Logo Grabois Logo Grabois

Leia a última edição Logo Grabois

Inscreva-se para receber nossa Newsletter

    Economia

    Trabalhadores preferem informalidade à carteira assinada? Não é bem assim

    Avanço do neoliberalismo desmontou direitos e deixou milhões sem proteção social. É hora de pensar um novo projeto nacional

    POR: Carolina Maria Ruy

    9 min de leitura

    Informalidade cresce com a precarização do trabalho: entregadores de aplicativo ocupam postos sem direitos trabalhistas garantidos. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
    Informalidade cresce com a precarização do trabalho: entregadores de aplicativo ocupam postos sem direitos trabalhistas garantidos. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

    Pesquisas quantitativas e de opinião são fundamentais para compreender a realidade. Elas fornecem informações atualizadas e precisas, mas devem ser lidas com cuidado uma vez que, eventualmente, travestidas de dados empíricos, podem induzir ou manipular conclusões. 

    Como, por exemplo, pesquisa do Datafolha (instituto importante, mas que inspira cuidado e senso crítico), divulgada em 20 de junho, “cria” o dado que os trabalhadores “preferem” a informalidade em vez da carteira assinada.

    Pesquisa realizada nos dias 10 e 11 de junho de 2025. Gráfico: Redação Grabois. Fonte: Datafolha. Pesquisa completa em: bit.ly/44yX8Sh

    Na verdade, a partir da situação que está colocada, alguns trabalhadores são levados a buscar a informalidade e o trabalho precário. Não é, como a imprensa defende, que os trabalhadores “não querem” os direitos. O que ocorre é que a retirada de direitos e a maior liberdade para os empregadores explorarem pagando menos empurra muitos trabalhadores para serviços como o de entregador de iFood.

    A manipulação da informação em favor de determinados interesses mostra que é essencial que o movimento social — especialmente o sindical — produza pesquisas e dados confiáveis. O Centro de Análise da Sociedade Brasileira (CASB) cumpre esse papel ao apresentar sua extensa pesquisa sobre a classe trabalhadora. A pesquisa é abrangente e se aprofunda no mundo do trabalho brasileiro, apontando não apenas a alta informalidade, mas o processo de precarização das relações laborais. Dessa forma, o levantamento não “cria” um dado, mas o extrai de um contexto social, revelando seus impactos sobre os trabalhadores.

    Pesquisa “As Classes Trabalhadoras”, do Centro de Análise da Sociedade Brasileira (CASB), realizada em duas etapas, de 23 de junho a 10 de dezembro de 2023. Crédito: Reprodução

    Destaquei três temas da pesquisa: a questão da CLT versus informalidade, o sindicalismo e, por fim, concluir falar sobre uma ideia de desenvolvimento. 

    Informalidade versus carteira assinada

    O crescimento da informalidade em detrimento do registro em carteira (CLT) é o ponto central do debate, pois define a relação de trabalho e o papel do Estado.

    A pesquisa colheu dados quantitativos de 4.017 entrevistas de trabalhadores entre 18 e 55 anos. Os dados revelam que:

      • 29% dos entrevistados são autônomos ou empregados sem carteira; número maior entre os menos escolarizados.
      • Comércio e serviços concentram 69% dos informais.
      • Jornadas excessivas são comuns entre MEIs e trabalhadores com baixa escolaridade.
      • 27% gostariam de um emprego com carteira. A aspiração pela formalização é maior entre os de menor renda e escolaridade.
      • Há um crescimento da valorização do trabalho por conta própria.
      • Quanto menor a escolaridade e a renda, maior a valorização da formalidade (CLT).
      • 60% têm medo de perder a renda; 42% sentem riscos psicológicos; 33% temem pela integridade física.
      • Apenas 24% dos que sofreram acidentes contaram com benefício oficial.
      • 82% têm medo de não conseguir se aposentar. Só 16% pagam o INSS voluntariamente, enquanto 18% buscam previdência privada ou investimentos.
      • Alguns problemas da CLT apontados pela pesquisa são: baixa oferta de trabalho, impostos, jornada, rendimentos baixos.

    Para ver a pesquisa completa acesse: As Classes Trabalhadoras – CASB

    São dados que confirmam o avanço da desregulamentação, que cresce desde os anos 1980 e que teve um salto decisivo na reforma trabalhista de 2017. A reforma aumentou o poder das empresas sobre os trabalhadores, enfraquecendo os direitos e desvalorizando os sindicatos. Temos, então, que o atual acirramento da informalidade é uma agenda inserida nas reformas neoliberais iniciadas por Michel Temer.

    Entre outras coisas, a reforma determinou:

      • Atividades como descanso, estudo, alimentação, interação entre colegas, higiene pessoal e troca de uniforme não são mais consideradas parte da jornada de trabalho.
      • Ida e volta até o local de trabalho não são mais contabilizados como jornada, mesmo quando a empresa fornece transporte. 
      • O intervalo para almoço ou repouso pode ser negociado, desde que tenha no mínimo 30 minutos. Antes, o trabalhador com jornada de 8h tinha direito a no mínimo 1h e no máximo 2h de intervalo.
      • Trabalho intermitente passa a ser reconhecido na legislação. O trabalhador pode ser pago por hora ou diária, com direito a férias, 13º, FGTS e previdência proporcionais ao tempo trabalhado.
      • Terceirização: já havia sido sancionada pelo presidente Michel Temer a possibilidade de terceirização de atividades-fim.
      • O pagamento de piso ou salário-mínimo não é mais obrigatório quando a remuneração for por produção. Antes, a remuneração por produtividade não podia ser inferior ao salário-mínimo ou ao piso da categoria.
      • Na rescisão contratual a homologação pode ser feita na própria empresa, com a presença dos advogados das partes, com ou sem o sindicato. Antes, era obrigatoriamente realizada no sindicato da categoria.

    Matéria na Agência Brasil de junho, intitulada Contratos de trabalho por hora em supermercados aumentam precarização ilustra como a precarização afeta a empregabilidade. O texto afirma que os empregadores do setor de supermercados no Rio de Janeiro enfrentavam dificuldades para preencher 35 mil vagas de emprego. Mas o modelo de anúncio de emprego recorrente neste setor oferecia salário de R$ 1.600 para operador de caixa, com funções acumuladas como reposição e limpeza, escala 6×1. Ou seja: com essas condições fica difícil atrair o trabalhador que acaba optando por trabalhos como de entregador ou algum trabalho precário via aplicativo. 

    Esta pode ser a realidade de muitos, mas não é uma boa situação para o país. A informalidade prejudica toda a sociedade: os trabalhadores perdem direitos, o Estado arrecada menos, a previdência se enfraquece e o consumo diminui, afetando também os empresários.

    Sindicalismo

    Outro aspecto relevante da pesquisa da CASB sobre a classe trabalhadora é o sindicalismo. 

    Os dados apontam que:

      • Apenas 19% dizem conhecer algum sindicalista e 30% conhecem algum sindicato da sua categoria. Os que mais conhecem são pessoas com maior escolaridade e renda.
      • 27% participam ou gostariam de participar de um sindicato. A taxa de sindicalização (em dezembro de 2023) era de 9%.
      • 33% estariam dispostos a fazer alguma contribuição financeira ou a participar de manifestações.
      • Apenas 9% são filiados a sindicatos, mas 27% gostariam de participar. A disposição para mobilização (manifestações, contribuição financeira) supera os números formais de engajamento.

    Ou seja, há interesse dos trabalhadores pelos sindicatos, embora exista um distanciamento. Os sindicatos podem conhecer esses dados apresentados e, com seus recursos, buscar maior aproximação. Mas as condições desfavoráveis – materiais inclusive – tendem a reprimir a ação sindical.

    A crise do sindicalismo se instalou com a reforma de 2017, em uma ação diretamente relacionada à precarização planejada e executada no Congresso Nacional dominado pela direita.

    Do avanço à ruptura

    Para concluir, é importante refletir sobre a ideia de desenvolvimento que baseia a sociedade refletida na pesquisa.

    Hoje, o modelo vigente é o da desregulamentação com crescente informalidade e enfraquecimento dos sindicatos. Um desenvolvimento com soberania e inclusão social, por outro lado, exige a formalização e valorização do trabalho, qualificação da mão de obra e investimento em ciência e tecnologia.

    Voltemos à CLT. A legislação, em sua origem, proporcionou a criação de uma classe trabalhadora com maior poder aquisitivo e mais segurança. Naquele contexto, anos 1940, foi criado também o Senai (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), que formou gerações de trabalhadores qualificados. 

    O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, inclusive, além de vários sindicalistas importantes, foi formado pelo Senai – o que também mostra a influência política que a profissionalização permitiu. 

    Também é importante destacar a criação de um parque industrial naquela época, com a construção de grandes empresas nacionais como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale) e a Petrobras, que geraram bons empregos, diretos e indiretos. 

    Foi um período de desenvolvimento soberano que promoveu uma grande mobilidade social de trabalhadores e que, por isso, instigou a revolta em setores das elites política e econômica que defendiam o liberalismo e uma dependência do capital externo.

    Elites que patrocinaram o golpe militar de 1964, rompendo aquela trajetória de crescimento, ainda que muitas das mudanças efetuadas nas décadas de 1930 e 1940 ainda estejam na base econômica do nosso país. Mesmo após o regime militar e o advento da redemocratização, em 1985, a visão política dominante, contra o desenvolvimentismo, contra o trabalhismo, contra o comunismo e favorável ao desenvolvimento dependente, se manteve. 

    Esse modelo que foi aprofundado nos governos Temer e Bolsonaro, com sucessivas reformas liberais que retiraram direitos, fragilizaram os sindicatos e desindustrializaram o país. Um modelo que prioriza a estabilidade monetária, a contenção de investimentos sociais e a manutenção de um desemprego estrutural ou de uma situação de precarização que serve como “reserva” de mão de obra. 

    Reconstruir o Brasil com trabalho formal e investimento social

    Para que o Brasil pudesse dar um salto, como aconteceu com a China, por exemplo, seria necessário fortalecer e dar continuidade àquele projeto de desenvolvimento interrompido pela ditadura de 1964. 

    Atualizá-lo exige pensar em ações a partir do estágio de evolução tecnológica em que estamos, mas de forma que o desenvolvimento seja orientado pelo Estado e não pelas regras do mercado. Um projeto nacional que valorize trabalhador, através de qualificação, remuneração, autonomia e diretos, e que invista em ciência e tecnologia e em uma produtividade qualificada. Que resgate, enfim, o princípio que o orientou quando o país deu um salto impulsionando, naquela transformação, a ascensão social e a organização dos trabalhadores.

    Carolina Maria Ruy é jornalista e pesquisadora, coordenadora do Centro de Memória Sindical, editora do Rádio Peão Brasil e membro do Conselho Consultivo da Fundação Maurício Grabois.

    *Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial dFMG.

    Notícias Relacionadas