Pós-11/09 na América Central significou escalada da presença militar dos EUA
Embora a resposta militar norte-americana tenha se voltado para o Oriente Médio, a América Central não escapou dos efeitos da crise. Diante da condição imposta às nações do mundo pelo presidente George W. Bush logo após o ataque – "Ou vocês estão conosco ou estão contra nós" –, os presidentes das nações centro-americanas na época não demoraram em se reunir e condenar os atentados. Posteriormente, deram total respaldo a todas as ações militares norte-americanas.
Poucos dias após o atentado, governos centro-americanos de seis países (Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Belize) divulgaram a declaração "América Central unida contra o terrorismo". Mais do que uma carta de boas intenções, os líderes da região firmaram acordos de segurança visando ações de cooperação contra o terrorismo, segurança e migração. Também aderiram à "Coalizão da Vontade", articulada por Washington para justificar a invasão do Iraque em 2003. Naquele ano, El Salvador, Honduras, Nicarágua, além da República Dominicana, no Caribe, enviaram tropas ao Golfo Pérsico.
Terrorismo e narcotráfico
Esta renovada relação entre os EUA e a América Central foi se consolidando nos anos seguintes aos atentados do 11 de Setembro, com uma escalada da presença militar norte-americana na região. Trata-se de uma ofensiva baseada em dois eixos: contra o terrorismo e o narcotráfico. Aparentemente, um terceiro elemento, talvez o mais importante, se manteve oculto: o econômico.
"O 11 de Setembro não desencadeou nada que não estivesse previsto [na região] e foi um pretexto para impulsionar algo que já vinha sendo planejado. O apoio servil oferecido pelos governos centro-americanos permitiu que esse plano de militarização, controle econômico e saque de recursos fosse levado a cabo com mais impunidade e legalidade", disse ao Opera Mundi Bertha Cáceres, coordenadora do Copinh (Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras).
Na época os EUA estavam com extrema dificuldade para implementar sua estratégia de criar um mercado único pan-americano, a Alca (Acordo de Livre Comércio das Américas). Por essa razão, começaram a promover TLCs (Tratados de Livre Comércio) regionais. "A busca de um tratado comercial com a América Central e a República Dominicana (o CAFTA-DR) e a consolidação de suas empresas transnacionais definiram os interesses estratégicos militares e econômicos dos Estados Unidos na região", afirmou Cáceres.
Para a dirigente indígena, os anos posteriores aos atentados de Nova York e Washington serviram para que os EUA "penetrassem em países e governos, aplicando a “Doutrina do Choque” (termo criado na obra de Naomi Klein, The Shock Doctrine: The Rise of Disaster Capitalism, 2007), para reafirmar sua política de dominação econômica e militar por meio da aprovação de marcos jurídicos que beneficiassem suas companhias multinacionais".
O sociólogo guatemalteco Gustavo Porras Castejón aprofundou o conceito, declarando ao Opera Mundi que os EUA enxergaram na guerra ao narcotráfico um verdadeiro negócio. "A guerra ao narcotráfico se transformou no sonho do militarismo norte-americano: uma guerra sem fim, fora de seu território e, agora, pela primeira vez, sem seus soldados. Um negócio que faz funcionar sua indústria armamentista e permite incrementar o orçamento de suas agências."
Para Porras, o 11 de Setembro se transformou em um novo Pearl Harbour, ou seja, "um pretexto para pôr em prática o que havia sido planejado. Um ato terrorista que favoreceu o agredido de uma maneira espetacular e que permitiu a busca de uma saída para uma crise que se aproximava".
Militarização
Segundo dados do Pentágono, em 2008, os EUA tinham 865 instalações militares em mais de 40 países, com uma mobilização de mais de 190 mil soldados em mais de 46 países e territórios.
"Em Honduras, temos a base de Palmerola/Soto Cano, a maior da região. E foram instaladas mais duas bases em Caratasca e na Ilha de Guanaja. Há patrulhas e manobras militares conjuntas em toda a região leste do país e não podemos esquecer a reativação da Quarta Frota, o impulso da Iniciativa Mérida (tratado de Segurança envolvendo EUA, México e América Central) e a intensificação de exercícios militares", explicou Cáceres.
Depois de cumprir 58 anos de sua dissolução (1950), a Quarta Frota da Armada dos EUA voltou a operar em 2008. Sob a chefia do Comando Sul e formada por 21 navios e seis esquadrões de helicópteros, a frota tem como território de intervenção a superfície da América do Sul, América Central e Caribe.
Ao longo de 2009, a frota realizou manobras militares conjuntas, que foram consideradas uma verdadeira "Cúpula militar da América", com a participação de dez países da região com mais de 30 embarcações de superfície, dois submarinos, cerca de 50 aeronaves e mais de 10 mil homens.
Vários analistas consideram que sua reativação tem como objetivo o controle dos processos de integração política latino-americanos, como o Sica (Sistema de Integração Centro-Americano), a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e a Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América), além da criminalização dos movimentos de emancipação econômica, social e política que se multiplicaram por toda a América Latina.
Para Porras, a Quarta Frota seria também uma resposta à decisão tomada pela Unasul em 2008 de formar o CDS (Conselho de Defesa Sul-Americano), "com o objetivo de se distanciar da estratégia de segurança do Pentágono e estabelecer os interesses próprios de segurança dos países da região".
Criminalização do protesto
É uma conjuntura que indica um aprofundamento da agressividade norte-americana. "Os EUA precisam ter mais controle militar sobre nossa região. O enfraquecimento econômico e político irá obrigá-los a intensificar a ação militar e voltar a olhar com maior intensidade para nosso continente. Poderíamos até mesmo sofrer uma Doutrina Monroe do século 21", disse o analista político nicaraguense Julio López Campos.
Diante desta situação, vários movimentos já se mobilizam para reagir ao que consideram um novo plano de dominação. "Depois do 11 de Setembro e do golpe de Estado em Honduras, as forças direitistas da região se reacomodaram. Devemos articular e fortalecer as diferentes forças sociais, mantendo nossa dinâmica de luta, nossa autonomia, sem perder as perspectivas e os objetivos que temos buscado, mas com a audácia de coordenar ações com os governos progressistas da região", disse Cáceres.
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Fonte: Opera Mundi