BALADETA À MODA TOSCANA

 


(para arrabil e voz, e para ser musicada por Pericles Cavalcanti)

 


Porque eu não espero retornar jamais
à Lira Paulistana,
diz àquela Diana
caçadora, que eu amo
e que me esquiva,
que dê o que eu reclamo:
de pouco ela se priva
e me repara o dano
de tanto desamor.

 


Porque eu não espero retornar jamais
à Londres suburbana,
diz àquela cigana
predadora, que eu gamo
e que me envisga,
que uma vez faça amo
(e se finja cativa)
deste seu servidor.

 


Mas diz-lhe que me esgana
passar tanta tortura,
e que desde a Toscana
até o Caetano
jamais beleza pura
tratou corn tal secura
um pobre trovador.

 


Vai canção, vai com gana
à Diana cigana,
e diz que não se engana,
quem semana a semana,
sem fé nem esperança,
faz poupança de amor.
Chega dessa esquivança:
que a dor também se cansa
e a flor, quando se fana,
não tem segunda flor.

 


Quem sabe uma figura
uma paulist’humana
figura de Diana
me surja de repente;
e mostre tanto afeto
que o meu pobre intelecto
saia a voar sem teto
sem ter onde se pôr.
Ànimo, alma, em frente:
diante de tanta Diana
o corpo é o pensador.

 

 


Haroldo de Campos – A educação dos cinco sentidos