiciário é nosso deus e Joaquim Barbosa, nosso pastor
Como seus parentes no resto do mundo, os conservadores brasileiros desconfiam da política e têm ojeriza a políticos. Quem mais senão o presidente do Supremo Tribunal Federal encarnaria os “anseios da sociedade contra os políticos corruptos”? Transformado em ferrabrás dos petistas, Barbosa virou herói da direita.
O “mensalão” foi o maior escândalo de nossa história
Conversa para boi dormir entre os conhecedores da política brasileira, o “mensalão” não passa de um exemplo do modo como as campanhas eleitorais são financiadas. Só os desinformados acreditam ser ele um caso excepcional.
A liberdade de imprensa está ameaçada
Na vida real, ninguém leva isso a sério. Volta e meia, a ideia é, no entanto, usada pela imprensa conservadora para defender os interesses de um pequeno grupo de corporações de mídia. De carona, alguns políticos da oposição a endossam para preservar as relações privilegiadas que mantêm com os proprietários dos meios de comunicação.
Dilma antecipou a eleição
Desde ao menos o início do ano, a oposição de direita repete, em tom queixoso, o mantra. O que imaginava? Que uma presidenta tão bem avaliada não fosse candidata? Que fingisse não sê-lo? Qualquer idiota sabe que os governantes pensam na reeleição. Assim que tomam posse, entram no páreo.
O Brasil virou as costas para seus parceiros internacionais e se aliou aos radicais
A fantasia desconhece a realidade da política externa e o modo como funciona a diplomacia brasileira. É montada em duas etapas: primeiro, desconstrói-se a imagem de um país ou liderança. Depois, afirma-se que o governo a apoia. De qual país o Brasil se afastou, de fato, nos últimos anos?
O Brasil moderno está na oposição, o arcaico é governo
Trata-se de um erro factual, somado a muita pretensão. Ao contrário, como mostram as pesquisas, o governo é mais bem avaliado (e Dilma tem mais votos) entre, por exemplo, jovens e aqueles conectados à internet que na média da população. A oposição possui, é claro, sua base na sociedade. Em nada, no entanto, esta é “melhor” que aquela apoiadora do governo.
Publicado na revista Carta Capital.