1 – Três fases nas relações Anglo-Americanas

Em linhas gerais, a história das relações anglo-americanas desde o começo da Segunda Guerra Mundial pode ser dividida em três fases perfeitamente definidas. A primeira abarca o período inicial da guerra — do ataque da Alemanha à Polônia até 22 de junho de 1941. Foi a época em que a Inglaterra dependia quase inteiramente dos Estados Unidos, especialmente após o colapso da França. Neste período a Inglaterra não dispunha nem de exército nem de armamentos. Faltavam-lhe alimentos e matéria prima estratégica. Sua indústria começava apenas a ser convertida em indústria de guerra. Mas os Estados Unidos já haviam declarado publicamente sua inteira simpatia pela Inglaterra na luta contra a Alemanha, e Roosevelt proclamara que os Estados Unidos eram o “arsenal da democracia”.

No verão de 1940 a Inglaterra recebia dos Estados Unidos uma grande quantidade de fuzis (faltavam-lhe até fuzis neste período), e logo em seguida 50 destróieres americanos em troca de bases nas possessões inglesas das ilhas Caribe e outros lugares. Recebeu também dos Estados Unidos motores, máquinas, matérias alimentícias e outros gêneros indispensáveis ao esforço de guerra. Por outro lado, a Inglaterra teve que desembolsar fundos para pagar tudo o que recebia dos Estados Unidos (a lei de empréstimos e arrendamentos não havia sido ainda aprovada). Em realidade, isto significava a transferência para os norte-americanos das inversões inglesas nos Estados Unidos.

Inquietos com esses fatos, muitos ingleses diziam então que se as coisas continuassem naquele pé a Inglaterra poderia encontrar-se no fim da guerra como que “anexada” aos Estados Unidos sob o ponto de vista econômico. Entretanto, a situação da Inglaterra após a derrota da França obrigou-a a orientar-se no sentido da poderosa república de além mar. Por sua vez, muitos americanos diziam francamente que após a guerra a Grã-Bretanha se tornaria a sentinela avançada na Europa de uma grande Federação Anglo-Saxônica, cujo centro estaria em Washington.

Com o ataque nazista à União Soviética, as relações anglo-americanas entraram no segundo período. A campanha de Hitler no Este não só desafogou a situação militar da Inglaterra como diminuiu substancialmente a sua dependência dos Estados Unidos. Ela passou a ter dois poderosos aliados, em vez de- um. De acordo com suas velhas tradições, ela começou a manobrar entre os dois.

Quando a 7 de dezembro de 1941 os Estados Unidos entraram também na guerra, a posição da Inglaterra melhorou ainda mais, e não somente do ponto de vista militar, porque o balanço de forças entre os Estados Unidos neutros e a Inglaterra beligerante era menos favorável à última que o balanço de forças entre os Estados Unidos beligerantes e a Inglaterra beligerante.

O resultado era que, na segunda fase da guerra, a Grã-Bretanha ficou em condições de reforçar consideravelmente sua posição internacional, uma vez que neste período seus recursos militares, industriais e econômicos se desenvolveram ao máximo. No final da guerra a posição inglesa nos Conselhos dos “Três Grandes” era inteiramente igual à União Soviética e à dos Estados Unidos, permitindo-lhe uma política exterior independente.

Com a derrota da Alemanha e do Japão iniciava-se a terceira fase das relações anglo-americanas. O mundo ia enfrentar os problemas característicos do após guerra. A Grã-Bretanha saía da guerra debilitada econômica e politicamente, mas não a ponto de afetar materialmente sua posição no cenário mundial. Seguindo uma justa linha de conduta ela teria mantido facilmente a posição internacional conquistada no segundo período da guerra e realizado de qualquer forma uma política exterior independente.

As coisas porém não sucederam assim. Ao terminar a guerra, a política exterior inglesa, apesar de um Governo trabalhista no Poder, orientou-se contra a União Soviética e a favor de um bloco anglo-saxão. E uma vez que os Estados Unidos eram uma potência superior à Inglaterra, sob os pontos de vista econômico e militar, esta última tinha que tornar-se, naturalmente, e no momento atual já se transformou de fato, no “parceiro menor” do bloco anglo-saxão. Mas, ao contrário do período 1939-1940, isto sucedeu, não porque ela não tivesse outra alternativa, e sim voluntariamente, através da posição reacionária que o Governo Trabalhista adotou nos negócios internacionais, seguindo a orientação preconizada por Churchill e seus amigos. A dependência britânica aos Estados Unidos foi mais claramente revelada no recente acordo financeiro anglo-americano, no qual coube à Inglaterra a pior parte, assim como durante as negociações diplomáticas do após guerra, cujos pormenores estão ainda frescos na memória de todos.

Qual a verdadeira finalidade do bloco anglo-americano? Os indivíduos do tipo de Churchill e seus amigos na Inglaterra e nos Estados Unidos são bastante francos sobre este particular. Fundamentalmente, estabelecer a “liderança” das potências anglo-saxônicas no mundo de após guerra, ou, em outras palavras, trata-se de um plano, levado adiante por influentes círculos monopolistas, no sentido de estabelecerem conjuntamente a hegemonia mundial.

Os fatos demonstram que este plano já ultrapassou a fase preparatória. Cada vez mais toma o aspecto de uma política definida. Não é necessário dizer que esta política, fazendo alarde de um modelo de luta anti-comunista, é fundamentalmente prejudicial à independência e soberania de todas as nações, grandes e pequenas, que não querem aceitar a posição de domínio ou cliente do bloco anglo-saxão. Os planos de dominação mundial por uma potência ou grupe de potências sempre foram reacionários e utópicos, e isto é hoje mais certo do que nunca, quando o mundo sofreu transformações radicais, em conseqüência da Segunda Guerra Mundial. Não só aumentou enormemente o sentimento das nações independentes no que diz respeito à sua ânsia de liberdade e independência, como se desenvolveu consideravelmente entre os povos dos países coloniais e semi-coloniais o desejo de se libertarem urgentemente, assegurando-se pelo menos as condições elementares de uma existência independente.

Os propugnadores ingleses do bloco anglo-saxão alegam que, nas condições atuais, o Império Britânico não é suficientemente forte para realizar sozinho a luta pela hegemonia mundial. Estão prontos a satisfazer-se com o papel de parceiro menor e a atrelar o seu país ao carro do imperialismo americano.

Este é um dos aspectos das relações entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, o aspecto que acentua os fatores, ligando os dois países, e que foi, por várias vezes discutido na imprensa .

Há, porém, outro aspecto, no qual são revelados os fatores de colisão entre as duas potências anglo-saxônicas. Até hoje este aspecto tem permanecido, em grande parte, oculto. Entretanto, em virtude de certos acontecimentos recentemente verificados, como as eleições norte-americanas de 5 de novembro e a “revolta” de parte considerável de parlamentares trabalhistas a 18 de novembro de 1946, é perfeitamente justo prestar atenção a este aspecto do problema.

2 — Contradições Econômicas Entre os Estados Unidos e a Grã-Bretanha

A partir da metade do século XIX, a Grã-Bretanha passou a ter uma balança comercial desfavorável: ela importa mais do que exporta. Tendo-se tornado a “oficina do mundo”, a Inglaterra negligenciou a sua agricultura. As altas camadas sociais inglesas acharam mais proveitoso importar matérias; primas e alimentos de outros países, pagando-lhes com os produtos industriais britânicos.

Entretanto, a balança comercial desfavorável era mais do que compensada com exportações invisíveis, isto é, com as receitas provenientes das inversões no estrangeiro, com os lucros das companhias de navegação obtidos através dos gastos de transporte e carga de outros países, e com as comissões ganhas no comércio internacional e nas transações financeiras. O resultado foi que, antes da Primeira Guerra Mundial, a Grã-Bretanha tinha sempre saldo na balança comercial. Em 1913, por exemplo, ele atingia a soma de 181.000.000 de libras esterlinas.

Após a Primeira Guerra Mundial, a posição econômica da Inglaterra começou a piorar, refletindo imediatamente em sua balança de pagamentos. Na década de 20 ela ainda tentou (embora com crescentes dificuldades) evitar o “déficit”, mas na década de 30 após a crise de 1929, as coisas foram rapidamente de mal a pior.

Basta dizer que nos 5 anos anteriores à guerra (1934-38) a balança de pagamentos da Inglaterra acusou em média um “déficit” anual de 19 milhões de libras.

A Segunda Guerra Mundial agravou mais a situação. Por um lado, o “déficit” comercial tem aumentado, em vez de diminuir, após a guerra; por outro lado, as exportações invisíveis têm sofrido um sensível declínio.

As maiores receitas das exportações invisíveis provêm das inversões no exterior e dos lucros relacionados com a navegação marítima. Nos anos de 1934-38, a média anual das exportações invisíveis alcançava a soma de 328.000.000 de libras, das quais 192.000.000 representavam receita de inversões e 92.000.000 provinham de transportes marítimos. Mas, durante a guerra, a Grã-Bretanha absorveu aproximadamente a metade de suas inversões no exterior. Estas agora excedem de pouco a 2.000.000.000 de libras, enquanto atingiam a 4 bilhões em1938. Em outras palavras, sua receita desta fonte deve reduzir-se mais ou menos à metade. Com referência aos lucros obtidos com a navegação marítima, têm sofrido grande redução desde o começo da Segunda Guerra Mundial.

Eis algumas cifras significativas. Em 1939, das 62.000.000 de toneladas de navios mercantes dos países capitalistas (navios de 1.000 toneladas para cima), a Inglaterra possuía 17.000.000 de toneladas (27%), os Estados Unidos 11.000.000 (38%), e o resto do mundo as outras 34.000.000. Em 1945, num total mundial de mais de 72.000.000 de toneladas, a Grã-Bretanha possuía 11.000.000 (15%), os Estados Unidos 43.000.000 (mais ou menos 60 %) e as outras nações as restantes 18.000.000. Isto significa que agora a Inglaterra tem um sério competidor na navegação marítima — os EEUU. — e, em conseqüência, os lucros provenientes de sua Marinha Mercante irão diminuir sensivelmente. A Grã-Bretanha do após guerra enfrenta o problema de um crescente débito na balança de pagamentos. Se o “déficit” não for liquidado, a Inglaterra passará à situação de devedora permanente. E se levamos em consideração o grande papel que o comércio exterior desempenha na economia nacional inglesa, essa circunstância terá que afetar a completa vida econômica da Inglaterra especialmente a estabilidade de sua moeda.

Mas como pode ser eliminado o “déficit” na balança de pagamentos?

A Inglaterra de hoje tem um único caminho a seguir: reduzir substancialmente as suas importações, aumentando na mesma proporção as suas exportações, ou em outras palavras, reduzir o seu “‘déficit” na balança comercial de tal forma que suas exportações invisíveis, seriamente reduzidas como estão após a Guerra sejam suficientes para cobri-lo.

Como podem ser diminuídas as importações? Unicamente importando menos matérias alimentícias e produtos manufaturados que antes da guerra (1938) constituíam mais de 70% das importações totais da Grã-Bretanha. Economia à custa da importação de matérias primas é algo dificilmente realizável, em virtude de que estas são indispensáveis à manufatura de produtos para a exportação, tão necessários agora à Grã-Bretanha. Como podem ser aumentadas as exportações? Unicamente exportando maiores quantidades de produtos manufaturados, que antes da guerra (1938) constituíam aproximadamente 77 % das exportações totais da Inglaterra.

Esta, a condição primária — condição de caráter interno — para que a balança de pagamentos da Inglaterra seja posta em dia. Há porém outra condição não menos importante, condição de caráter externo. Para exportar, a Inglaterra necessita de mercados importantes. Os economistas ingleses calculam que para transformar em sentido positivo a deficitária balança de pagamentos da Inglaterra, as exportações britânicas devem aumentar de 50 % em 1947 e de 75% em 1948, em comparação com 1938. A julgar pelas informações publicadas na imprensa — no Economist, de Londres, de 3 de agosto de 1946, por exemplo —, as exportações em meados do último ano já excediam em algo o volume de antes da guerra, o que é um bom indício de seu posterior desenvolvimento. É perfeitamente provável que no transcurso dos próximos dois anos a Inglaterra esteja em condições de corresponder ás previsões dos economistas, tanto mais quanto durante a guerra suas facilidades de produção aumentaram de 25 a 30 %. Mas, para isto ela deve ter mercados. Podem estes ser encontrados? Esta pergunta, leva-nos a um dos fatores primordiais nas relações econômicas anglo-americanas. Quais eram os mercados de exportação da Grã-Bretanha antes da guerra?

Em 1938, exatamente a metade das exportações inglesas foi destinada aos países do Império Britânico, e 33% a países europeus. O continente americano absorveu unicamente 12% e os países da Ásia pouco mais de 3%. Portanto, os mercados mais importantes da Grã-Bretanha antes da guerra eram os de seu império e os da Europa.

E agora? Sua posição é a mesma, com uma única diferença: o mercado colonial é hoje muito mais importante que em 1938, uma vez que sofreu relativamente pouco em conseqüência da guerra, enquanto países da Europa empobreceram extraordinariamente.

É evidente, portanto, que para melhorar sua balança depagamentos a Inglaterra terá que lutar tenazmente a fim de reter seus velhos mercados e adquirir novos.

Mas, a premência de mercados para os Estados Unidos não é menos aguda. Durante a guerra sua capacidade de produção aumentou aproximadamente duas vezes e meia. O retorno ao nível de produção anterior à guerra daria como resultado uma crise econômica, acompanhada de desemprego em massa durante um longo período.

Quais eram os mercados de exportação dos Estados Unidos antes da guerra?

Em 1938, 43% das exportações americanas eram destinadas à Europa, 34% aos países da América do Norte e do Sul 19% à Ásia e à Oceania, e 3% à África. Portanto, os mercados mais importantes dos Estados Unidos eram a Europa e o continente americano.

E agora? Pelo menos, o continente americano é um mercado mais importante que antes da guerra, para os Estados Unidos. Em conseqüência da guerra, a importância da Europa diminuiu, grandemente, embora os Estados Unidos venham ultimamente desenvolvendo não poucos esforços no sentido de recobrar, para depois melhorar, sua antiga posição na Europa.

Entretanto, os homens de negócios dos Estados Unidos estão agindo com maior energia no sentido de obter novos mercados para os seus produtos industriais, voltando-se particularmente para a China e o Império Britânico.

Na China já colocaram a Inglaterra em segundo lugar. Em relação ao Império Britânico, estão preparando um ataque decisivo. O Acordo Financeiro Anglo-Americano de 1945 contém uma cláusula que prevê, se não a completa abolição, pelo menos uma redução substancial das tarifas preferenciais existentes nos países do Império, que até hoje têm permitido Grã-Bretanha colocar nos mesmos 50% de suas exportações.

Mas a abolição ou mesmo uma grande redução das tarifas preferenciais trariam como resultado uma séria diminuição do mercado colonial para os produtos da indústria inglesa. Exatamente neste sentido é que os Estados Unidos estão agindo, naturalmente sob o “slogan” altissonante de “iguais oportunidades”, cuja importância real é agora clara para todo mundo. Este problema será levantado pela Grã-Bretanha em toda sua profundidade na Conferência de Comércio Internacional em preparo.

Que se deduz de tudo isto?

Que entre a Inglaterra e os Estados Unidos existem sérias contradições econômicas, das quais as mais importantes são as seguintes:

– Luta por mercados especialmente na Europa e no Império, e

– Rivalidade nos mares, como transportadores de mercadorias.

3 — Contradições Militares e Políticas Anglo-Americanas

As contradições entre a Inglaterra e os Estados Unidos não se limitam unicamente ao aspecto militar e político.

A mais importante delas, naturalmente, relaciona-se com as questões navais. A Inglaterra, como sabemos, é extremamente sensível aos assuntos concernentes aos armamentos navais. Isto não nos deve surpreender porque o seu vasto império espalhado por todas as partes do globo, poderia unicamente ser criado e mantido graças ao indiscutível domínio dos mares pela Inglaterra.

Até 1914, o princípio fundamental da estratégia britânica era dispor permanentemente de uma Armada, igual em potência à de duas outras nações quaisquer combinadas. Este princípio era não só proclamado como posto em prática.

A guerra 1914-18 mudou radicalmente a situação, e na Conferência de Washington de 1922, a Inglaterra era obrigada a concordar em princípio com a igualdade de potência naval em relação aos Estados Unidos. Isto significou um sério golpe à Inglaterra, embora no período entre as duas guerras mundiais os Estados Unidos nunca tivessem, uma potência naval igual à da Grã-Bretanha. É fácil de compreender qual será a atitude da Inglaterra quando a Armada norte-americana é agora duas vezes mais forte do que a inglesa. Em última análise, o problema da potência naval relaciona-se diretamente com o futuro do Império Britânico.

A situação é idêntica em relação à força aérea. É difícil exprimir com dados exatos a força aérea de uma nação, mas não há a menor dúvida de que a força aérea norte-americana é várias vezes mais poderosa do que a britânica, e que a capacidade de produção de aviões dos Estados Unidos é também muito superior à da Inglaterra. Em virtude da importância cada vez maior das comunicações aéreas para as necessidades militares e civis, esta contradição entre as duas nações, já bastante séria, tenderá a agravar-se com o tempo. Não aos admiremos portanto de que os acordos de após guerra entre a Inglaterra e os Estados Unidos sobre as comunicações aéreas tenham sido obtidos com tanta dificuldade, dando-nos, além disso, a impressão de que não durarão muito.

Há ainda outro elemento de fricção entre a Inglaterra e os Estados Unidos. Referimo-nos ao problema das bases-militares navais e aéreas. A Inglaterra possui centenas de tais bases, em todas as suas possessões, ou em outras palavras, praticamente em cada canto do mundo. Mas, ao lado disto, uma vasta rede mundial de bases americanas vem sendo estabelecida e continuamente ampliada, e não raras vezes de maneira paralela ou interceptando a inglesa. O fato de que a Inglaterra nada possa fazer para evitar semelhante coisa não torna os ingleses mais felizes…

Tão pouco está a Inglaterra em melhor posição no que diz respeito à bomba atômica. Desde que é mais do que provável continue um segredo para a Inglaterra a fabricação da bomba atômica, é fácil compreender o perigo potencial que isto significa para as relações anglo-americanas.

Outra zona perigosa é o problema das colônias e fontes das matérias primas. A Inglaterra é hoje a maior potência colonial do mundo; possui um rico império com uma população de 530.000.000 de habitantes. Os Estados Unidos, que estão agora num período de vigorosa expansão, encontram-se de pé contra os postos fronteiriços deste império em diversas partes dia mundo. Até hoje essa circunstância não conduziu a nenhum conflito sério, mas há por acaso alguma garantia em relação ao futuro?

Se acrescentarmos a tudo isto a constante, — umas vezes aberta, outras camufladas — luta entre a Inglaterra e os Estados Unidos pela influência política na América Latina, Europa, o Próximo Oriente, a Índia, a Malaia, Japão e muitos outros lugares, o quadro das contradições políticas e militares entre as duas potências torna-se ainda mais claro e definido.

4 — Começo de Uma Nova Fase?

Deduz-se do exposto anteriormente que há fatores deligação e colisão no complexo quadro das relações anglo-americanas. Até hoje — desde o fim da guerra — os primeiros têm prevalecido, por duas razões importantes. A primeira consiste nas tradições do período de guerra, quando, na luta contra o inimigo comum, a Inglaterra e os Estados Unidos fizeram o possível para reconciliar suas respectivas posições nos problemas importantes.

A segunda é a luta conjunta desencadeada, logo que terminou a guerra, pelos elementos reacionários de ambos os países para o estabelecimento da hegemonia mundial anglo-americana dirigida contra as forças democráticas do mundo inteiro. A manifestação mais clara a este respeito foi o discurso de Churchill em Fulton, nos Estados Unidos.

Foi em semelhante situação que o Governo Trabalhista inglês atrelou a Inglaterra ao carro dos Estados Unidos, indo bastante longe na criação de um bloco anglo-saxão, como o demonstram, por exemplo, as negociações para a estandardização dos armamentos dos dois países.

Entretanto, ultimamente, têm surgido manifestações de outra tendência, fruto dos interesses contraditórios entre a Grã-Bretanha e os Estados Unidos. Porque as contradições entre os dois países têm sido apenas recalcadas, mas não eliminadas. E à proporção que o período da guerra vai ficando cada vez mais longe no passado, que a futilidade da gritaria histérica contra a União Soviética se torna mais evidente, que a resistência das forças da democracia aos planos anglo-americanos de hegemonia mundial resulta mais efetiva, mais nítidas se tornam as diferenças entre os interesses das duas potências.

Os sintomas mais evidentes que esclarecem esta afirmação foram como mencionamos, as recentes eleições norte-americanas e a “revolta” dos parlamentares trabalhistas na Câmara dos Comuns.

As eleições de 5 de novembro resultaram numa clara vitória para os Republicanos, que passarão a controlar o Senado e a Câmara dos Estados Unidos. Há muitos indícios para crer que as eleições presidenciais de novembro de 1948 seguirão o mesmo caminho.

Mas a política do Partido Republicano colocou sempre os interesses egoístas dos Estados Unidos em franca oposição aos interesses de todos os outros países, inclusive a Grã-Bretanha. Não há motivo para duvidar de que a crise econômica, que aparentemente não está muito distante, agravará esta linha da política americana. A crise terá também efeito semelhante na Inglaterra.

Não menos sintomática, do ponto de vista que nos interessa aqui, foi a recente “revolta” de mais ou menos uma terça parte da representação trabalhista no Parlamento, que criticou a política exterior, de seu próprio Governo durante os debates sobre o Discurso do Rei.

Em realidade, tal crítica não é nova: foi ouvida antes várias vezes no recinto da Câmara dos Comuns. Mas, até então, a política exterior de Bevin era atacada unicamente pelos representantes da ala esquerda do Partido Trabalhista (Ziliacus, Driberg e outros), e seu principal argumento era a necessidade de uma íntima colaboração entre a Inglaterra e a União Soviética.

Desta vez, os oposicionistas do Governo incluíam outros elementos que não os esquerdistas. Uma vigorosa crítica foi feita por representantes de outros grupos, inclusive da Direita, do Partido Trabalhista, entre eles gente que não tem a menor simpatia pela União Soviética (Crossman, Michael Foot e outros). E o argumento principal apresentado pelo líder dos “rebeldes”, Crossman, apoiado por muitos outros, foi a necessidade de emancipar a Inglaterra da tutelagem norte-americana e de restaurar a independência da Inglaterra em sua política exterior.

Num comício, realizado em Londres a 22 de novembro de 1948, Crossman definiu da seguinte maneira a posição dos “rebeldes” :

“Não podemos admitir a interpretação americana do “livre comércio”, que permite aos Estados Unidos exportar seu desemprego, dominar os mercados mundiais em detrimento de outros países, e usar os empréstimos como meio de pressão política. Seremos fracos se nos colocarmos ao lado dos Estados Unidos ou da Rússia. Seremos fortes se permanecermos independentes e cooperarmos com ambos”.

Estas palavras são significativas. Crossman, como vemos, não pede amizade com a União Soviética. Evidentemente, favorece a tradicional política britânica de não pregar prego sem estopa. Mas, uma coisa é perfeitamente clara para ele; que a Inglaterra deve ser desatrelada o quanto antes do carro americano.

Outro “rebelde”, Michael Foot que muitas vezes atacou a União Soviética em todos os terrenos, especialmente em relação ao assunto do Irã, expressou-se de maneira semelhante. Publicou um artigo no Tribune, no qual declarou que uma condição indispensável para o êxito em todos os objetivos da política exterior era que a Inglaterra agisse como potência independente.

“Que benefício teremos em ganhar um mundo em White-Hall se o perdemos logo na Casa Branca ou em Wall Street?” perguntou Michael Foot.

Naturalmente, não se devem tirar conclusões demasiado apressadas desta “‘revolta” parlamentar de um grande setor da bancada do Partido Trabalhista na Câmara dos Comuns. Mas, é de certo um sintoma do crescente alarme das massas em relação à política exterior de Atlee e Bevin. As amplas massas estão começando a compreender cada vez mais claramente que o problema fundamental para a Grã-Bretanha hoje é determinar se ela permanece independente nos negócios internacionais ou se setransforma na sentinela avançada européia do imperialismo norte-americano.

Cresce no país o sentimento contra a última alternativa e este é o motivo, a origem da “revolta” da bancada do Partido Trabalhista. Até hoje o Governo tem demonstrado, com sua política, que põe a luta contra as forças democráticas da Europa acima dos interesses vitais do país, e acima mesmo de uma política independente. Não é sem razão que se aponta cada dia com mais insistência na imprensa estrangeira o fato de que o atual Governo Trabalhista está repetindo com todas os detalhes os erros fatais dos Gabinetes Conservadores que governaram a Inglaterra na década de 30. O futuro dará o resultado do conflito entre a atitude das massas e a política dos círculos dirigentes ingleses.

De qualquer forma, se queremos ter uma paz democrática, é essencial retornar à prática do tempo de guerra, de cooperação amiga entre as Grandes Potências, baseada no princípio da igualdade e excluindo a política de blocos antagônicos.