A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), realizada em Belém (PA), ficará marcada não apenas pelos debates formais, mas principalmente pelo que surgiu fora dos documentos oficiais. As principais vitórias do encontro não constam nos textos negociados, em grande parte porque não houve consenso entre os 195 países presentes. A resistência de alguns deles — especialmente a intensa pressão dos países árabes liderados pela Arábia Saudita — bloqueou avanços importantes e expôs a postura desses atores como verdadeiros inimigos do planeta. Ainda assim, apesar dos obstáculos, emergiram agendas e iniciativas estruturantes que sobreviverão à COP30 e moldarão o futuro do combate à crise climática: o Mapa do Caminho para o Fim dos Combustíveis Fósseis, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) e o avanço nas demarcações de terras indígenas no Brasil.
O Mapa do Caminho para o Fim dos Combustíveis Fósseis é hoje a principal articulação internacional no sentido de estabelecer um horizonte concreto para o abandono progressivo do petróleo, do gás e do carvão. A iniciativa nasceu do governo brasileiro, impulsionada pela ministra Marina Silva e pelo presidente Lula, e rapidamente conquistou adesão global: mais de 80 países já integram a coalizão. O plano prevê a construção de metas coordenadas, mecanismos de financiamento e estratégias de transição justa, voltadas especialmente aos países mais vulneráveis. O próximo passo ocorrerá em 28 e 29 de abril de 2026, em Santa Marta, na Colômbia, onde será realizada uma conferência internacional para consolidar o desenho definitivo do Mapa do Caminho e estabelecer compromissos vinculantes entre seus signatários.
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Outro marco da COP30 foi o anúncio do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), um instrumento inédito de financiamento internacional destinado a remunerar países tropicais por manterem suas florestas em pé. Trata-se de uma virada decisiva na lógica global de proteção ambiental, pois reconhece que preservar ecossistemas vitais exige recursos estáveis, de longo prazo e compatíveis com a magnitude do desafio. Durante a conferência, o fundo acumulou aproximadamente US$ 6,6 bilhões em aportes. Contribuíram: Brasil (US$ 1 bilhão), Alemanha (1 bilhão de euros, cerca de US$ 1,1 bilhão), Indonésia (US$ 1 bilhão), França (US$ 577 milhões), Noruega (US$ 3 bilhões) e Portugal (US$ 1 milhão). O TFFF se consolida, assim, como o maior experimento contemporâneo de valorização econômica da proteção florestal.
A COP30 também foi palco de um avanço histórico na agenda de direitos indígenas no Brasil. Durante o evento, o presidente Lula homologou a demarcação administrativa das terras Manoki, Uirapuru, Estação Parecis e Kaxuyana-Tunayana, situadas nos estados do Pará, Amazonas e Mato Grosso, totalizando cerca de 2,45 milhões de hectares. Com essas homologações, já são 20 os territórios reconhecidos desde 2023, evidenciando a retomada ativa da política indigenista no país. A conferência também registrou a maior participação indígena da história: mais de 3.000 representantes de inúmeros povos e nações compareceram, transformando Belém em um centro de diálogo intercultural e de afirmação de protagonismo na luta global contra a crise climática.

Indígenas Munduruku do Baixo Tapajós se reúnem com autoridades da COP30 e do governo brasileiro, no auditório do Tribunal de Justiça de Belém, 14/11/2025. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
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Todos esses elementos revelam que o legado mais poderoso da COP 30 nasce justamente fora do que foi formalmente produzido dentro dela. O encontro mostrou que, apesar da postura obstrucionista de alguns países — a ciência política define esse processo como obstrução climática —, existe uma ampla coalizão internacional decidida a enfrentar o aquecimento global com ambição e cooperação. As grandes conquistas – o Mapa do Caminho, o TFFF e o avanço nas demarcações – são frutos das conexões e negociações proporcionadas pela conferência, mesmo quando não resultam em acordos oficiais.
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A COP 30 evidencia a urgência de construir uma nova governança climática global, capaz de articular justiça socioambiental, financiamento e transição energética. Ao mesmo tempo, revela que o BRICS ainda está distante de constituir um bloco político coeso no âmbito ambiental, mostrando que os desafios do clima ultrapassam alianças geopolíticas tradicionais e exigem novos pactos planetários.
Theófilo Rodrigues é professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UCAM. É membro do Grupo de Pesquisa sobre Transformação Ecológica e Diversificação Energética da Fundação Maurício Grabois. Autor do livro “Capitalismo e sustentabilidade: empresa regenerativa e a sustentabilidade corporativa no século XXI” (Ed. Vozes, 2024).
Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial da FMG.
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