Jornalista Alípio Freire lança documentário sobre o golpe civil-militar de 1964
Produzido pelo Núcleo de Preservação da Memória Política e pela TVT, filme vai expor participação de industriais, latifundiários e dos EUA no movimento que levou à ditadura
Tadeu Breda, da Rede Brasil Atual
São Paulo – O permanente processo de reconstrução da história brasileira contemporânea ganhará mais um tijolo no próximo sábado (2), quando estreia o documentário 1964: Um golpe contra o Brasil. Dirigido pelo jornalista, escritor e artista plástico Alípio Freire, o filme pretende lançar olhares militantes – alguns novos, outros nem tanto – sobre o contexto político, econômico, social e internacional que levou à conspiração cívico-militar contra o presidente João Goulart e aos 21 anos de ditadura que vieram depois.
Em aproximadamente 120 minutos, com testemunhos e muita pesquisa, Alípio Freire tentará dar conta de cinco anos da história brasileira que compreendem os antecedentes imediatos e as primeiras consequências do golpe: o filme começa em 1960, com a eleição do presidente Jânio Quadros, e vai até agosto de 1964, com a nomeação do general Castello Branco como chefe do governo.
Alípio levou cerca de um ano para filmar e montar essa narrativa. Produzido pelo Núcleo de Preservação da Memória Política, contou com o apoio da TVT e de uma verba de R$ 80 mil da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, liberada por uma emenda parlamentar do deputado Adriano Diogo (PT), que preside a Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva na Assembleia Legislativa.
O diretor de 1964: Um golpe contra o Brasil atendeu à reportagem da RBA pelo telefone, enquanto realizava os últimos retoques no filme. Segundo Alípio, a principal motivação do documentário é explicar aos jovens brasileiros as origens do golpe a partir do olhar da geração de resistiu à ditadura. Estão entre os ouvidos: Almino Affonso, à época deputado federal e ministro do Trabalho do governo Jango, Rafael Martinelli, dirigente do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), a socióloga Maria Victoria Benevides, o médico Reinaldo Murano, o então presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes), Aldo Arantes, e o coordenador nacional do MST João Pedro Stedile.
“O golpe voltará à tona no ano que vem porque cumprirá 50 anos”, lembra. “É importante que prestemos informações sobre o que foi o golpe, qual eram os projetos em jogo, qual foi a participação dos Estados Unidos, dos industriais brasileiros, dos latifundiários, enfim, da direita brasileira articulada com os interesses internacionais. Esse assunto não costuma ser tratado no país.”
Na entrevista, Alípio Freire dá mais detalhes sobre o documentário, comenta os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade e revela sua esperança de que os criminosos da ditadura respondam pelo que fizeram.
Por que mais um documentário sobre o golpe militar?
Entendemos que as ações que até agora foram tomadas para elucidar os episódios que levaram ao golpe militar são fragmentadas, e a maioria das versões que conhecemos foi divulgada por fontes oficiais ou que ajudaram na articulação do golpe, como os veículos da grande mídia brasileira. Nosso olhar é um olhar de esquerda, de gente que resistiu ao golpe. Quem tem menos de 50 anos, ou seja, todos os que nasceram depois de 1964, poderá agora conhecer nosso olhar sobre essa história e entender porque resistimos ao golpe e ao regime que foi implantado logo depois.
Temos uma Comissão Nacional da Verdade funcionando, a Comissão da Anistia que já tem alguns anos de trabalho. Nesse contexto, o filme se torna ainda mais importante. Os que fomos perseguidos pela ditadura, e sobretudo os que foram assassinados e desaparecidos, vemos que a instalação dessas comissões oficiais como um grande e merecido gesto de solidariedade por todas as atrocidades que aconteceram. No entanto, é preciso que toda a população possa contar também as nossa versão e nossas informações dos fatos. Devem saber quem foram os personagens dessa história, pra que não seja enrolada e compre gato por lebre.
Quando você vê jovens querendo recriar a Arena, partido que deu ares de legalidade institucional à ditadura, isso é assustador. Se estão querendo refundá-lo, tenho certeza de que é por falta de informação. Por isso, precisamos contar. Porém, o que esses jovem vão fazer com essas informações, já não é mais nossa responsabilidade. Mas é preciso que possam ao menos refletir.
Quais as grandes qualidades do filme?
O documentário consegue esclarecer alguns pontos obscuros da nossa história, como por exemplo, quais eram os objetivos que levaram à renúncia do presidente Jânio Quadros e como se deu essa renúncia. Outro exemplo: por que João Goulart se retirou pra Montevidéu, no Uruguai? Não somos os primeiros a tentar esclarecer estes e outros episódios, mas essa é parte das nossas intenções com o filme e com o resgate da memória política.
Entrevistamos cerca de 20 pessoas, como Almino Affonso, que era ministro de Trabalho do Jango, a cientista política Maria Victoria Benevides, Aldo Arantes, presidente da União Nacional dos Estudantes em 1961, e João Pedro Stedile, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Vocês trazem alguma grande novidade sobre a época?
Há algumas revelações que são novidade, por exemplo, com relação à estratégia dos aliados do presidente Jango; a participação direta da Casa Branca no golpe, além da CIA, do Departamento de Estado e do Departamento de Defesa; a retomada dos fundadores e financiadores do Ipes-Ibad; as relações com a Aliança para o Progresso, Peace Corps e outros programas de ajuda solidária de Washington para a América Latina e Brasil.
Como avalia o trabalho da Comissão Nacional da Verdade até agora?
A simples instalação da CNV é uma grande vitória de todos que vêm lutando e resistindo desde a instalação da ditadura civil-militar, em 1964, até agora. É a primeira vez que o Estado brasileiro institui um organismo para investigar os crimes da elite brasileira. O fato de ter dois anos de duração não quer dizer nada. Em outros países também foi assim, e os trabalhos foram prorrogados. Espero que a CNV cumpra seu papel.
Ela tem se movimentado bem nessa direção. Não tem o papel de punir, mas, uma vez que está líquida e certa a participação de determinadas pessoas nos crimes, você pode entrar na justiça e levá-las aos tribunais para que sejam denunciadas, processadas e, no caso de confirmação dos crimes, punidas nos termos da lei, em processos legais, públicos e com todo direito à defesa. Acho que avançamos bastante. Ainda não chegamos lá, mas chegamos bastante.