Logo Grabois Logo Grabois

Leia a última edição Logo Grabois

Inscreva-se para receber nossa Newsletter

    Política e Estado

    Brasil atual e a formação de novas consciências populares

    Artigo analisa o impacto da desindustrialização, do empreendedorismo ilusório e da teologia da prosperidade na consciência coletiva dos trabalhadores brasileiros

    POR: Altair Freitas

    6 min de leitura

    Motoboys fazem manifestação, na Esplanada dos Ministérios, em apoio à greve dos caminhoneiros e pela redução do preço dos combustíveis.
    Motoboys fazem manifestação, na Esplanada dos Ministérios, em apoio à greve dos caminhoneiros e pela redução do preço dos combustíveis.

    Fraqueza econômica e retrocessos ideológicos (Parte 2): A nova precarização do Brasil – No texto anterior, “Crises que moldam consciências do Império Romano ao Brasil de hoje”, exploramos o colapso de estruturas produtivas em momentos distintos da história. Agora, vamos aprofundar os impactos na subjetividade do povo brasileiro, especialmente entre os jovens trabalhadores.

    Então, voltemos à combinação entre infraestrutura e superestrutura, olhando especialmente para, digamos, uma média do pensamento de uma sociedade — ou seja, aspectos da ideologia circulante e, muitas vezes, dominante. A desindustrialização no Brasil teve efeitos perversos em vários sentidos, especialmente no que diz respeito à eliminação de dezenas de milhões de empregos nas cadeias produtivas vinculadas à indústria. Boa parte dessa mão de obra dispersou-se ao longo dos últimos anos em diversas frentes, especialmente nos setores de comércio e serviços, que tendem a pagar salários bem menores do que na indústria. Esse proletariado comporá três categorias muito presentes na dinâmica brasileira hoje: a) como mão de obra assalariada nesse setor de comércio e serviços; b) compondo um universo formado por micros e pequenos empresários; c) como “trabalhadores de aplicativos e plataformas digitais”.

    Em 2003, existiam cerca de 10 milhões de micro e pequenas empresas no Brasil. Em 2023, esse número saltou para mais de 20 milhões. Em 2018, o número de trabalhadores por aplicativos (entre entregadores com motos e bicicletas e motoristas de transporte de passageiros) era de aproximadamente 1 milhão, mais do que dobrando em 2024. Os dados mais recentes indicam que o número de trabalhadores informais no Brasil supera os 40 milhões de pessoas.

    O que (realmente) mudou nas relações de trabalho?

    Alguém haverá de dizer que o volume de trabalhadores precarizados sempre foi elevado no Brasil, mesmo durante o auge do processo industrial nacional — e é verdade. Mas aqui há um elemento importante no raciocínio: havia expectativa, nesse proletariado, de conseguir emprego formal, carteira assinada e direitos trabalhistas. Ser CLT era uma meta a ser atingida. Entrar em uma empresa formal e nela “fazer carreira” era um dado objetivo do sistema produtivo brasileiro. Hoje, não mais — ao menos para uma parcela substantiva da sociedade brasileira.

    O capitalismo vivencia uma intensa crise prolongada, mas tem conseguido atrair para si o apoio de milhões de trabalhadores por meio da inculcação ideológica ancorada na ilusão do empreendedorismo, complementada por outra enorme falácia, que tem cooptado setores importantes da juventude: a de se tornar “influencer” via redes sociais. Colabora para isso a chamada “teologia da prosperidade”, pregada todos os dias por igrejas neopentecostais, especialmente nas periferias dos grandes centros urbanos. Novamente, num cenário de forte estagnação econômica, com a proliferação de pequenas e médias atividades comerciais e de serviços, em uma verdadeira carnificina concorrencial, gerando empregos mal pagos e com escalas de trabalho extensas — principalmente a famigerada escala 6×1 —, não é um mero acaso que o trabalho formal com carteira assinada tenha passado a ser malvisto por segmentos importantes do proletariado nacional, especialmente entre os mais jovens. É exatamente nessas insatisfações que a extrema-direita brasileira tem navegado com tanto sucesso.

    Pobre de Direita — Jessé de Souza e a vingança dos desprezados

    A combinação é perversa: a desindustrialização acentuada gerou dispersão da força de trabalho em uma miríade de precarização, uberização, terceirização etc. O Estado nacional, fortemente atingido pelo neoliberalismo a partir dos anos 1990, perdeu parte significativa da sua capacidade de ser indutor do desenvolvimento econômico e de praticar uma ampla política de atendimento qualificado dos serviços sociais essenciais, da saúde à segurança pública. Estado fragilizado escancara as portas para o povo buscar outras formas de “proteção social”, em igrejas neopentecostais, ONGs e mesmo no crime organizado. O campo progressista, que teve três grandes vitórias consecutivas entre 2002 e 2010, com Lula e Dilma, começou a perder espaço para o conluio tucano-midiático a partir de 2013, resultando no golpe contra a presidenta em 2016 e na rápida expansão da extrema-direita vitoriosa em 2018, que segue intensamente atuante hoje, mesmo após tudo o que de nefasto fez com o Brasil.

    Não há espaço vazio na política, na economia e nas formas como o povo busca sobreviver em pleno caos criado pelo capitalismo, que, por enquanto, tem conseguido cooptar parte significativa do apoio do próprio proletariado que oprime e exclui.

    Não há espaço vazio na religiosidade. E termino aqui lembrando que a expansão intensa do neopentecostalismo no Brasil ocorreu no espaço vazio criado pela própria Igreja Católica. Sob o papado de João Paulo II, em 1984, o Vaticano publicou o documento “Algumas Orientações sobre a Teologia da Libertação”, que atacava e iniciava a destruição das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que tinham forte atuação nas periferias brasileiras, com programas assistenciais e promoção dos direitos humanos. Naquele ano, mais de 80% da população brasileira se declarava católica. Em 2024, esse percentual desabou para 50%.

    Não se trata aqui de alguma preferência religiosa, mas da identificação de um fenômeno: para combater o suposto “marxismo” existente nas CEBs, o Vaticano desmobilizou e desmoralizou aquele trabalho social que tinha uma visão ancorada no Concílio Vaticano II, dos anos 1960, com um viés fortemente progressista. Ao esvaziar intensamente esse trabalho, a própria Igreja Católica abriu todos os espaços para que aquela obra social passasse a ser exercida por um sem-número de igrejas neopentecostais, com parte significativa delas alinhadas à teologia da prosperidade e com lideranças fortemente vinculadas à onda de extrema-direita e, portanto, ao neoliberalismo. Basta ver o grande volume de pastores dessas denominações que passaram a ser eleitos para os parlamentos do Brasil nos três níveis da federação — e como eles se posicionam politicamente. As igrejas criam redes de proteção social, acolhem desvalidos e pessoas que não enxergam soluções imediatas na luta política, na economia vigente e na atuação do Estado.

    Claro que aqui não está tudo; não abordei todas as variáveis do cenário, pois me concentrei naquilo que considero o mais estruturante dessas coisas todas. É por isso que nós, comunistas, progressistas, patriotas de verdade — e não esses patéticos seres defensores do capitão de araque e suas idiotias verborrágicas — devemos lutar com afinco para construir no Brasil um novo tipo de desenvolvimento econômico, político e social: o socialismo. Fora disso, vamos ficar enxugando gelo e, pior, culpando o povo pelos problemas do país, como fazem alguns.

    Altair Freitas é historiador, membro do Comitê Central do PCdoB, diretor da Escola Nacional João Amazonas, secretário de Formação e Propaganda do PCdoB/SP.

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.

    Notícias Relacionadas