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    EUA

    Protestos em massa e repressão militar aprofundam crise do governo Trump

    Com prisões em massa de imigrantes e repressão federal, governo Trump enfrenta reação nacional nas ruas e perde apoio popular. Sob pressão dos atos massivos, políticos democratas saem da toca e tornam-se mais combativos

    POR: Eduardo Siqueira

    13 min de leitura

    Manifestantes seguram cartazes contra Donald Trump durante o "No Kings Rally", em Eugene, Oregon, em 14 de junho de 2025. A imagem destaca mensagens como “NOPE”, “86 No King #47” e  frases como Ame o Próximo e Alimente os Famintos (_Love Your Neighbor / Feed The Hungry_). Foto: David Geitgey Sierralupe via Flickr / CC BY 2.0
    Manifestantes seguram cartazes contra Donald Trump durante o "No Kings Rally", em Eugene, Oregon, em 14 de junho de 2025. A imagem destaca mensagens como “NOPE”, “86 No King #47” e frases como Ame o Próximo e Alimente os Famintos (_Love Your Neighbor / Feed The Hungry_). Foto: David Geitgey Sierralupe via Flickr / CC BY 2.0

    Os protestos contra o governo Trump 2.0: água mole em pedra dura – Conforme analisei em coluna anterior, o movimento popular contra o governo Trump 2.0 ganha profundidade a nível nacional na medida em que vai ficando claro para milhões de estadunidenses o descalabro diário promovido pelas inúmeras barbaridades cometidas pelo agora apelidado presidente TACO, abreviação do slogan satírico “Trump Always Chickens Out,” que significa em bom português “Trump Sempre Recua”.

    É mais ou menos o mesmo que “cachorro que ladra não morde,” porque ficou claro que Trump ameaçou países com tarifas astronômicas mas recuou em muitos casos quando encontrou resistência firme ou retaliação da China, da União Europeia, e de vários outros países do Sul Global. A dita habilidade de grande negociador que ele propagandeia aos quatro ventos se mostrou na verdade uma farsa.

    Além do tarifaço, o apoio aberto e contínuo ao sionismo fascista do governo de Israel, aos fascistas ucranianos e o recente ataque a instalações nucleares do Irã também têm desgastado bastante Trump.

    Qualquer análise da conjuntura atual não pode separar completamente as políticas interna e externa do governo Trump 2.0, já que as duas interagem dinamicamente e, ao fim e ao cabo, influenciam as decisões tomadas pelo presidente em ambas.

    Muitos analistas geopolíticos de direita, centro, ou esquerda têm afirmado que quase tudo que Trump defende a nível internacional se baseia no seu cálculo político-eleitoral nos EUA. Em um país onde se avizinha crise econômica grave, existe forte polarização política e desconfiança disseminada no papel do governo em regulamentar o mercado, o presidente não tem como sair ileso dos erros cometidos e abusos dos direitos soberanos de países em todo o mundo.

    Símbolos do trumpismo, boné ‘Make America Great Again’ e bandeira dos EUA refletem a ideologia nacionalista e a retórica política de Trump 2.0.Foto: Polina Zimmerman / Pexels

    Isolamento e desgaste

    Embora o fracasso do tarifaço proposto tenha contribuído para isolar os EUA a nível mundial, e com certeza influencia positivamente o ânimo e a energia de líderes de movimentos sociais, não é principalmente por causa da política externa imperialista dos EUA que os protestos contra o governo tem crescido ao longo dos últimos meses.

    O que contribui mais para o desgaste do governo Trump é o aumento da compreensão sobre o impacto das medidas inconstitucionais adotadas quase diariamente pelo candidato a ditador que governa os EUA, cada vez mais caracterizadas como típicas de regime neofascista e anti-popular. O sentimento inicial de medo e ansiedade com o caos intencionalmente criado nos primeiros cem dias do governo Trump 2.0 paulatinamente se transforma em mobilização e repúdio por muitos setores da sociedade, visíveis nos protestos organizados de costa a costa do país, no sábado, 14 de junho.

    Dia de lutas

    O dia de lutas intitulado “No Kings Day” (“Dia do Nenhum Rei” ou “Dia Sem Reis”) ganhou amplitude a partir dos protestos ocorridos na semana anterior na Califórnia, quando a polícia federal responsável por fazer cumprir leis imigratórias (Immigration Customs Enforcement) deu batidas em diversos negócios em Los Angeles, como o Home Depot, para prender e deportar imigrantes indocumentados.

    Los Angeles é uma “cidade santuário” para imigrantes e alvo da repressão a imigrantes defendida pelo presidente e pela ministra de Segurança da Pátria, Kristi Noem. Faz parte da agenda do governo Trump priorizar a repressão a imigrantes nas chamadas “cidades santuário,” que em geral são dirigidas por prefeitos do partido democrata.

    Ao dar batidas nessas cidades com maioria democrata, o governo federal mata dois coelhos de uma só vez, isto é, ataca líderes do partido democrata e gera tensão entre os imigrantes, documentados ou indocumentados.

    A prisão indiscriminada de dezenas de imigrantes indocumentados, em sua maioria mexicanos e centro-americanos, em uma cidade onde residem centenas de milhares de imigrantes de primeira ou segunda geração, gerou manifestação pacífica que se tornou mais agressiva depois que a polícia reprimiu violentamente os manifestantes aglomerados em frente ao edifício onde se encontram o os escritórios locais de ministérios e agências federais.

    Repressão, atentados políticos e o clima de insegurança

     

    Soldados norte-americanos designados para o 1º Batalhão do 185º Regimento de Infantaria, da 79ª Equipe de Combate da Brigada de Infantaria, atuando sob autoridade do Título 10, e fuzileiros navais do 2º Batalhão do 7º Regimento de Fuzileiros, da 1ª Divisão de Fuzileiros Navais, prestam apoio na proteção de funções federais, propriedades e agentes da lei em Los Angeles, em 14 de junho de 2025. O Comando Norte dos EUA (U.S. Northern Command) está apoiando agências federais com o envio de forças militares para proteger funções, funcionários e bens federais na região metropolitana de Los Angeles.

    Soldados da Guarda Nacional e forças policiais fazem barreira diante de milhares de manifestantes em Los Angeles, durante protesto contra a repressão migratória e o autoritarismo político, em 14/06/2025. A ação ocorreu após Donald Trump ordenar o envio de tropas federais à Califórnia sob o pretexto de conter agitações civis. Foto: U.S. Northern Command via Facebook / Domínio público

    Cenas de confrontos violentos entre a polícia e os manifestantes e quebra-quebras de lojas e comércios lembraram os distúrbios de 1992, quando houve uma verdadeira insurreição popular contra a polícia de Los Angeles, que havia baixado o cacete nos que protestaram contra o espancamento do negro Rodney King. Não deve ser surpresa para ninguém reconhecer que a população negra e latina de bairros pobres de Los Angeles tem larga experiência de luta contra o racismo e a brutalidade da polícia.

    Desta vez a coisa foi pior porque o governo Trump enviou a Guarda Nacional e até mesmo fuzileiros navais (os famosos “marines,” tropa de elite das forças armadas dos EUA) para controlar os distúrbios e proteger o edifício federal, passando por cima da autoridade legal dos governos estadual e municipal. Em seguida, houve forte troca de acusações entre o governo federal, de um lado, e o governador da Califórnia e a prefeita de Los Angeles, de outro. A prefeita declarou toque de recolher no centro da cidade no dia 10 de junho para reduzir os danos a lojas e comércios e os confrontos com a polícia.

    A decisão de um juiz federal contra o envio da Guarda Nacional sem autorização do governador foi logo revogada por um tribunal federal de apelação. A Guarda Nacional e os fuzileiros navais permaneceram em Los Angeles e, durante toda a semana, a polícia imigratória – que atua como uma verdadeira Gestapo anti-imigrante – continuou a prender imigrantes em diversas cidades do estado, e o pânico se espalhou por toda a Califórnia.

    No mesmo sábado foram assassinados a deputada estadual pelo estado de Minnesota, Melissa Hortman, e seu marido, enquanto o senador estadual também por Minnesota, John Hoffman, e sua esposa foram feridos por atentado politicamente motivado. Estes incidentes calam fundo no sentimento do povo e contradizem sua ideologia sobre os EUA como exemplo de nação onde todos podem se organizar e expressar livremente.

    As imagens dessa semana de descontentamento com a repressão a imigrantes foram vistas em todo o país e serviram de pano de fundo para as dezenas de marchas, concentrações, passeatas, e comícios em todas as grandes cidades e em inúmeras cidades de pequeno e médio porte em todo o país. A principal organização que liderou o movimento se chama Indivisible (Indivisível), que segundo alguns analistas é financiada por George Soros, bilionário apoiador do Partido Democrata e globalista de primeira ordem.

    Efeito político dos protestos na oposição democrata

    Embora não se saiba o número exato dos que saíram às ruas, não há dúvida de que foram milhões de pessoas que demonstraram combatividade e disposição de luta contra o governo. Muitos dos manifestantes nunca haviam participado de eventos claramente políticos e de oposição a governos eleitos. Sob pressão dos atos massivos, muitos políticos democratas saem da toca, tornam-se mais combativos, e em algumas cidades enfrentam o governo federal e seus apoiadores com maior vigor.

    O slogan do dia de luta sugere que o presidente Trump governa como se fosse um rei que manda e desmanda nos seus súditos, atitude e comportamento amplamente repudiados pela grande maioria da população estadunidense. Trata-se portanto de defesa da democracia liberal e da tradição republicana dos EUA, mas ainda não se coloca em primeiro plano o que afeta mais de perto o dia a dia do cidadão americano, aquilo que ameaça a sua sobrevivência e condição de vida.

    Faixas e cartazes nas manifestações deixam claro que a agenda é muito mais ampla do que o slogan indica. Apesar dos dados oficiais ainda revelarem inflação sob controle, a insegurança sobre a economia nos próximos meses faz parte das notícias veiculadas pela imprensa e pelas redes sociais. O clima no país é de incerteza e cresce mês a mês a insatisfação com os atos contraditórios e as declarações estapafúrdias do presidente sobre a realidade da população.

    Uma leitura mais profunda da indignação que avança em setores de classe média, na juventude, e no andar de baixo da sociedade escancara a perda de apoio pelo governo Trump 2.0, relacionada com os cortes profundos no setor público, nos programas sociais de apoio aos pobres, aposentados e incapacitados, e em cortes em um sem número de subsídios para diversos setores da economia.

    Por exemplo, o Congresso com maioria republicana está próximo de aprovar legislacão que reduz drasticamente fundos para o programa Medicaid, responsável por financiar assistência médica para cerca de 78 milhões de pessoas, e inclui exigências para os que recebem o benefício que dificultariam a sua eligibilidade.

    O Medicaid é financiado conjuntamente pelo governo federal e pelos estados e contribui bastante para os orçamentos dos estados. O mesmo projeto de lei corta créditos fiscais para uso de energia limpa implementados pelo governo Biden. Todos os cortes propostos tem por finalidade diminuir gastos públicos para tornar permanente a redução de impostos para o andar de cima dos EUA adotada por Trump em 2017. Embora haja divergências entre os republicanos na Câmara e no Senado, no fundamental se trata de maior ou menor austericídio.

    Com o avanço do movimento popular, provavelmente haverá cada vez mais iniciativas e batalhas que mudarão a correlação de forças favoravelmente para a oposição ao governo Trump 2.0. A unidade dos setores populares começa a ganhar terreno e empurra setores vacilantes a enfrentar o neofascismo, que tem mais dificuldade em convencer eleitores independentes porque Trump não consegue dar conta do recado prometido.

    As bases trumpistas conhecidas como MAGA (sigla de Make America Great Again – emblema do Republicano) já dão mostras de insafistação com o não cumprimento de promessas da campanha e caminham na direção de acusarem Trump de estelionato eleitoral. A cada semana aparecem novas divergências entre os neoconservadores e setores do partido republicano que apoiaram Trump.

    Crise de representatividade e a busca por novas alternativas

     

    Comício “Fight Oligarchy” (Lute contra a oligarquia), realizado em Fort Worth (Texas). Lideranças trabalhistas e políticos de esquerda dos Estados Unidos, como o senador Bernie Sanders, criticaram o poder das elites econômicas e defenderam direitos sociais e trabalhistas.
    Foto: Reprodução / Facebook Bernie Sanders

    O partido democrata continua sem rumo, mas os protestos massivos dão esperança a seus líderes que o partido ganhará cadeiras na Câmara nas eleições na metade do mandato presidencial em novembro de 2026 e poderia paralisar o austericídio. É cedo para qualquer avaliação séria sobre isto porque muita água vai correr debaixo da ponte. Infelizmente, a alternativa democrata também não responde aos anseios democráticos do povo, que ainda não conseguiu criar alternativa progressista a ambos os partidos.

    Bernie Sanders, que é senador independente, continua vanguardeando o movimento mais avançado contra Trump, apesar de erros importantes na avaliação da guerra da Ucrânia como iniciativa da Rússia. Como diz Chomsky corretamente, a democracia americana é de baixa intensidade!!!

    Em resumo, o império decadente acirra as contradições de classe na sociedade dos EUA e o imperialismo MAGA não é e nem será capaz de satisfazer os anseios da grande maioria do povo estadunidense. Pesquisas de opinião recentes revelam a perda de popularidade do presidente, que mais uma vez apela para o chauvinismo de grande potência para tentar unificar a sociedade contra o maior inimigo externo, a China, além da Rússia e do Irã.

    De um lado, o chamado MICIMAT (Military Industrial Complex, Intelligence, Media, Academy and Think Thanks) empurra o governo Trump 2.0 para uma nova guerra fria; de outro, a maioria do povo, sem falar de setores das classes dominantes já contrários à política econômica do governo, dificilmente apoiarão a escalada belicista e novas guerras na Ásia Ocidental.

    Não há portanto nenhuma garantia que Trump terá êxito desta vez, porque prometeu que seria o presidente da paz e acabaria com as guerras patrocinadas pelo presidente Biden. E, principalmente, porque os EUA já não conseguem dominar como antes, já não são hegemônicos, e há maioria global capaz de derrotá-lo nas frentes econômica, política, e militar.

    Mais cedo do que tarde, está em curso a disputa entre a água mole e a pedra dura. A água já não é tão mole e começou a bater na pedra com mais intensidade, que por sua vez já começou a ter furos visíveis a olho nu. Dada a velocidade das mudanças que ocorrem na conjuntura mundial e nos EUA, a correnteza anti-fascista poderá furar a pedra Trumpista, já não tão dura, mais rápido do que durante um período quando leva muito tempo para a água mole furar a pedra dura.

    Putin reconheceu esta dinâmica mundial quando afirmou em 2022 o que Lenin havia dito sobre uma situação revolucionária, onde as classes altas não conseguem dominar como antes, e as classes baixas não aceitam mais viver como antes.

    Eduardo Siqueira é professor na Universidade de Massachusetts, Boston, EUA e pesquisador do Observatório Internacional da FMG.

    Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.

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