Jacob Gorender, um dos mais respeitados intelectuais da esquerda brasileira, faleceu nesta terça-feira (11), aos 90 anos. Sua vida foi marcada por estudo, lutas políticas e uma vasta produção acadêmica. Em seus diversos livros, artigos e ensaios, ele apresentou ideias até então inéditas sobre o Brasil e sua formação socioeconômica.
Origens
Filho de imigrantes russos judeus, Jacob Gorender nasceu em 20 de janeiro de 1923 em Salvador (BA), e sua infância foi marcada por sérias dificuldades econômicas. Começou a trabalhar aos 11 anos, dando aulas particulares e, aos 17, era arquivista em um jornal chamado O Imparcial. Ingressou na faculdade de Direito em 1941 e, em meio a atividades no movimento estudantil, travou contato com Mário Alves, que já militava no Partido Comunista Brasileiro. No início de 1942, Gorender tornou-se o mais novo membro do “Partidão”.
O interesse pela política veio de casa. Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2006, Gorender contou ter sido influenciado pelas ideias do pai. Em 1943, aos 20 anos, outra decisão importante na vida do jovem: alistou-se como voluntário da Força Expedicionária Brasileira (FEB) para combater o nazifascismo na 2ª Guerra Mundial. Ao retornar ao Brasil, em 1945, encontrou o Partido Comunista na legalidade. Instalou-se por um período no Rio de Janeiro, onde conheceu Luís Carlos Prestes. Depois de alguns meses, retornou a Salvador, onde decidiu abandonar de vez a graduação em Direito. Com isso, passou a dedicar-se integralmente à militância política, tornando-se membro do secretariado do Comitê Municipal do PCB, em Salvador.
Em 1946, mudou-se novamente para o Rio de Janeiro, onde integraria a redação do jornal Classe Operária, órgão central do Partido Comunista. Em 1955, outra viagem internacional: Gorender foi à União Soviética para participar de um curso da escola superior do Partido Comunista soviético.
Ali, os estudantes tinham lições de materialismo dialético, economia, política, história do movimento operário mundial, dentre outros pontos. Gorender integrava uma turma com 50 brasileiros, coordenada por Maurício Grabois.
Gorender permaneceu na URSS por dois anos e, ao retornar ao Brasil, seguiu com a militância no Comitê Central do PCB – do qual se tornaria membro efetivo em 1960. Em 1964, com o golpe militar, Gorender passou a atuar na clandestinidade.
Com a solidariedade dos amigos, pode continuar com seus estudos. Valdizar Pinto do Carmo e sua companheira, Sonia Irene do Carmo, haviam conhecido Gorender em 1960, durante um encontro de estudantes militantes do PCB. Alunos da Universidade de São Paulo (USP), o casal facilitava o acesso de Gorender aos livros. “Para dar apoio a ele, levantávamos bibliografia sobre o período estudado e retirávamos das bibliotecas os materiais que ele indicava”, recorda Valdizar.
A esta altura, conta o amigo, Gorender estava interessado sobretudo na história do período colonial do Brasil. O intelectual permaneceu no PCB até 1968, quando saiu da organização para fundar o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), ao lado de Mário Alves, Apolônio de Carvalho e outros comunistas.
Prisão
Em 1970, Gorender passou por uma de suas experiências mais marcantes: foi preso em São Paulo por agentes do Esquadrão da Morte, chefiado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, e levado ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops), onde foi torturado. O destino de Gorender foi o presídio Tiradentes.
Nesse momento, tinha 47 anos, muitos a mais que seus colegas de prisão – a maioria na casa dos 20. Ali, passou a dedicar-se ainda mais aos livros. Quem o ajudou na missão foi sua companheira, Idealina, que levava, nos dias de visita, as obras pedidas pelo marido.
Graças a Gorender, a cela tornou-se um ambiente de difusão de conhecimento, como conta o jornalista e escritor Alipio Freire. “O Jacob sempre organizou debates para a gente na cela. Ele começou com o hábito de incentivar os presos que tinham mais informação a expô-la para os outros. Alguns ensinavam francês, outros história, era todo tipo de conhecimento”, salienta.
Gorender em seguida organizou um curso sobre história econômica do Brasil, ministrado todas as segundas-feiras à noite em sua cela. A atividade era “concorrida” na cadeia, como relembra o jornalista e artista plástico Sérgio Sister. “O Jacob era a grande personalidade da cadeia. Nós aprendemos muito com ele”, afirma.
O curso sintetizava algumas das ideias que Gorender defenderia em sua tese O Escravismo Colonial, que viria a ser lançado em 1978 pela editora Ática.
Legado
Jacob foi libertado da prisão cerca de dois anos depois, quando passou a se dedicar integralmente ao trabalho de tradutor e a investigar a realidade brasileira.
Autodidata, Jacob Gorender permaneceu à margem do campo acadêmico durante muitas décadas. Somente em 1994, aos 71 anos, seu mérito foi reconhecido com o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).