Com ares de grande teórico e crítico do marxismo, Nelson Levy escreveu e prefaciou A Crise do Imperialismo e a Revolução, por ele qualificado de ensaio em busca de “resgatar a polêmica como modo de produção (!) científico no calor do debate político-ideológico”. Seu livro não faz mais do que vulgarizar problemas, em geral bastante discutidos e aclarados, embora apresente algumas variações ou comprovações no terreno econômico e financeiro, fugindo à reputação política da teoria dos três mundos e omitindo, no aspecto ideológico, a base fundamental de onde se originou tal teoria, já amplamente definida no período em que formulou suas conclusões.
Na Introdução, o autor revela-se de corpo inteiro como partidário das correntes hostis ao marxismo-leninismo, sob a capa de refutação ao dogmatismo, abraçando pontos de vista dos intelectuais pequeno-burgueses (e burgueses), carentes de perspectiva face ao tumultuado processo da luta de classes, em constante agravamento, sobretudo a partir da metade da década de 1950. Nesse sentido, aproxima-se das idéias dos “marxistas renovadores” do tipo de Garaudy, Lukács e outros.
Ele vai bem longe no ataque ao marxismo, estendendo-o até os anos 1930 e mesmo ao decênio de 1920, após a morte de Lênin. Mas se perde em generalidades expostas numa linguagem empolada e vazia, de fundo liberal burguês. O marxismo, ciência da emancipação do proletariado, baseia-se numa concepção classista do mundo. Não pode ser interpretado à luz do liberalismo que, por si mesmo, é uma idealização da realidade focada sob o prisma dos interesses da burguesia, antes de sua passagem ao sistema monopolista.
 
ÊNFASE NO DOGMATISMO
Nelson Levy, na Introdução do livro, inicia sua cantilena de pretenso restaurador do marxismo, dando ênfase ao dogmatismo, que se teria incrustado no movimento operário e o conduzido, assim como o marxismo, a deformações profundas. “O dogmatismo – assevera – provocou toda uma gama de distorções que atrofiaram o conteúdo científico e revolucionário do marxismo”. Ao fazer semelhante acusação, nem é original nem diz nada de novo. Toma em suas mãos a bandeira desfraldada pelos revisionistas, velhos e novos, e pela propaganda burguesa muito bem montada e melhor acionada. Todas as variantes do revisionismo contemporâneo, de Browder a Mao Tsetung, passando por Tito, Kruschev, Togliatti e companhia, bateram sem cessar na mesma desgastada tecla do dogmatismo que, supostamente, entravara o desenvolvimento “criador” da doutrina da classe operária. Nenhum deles criou nada de notável. Ao contrário, defenderam fórmulas reacionárias de diversos matizes, dirigidas a entorpecer a consciência das massas e a adiar, por mais tempo, a vida senil do capitalismo.
Embora dizendo-se dialético, Levy cai no subjetivismo mais vulgar. Não se apóia na realidade. Se o dogmatismo, segundo seu juízo, predominou no movimento operário, deformando o marxismo por tão longo período, como explicar a construção do socialismo na União Soviética até a metade da década de 1950 e o poderoso desenvolvimento dos partidos proletários nesse mesmo período? Ou essa construção e esse progresso partidário fizeram-se à margem do marxismo, inspirados no dogmatismo? Os fatos são evidentes e falam por si mesmos. A construção do socialismo e a força acrescida dos partidos da classe operária deveram-se fundamentalmente à orientação revolucionária, marxista-leninista, na qual se apoiaram. Do mesmo modo que o fracasso do socialismo na URSS, a que hoje assistimos, e a decomposição daqueles partidos resultaram das teorias “antidogmáticas”, revisionistas, postas em prática pelos deturpadores da doutrina do proletariado.
Não se nega a possibilidade do surgimento do dogmatismo em certos aspectos do movimento operário, nem a necessidade de combatê-lo. Lênin e Stalin, durante toda a sua vida, atacaram-no decididamente. Também os marxistas-leninistas do nosso tempo sempre se opuseram ao dogmatismo, que entrava o movimento revolucionário, e procuraram (e continuam procurando) identificar os fenômenos novos que surgem na vida da sociedade, interpretando-os corretamente, tendo o marxismo-leninismo como método de análise e guia para a ação. Porque o dogmatismo é característico de sistemas teóricos ultrapassados, enquanto o marxismo, crítico e revolucionário em essência, representa um conjunto de idéias transformadoras, condizentes com o progresso social e o futuro da Humanidade. Todavia, há enorme diferença entre o combate ao dogmatismo que realizaram Lênin e Stalin, e realizam os marxistas-leninistas da atualidade – combate estreitamente ligado à superação de tudo que obstaculiza a revolução – e a investida “antidogmática” feita pelos portadores de tendências burguesas, os revisionistas e os “críticos” do marxismo, tentando disseminar a confusão ideológica e subverter a doutrina revolucionária da classe operária.
Será verdade, como diz Levy, que “o crescente e já longo processo de dogmatização do marxismo obstruiu seriamente a sua evolução enquanto ciência?” Ou que “a concepção do marxismo como sistema fechado, esgotado pelos clássicos, reservou a cada nova geração de teóricos unicamente a função de meros propagandistas, quando não de vulgarizadores?” Ainda aqui, o autor cai no subjetivismo e na acusação sem fundamento, na repetição do que dizem e divulgam os adversários da revolução proletária. Não houve, acaso, desenvolvimento do marxismo nestas últimas décadas? A prática, que é o critério supremo da verdade, rechaça essa afirmação. Sem falar na época em que viveu Stalin, quando o marxismo-leninismo enriqueceu-se, com novas teses e conclusões, inúmeros são os problemas complexos da teoria e da prática da revolução já formulados e resolvidos. Durante e após a Segunda Guerra elaboraram-se questões importantes como, por exemplo, a criação de amplas frentes populares antifascistas e de libertação nacional; a estreita vinculação da luta de libertação nacional com a luta pela emancipação social; a democracia popular como nova forma de Estado; a relação entre a democracia popular, sob a direção da classe operária como órgão de poder da primeira etapa da revolução e sua passagem à etapa da ditadura do proletariado; a transição ao socialismo de países atrasados como a Albânia e outros. No âmbito internacional, também se elaboraram e concretizaram, em concordância com as novas condições, questões que têm a ver com o caráter de nossa época e de suas contradições principais, tais como a definição da estratégia atual do movimento operário. Além disto, outros grandes problemas da revolução e do socialismo se efetivaram mais ainda no processo da luta contra o revisionismo e a degenerescência burguesa: a correlação entre os fatores objetivos e subjetivos na dinâmica revolucionária; a questão das classes e da luta de classes no socialismo; a relação entre a ditadura do proletariado e a democracia socialista; o aperfeiçoamento, por via revolucionária, das relações socialistas de produção; a prevenção do aparecimento de camadas privilegiadas nos países socialistas, etc.
São muitos os problemas elaborados ou em vias de elaboração. Não é obra de simples vulgarizadores, mas de pensadores e homens de ação, representam um avanço do marxismo-leninismo. Justamente esses homens, apoiados no movimento vivo e combativo do proletariado, desmascararam o revisionismo, desmistificaram os pretensos marxistas-leninistas “criadores” e empenharam-se na reestruturação exitosa do movimento operário e comunista mundial. É sabido que muitas outras questões demandam o devido tratamento teórico e prático. Acabarão também resolvidas. Nunca, porém, pelos renegados e adversários do marxismo ou através de polêmicas estéreis, acadêmicas, com eles.
O marxismo-leninismo se enriquece, passo a passo, generalizando a prática social. Nelson Levy desconhece as contribuições novas que ampliam o patrimônio científico da doutrina da classe operária, ou as considera de somenos valor, porque não está interessado na defesa dessa doutrina, nega suas verdades e seus êxitos. A essência de sua crítica “antidogmática” consiste na tentativa de revisão do marxismo, tarefa inglória que celebrizou os trânsfugas da evolução e do socialismo.
 
O MARXISMO-LENINISMO CIÊNCIA DA CLASSE OPERÁRIA
A interpretação do marxismo é assunto rigorosamente de classe, como também o seu desenvolvimento. Lênin, evidenciando as distorções burguesas do marxismo na época da II Internacional, ressaltava o real conteúdo da ciência de Marx e Engels, o seu caráter proletário revolucionário. Com esse objetivo, levantou-se contra as teses de antigos marxistas como Plekanov e Kautsky que puxavam para trás, e destacavam do marxismo, unicamente aquilo que podia ser aceito pela burguesia. Nelson Levy também puxa para trás; seu referencial crítico são pessoas que nunca assimilaram o marxismo ou o abandonaram faz tempo. Enquanto despreza a contribuição revolucionária dos autênticos marxistas, Levy exalta os deturpadores do marxismo e lamenta que os adeptos da revolução proletária não tenham mostrado maior interesse pelas “obras” das diversas correntes do pensamento burguês e pequeno-burguês. “A grande maioria das tentativas de novas contribuições à luz do marxismo (!) – diz ele – passaram a ser encaradas aprioristicamente como manifestações revisionistas”. Que contribuições? Ele considera experiência válida de “criação científica” as obras de Lukács, o “marxista” que fez rasgados elogios a Kruschev, batia palmas entusiásticas ao “conjunto grandioso e múltiplo de reformas” (Carta sobre o Stalinismo) do XXII Congresso (kruschevista) do PCUS, que escreveu Problemas da Coexistência Cultural e que era membro destacado do partido revisionista da Hungria. Nelson Levy destaca, ainda, como “as mais crescentes tematizações no terreno das ciências sociais”, a economia política burguesa keynesiana e pós-keynesiana, a sociologia burguesa alemã e norte-americana que, segundo ele, não teriam sido dissecadas sob ótica marxista. Embora reconheça que o assunto foi debatido, alega que a remissão aos clássicos em tais casos seria dogmatismo. Deplora também o afastamento de Henri Lefevre da direção de uma Historia da Filosofia organizada, no passado, pelos soviéticos. Bem conhecidas, no entanto, são as proposições antimarxistas de Lefevre, apologista do revisionismo. “Teóricos” e “teorias” desse tipo existem aos montes, muitos dos quais acionados diretamente pelos monopólios. É para eles que nos devemos voltar?
Tais elementos, da mesma maneira que Nelson Levy, falam do marxismo como “sistema fechado”, petrificado. Todos exigem que esse sistema esteja aberto ao dialogo com quaisquer espécies de correntes e pontos de vista políticos, que absorva tudo que houver de bom das correntes burguesas e pequeno-burguesas, que se aglutine com elas. Querem incorporar ecleticamente ao marxismo o que lhes parece aceitável de doutrinas ou idéias sociais antagônicas. Afastam-se, assim, do princípio de espírito de partido na ideologia e nas ciências sociais, indiscutivelmente entrelaçadas com os interesses de classe. A acusação não é nova. Já no início do século, V. I. Lênin escrevia, referindo-se a essa gente: “Dogmatismo, doutrinarismo, fossilização do partido, castigo inevitável pela opressão violenta do pensamento – estes são os inimigos contra os quais arremetem os campeões da ‘liberdade de crítica’, os oportunistas”. E definia com clareza e acuidade os fins perseguidos pelos representantes dessa tendência. Dizia ele: “Todo aquele que não feche deliberadamente os olhos tem de ver forçosamente que a nova tendência ‘crítica’, surgida no seio do socialismo, não é senão uma nova variedade do oportunismo. E se não julgamos os homens pelo brilho do uniforme que envergam, nem pelo sobrenome pomposo que a si mesmos se dão, senão pelos atos e tipos de propaganda que levam à prática, veremos claramente que a ‘liberdade de crítica’ é a liberdade da tendência oportunista no seio da social-democracia (do partido comunista), a liberdade de fazer da social-democracia um partido democrata de reformas, a liberdade de introduzir no socialismo idéias burguesas e elementos burgueses” (Que Fazer?, p. 362, edição espanhola).
Tentando fazer mais persuasivas suas opiniões antimarxistas, Nelson Levy menciona certas posições errôneas de alguns filósofos e cientistas soviéticos de outrora, que consideravam a cibernética como ciência burguesa falsa, absolutizavam as investigações de Pavlov e sustentavam conceitos errados de Lissenko. Isto, porém, não justifica uma atitude acrítica no que respeita à ideologia e às ciências sociais, como a sociologia, a economia, a política e a filosofia burguesas, ou que se procure “enriquecer” o marxismo com as idéias supostamente novas de correntes não-marxistas. Seria cair no completo alheamento das posições proletárias, do partidismo proletário.
Em relação com isto, Levy sustenta a opinião de que as restrições (cabíveis) na atividade científica e estética teriam conduzido a “um progressivo abandono das fileiras partidárias pelos setores intelectuais”. Deixa claro, assim, que esses intelectuais saíram do partido porque não se lhes deixou fazer o que bem entendessem. Aqui, o partidismo desaparece de todo. E afloram as concepções liberal-burguesas de Mao Tsetung: que floresçam cem flores, que se desenvolva a competição entre cem escolas… A experiência ensina que os intelectuais que não conseguiram assimilar o marxismo, o estilo e o método proletário na luta de classes tendem a largar as amarras que os prendiam à organização de vanguarda. E com isto, o Partido não se enfraquece.
Daí para chegar à concepção intelectualista burguesa, bem conhecida, que considera a intelectualidade em geral como a portadora do pensamento teórico científico, foi apenas um passo. Ele não só lastima a saída de tais intelectuais (companheiros de viagem) do Partido, como trata de justificar por uma pretensa falta de condições para o seu entrosamento partidário, o posicionamento de classe, não proletário, de tais elementos. “As dúvidas, as críticas – diz ele – ficavam embutidas por anos a fio. E quando explodiam, já explodiam, na maioria dos casos, à margem do marxismo (…) ou já mescladas a outras correntes de pensamento”. Não seria mais justo dizer que a deserção do campo marxista tinha suas raízes justamente numa posição fictícia de classe? Quando se tratam de marxistas de concepção proletária, as explosões que possam ocorrer (e ocorreram quando os partidos operários se transformaram em revisionistas) não levaram a outras correntes de pensamento, nem se embrulharam “no invólucro do ceticismo”. Continuaram a tradição marxista. A verdade é que há intelectuais proletários ou intimamente ligados à classe operária, com uma visão revolucionária do mundo, e intelectuais burgueses e pequeno-burgueses que se arvoram, em toda parte e no curso da história, em seres excepcionais aos quais caberia fazer a lei no Partido, no Estado e na sociedade. Persistir no terreno marxista, ou abandoná-lo, não é questão de condições particulares ao entrosamento de quem quer que seja, mas de concepções de classe.
 
INTELECTUALISMO BURGUÊS
Agarrado ao intelectualismo burguês, Nelson Levy julga ter havido um entorpecimento de “contingentes inteiros de comunistas” devido a uma suposta intoxicação “pela certeza grandiloquente e triunfalista”, e assinala ser a dúvida o principal estímulo ao progresso do conhecimento. Ele se filia a uma corrente (ou a um grupo) antimarxista que resolveu pôr tudo em dúvida, erigir a dúvida no instrumento fundamental de impulsionamento do raciocínio. Em última instância, não há para ele verdades concretas, nem o “ponto de vista da vida, da prática, deve ser o ponto de vista primeiro, fundamental, da teoria, do conhecimento” (Lênin, Materialismo e Empirocriticismo). Se tudo está posto em dúvida, nada é verdade. O reconhecimento de vitórias alcançadas (e nunca se alcança uma vitória sem falhas e deficiências secundárias), ou a certeza científica, apoiada em leis objetivas de que tal orientação ou diretiva corresponde a determinada realidade e está fadada a obter sucesso, é por essa gente considerada mero triunfalismo. A linha partidária, a atividade partidária e a própria organização partidária estariam sempre condicionadas por uma interrogação: “Serão justas? Não serão? Tenho dúvidas”. É o mesmo estribilho dos céticos que duvidam de tudo. Certamente, existe a dúvida científica que se baseia no estudo concreto de um determinado fenômeno ainda falto de comprovação. Mas o que encoraja a razão humana a conhecer o mundo não é propriamente a dúvida, mas a indagação, a observação dos fenômenos, a experimentação, e sobretudo a possibilidade, revelada pelo materialismo dialético, de penetrar na essência das coisas, de descobrir as leis objetivas da natureza e da sociedade. Estribado na dúvida, na incerteza, levar-se-iam as forças revolucionárias à hesitação no cumprimento de suas tarefas. E, ao invés de um Partido coeso e atuante, teríamos uma legião de questionadores, perguntando a cada momento se estariam ou não no caminho certo.
Levy enfoca a ligação entre a teoria e a prática num contexto falso. Alega ter a prática existente subordinado a atividade científica. Contudo, a unidade entre a teoria e a prática expressa-se em algo de muito concreto que, no caso, é a atividade do Partido Comunista. Tal atividade não é nenhum “reino do praticismo”, mas atuação consciente entre as massas visando à revolução. Através dessa atividade, comprova-se o valor das idéias que a inspiram. As vitórias na construção do socialismo, os êxitos dos partidos proletários antes da implantação do revisionismo, de onde decorrem? Do praticismo estéril? Ou efetivamente da unidade entre a teoria e a prática, uma vez que toda atividade organizada reflete determinada concepção? A industrialização da URSS, a coletivização da agricultura, a vitória na guerra contra o nazismo, a permanência da Albânia no campo socialista, a defesa do marxismo-leninismo com a consequente reestruturação do movimento operário mundial – tudo isto só foi possível graças à unidade entre a teoria e a prática na atividade partidária. Ou esses fenômenos não correspondem à ciência social? Também na esfera das ciências naturais registraram-se avanços notáveis, como, por exemplo, o domínio da energia nuclear que comporta um conjunto de atividades científicas, domínio já bastante avançado na União Soviética nos meados da década de 1950.
 
LUTA DE OPINIÃO À MODA SOCIAL-DEMOCRATA
Nelson Levy revela uma compreensão totalmente errônea acerca do autêntico partido marxista-leninista, Segundo suas opiniões, tal partido, no fim das contas, não passaria de um clube em que imperam discussões e debates intermináveis, um partido aberto onde penetrem todas as ideologias, no qual coexistam “no interior de uma unidade maior” linhas antagônicas. Um partido semelhante jamais seria marxista-leninista, revolucionário, proletário, mas revisionista e social-democrata, burguês. Teríamos, queiramos ou não, o pluralismo ideológico no Partido, que o levaria fatalmente à desagregação orgânica, ao ingresso em seu seio de todo tipo de elementos burgueses, oportunistas e revisionistas.
Ele se declara explicitamente contra a unidade de pensamento no Partido e, em consequência, um partidário da liberdade para manifestações de diversas correntes ideológicas em seu seio. “O monopolismo de ação (…) foi estendido – afirma – ao plano das idéias, criando-se então um absurdo, e surrealista monopólio do pensamento”. Que monopólio? O pensamento dominante num partido operário é marxista-leninista, que não pode coexistir com qualquer outro pensamento. Grotesca e idealista é a separação que faz entre a unidade de pensamento e a unidade de ação. A unidade de ação apóia-se na unidade de pensamento. Sem tal unidade (à base do marxismo-leninismo) não há nem poderia haver unidade de ação. Buscar a unidade de ação separada da de pensamento é tão disparatado como antidialético. Repetir-se-ia a fábula do burro de Buridan, cada qual puxando para o seu lado, no esforço vão de alcançar o maço de feno.
Na história do movimento operário conhece-se a disputa entre bolcheviques e mencheviques dentro de um mesmo partido, até 1912. Apesar de alguns acordos formais, jamais foi alcançada a unidade de ação. Porque não existia a unidade de pensamento, a unidade ideológica. Os bolcheviques defendiam posições revolucionárias, enquanto os mencheviques orientavam-se para o oportunismo. É certo que os bolcheviques nunca temeram “as lutas novas e constantemente renovadas”, sempre, porém, contra as teorias e os adversários do marxismo jamais admitiram o pluralismo ideológico dentro do Partido. “A famosa liberdade de crítica (dos oportunistas) outra coisa não é – asseverou o chefe do bolchevismo – senão a liberdade de prescindir de toda teoria coerente; significa ecletismo e falta de princípios”.
Isto não implica obscurecer divergências nas hostes comunistas. A crítica e a luta de opiniões são necessárias, não negam, entretanto, a unidade de vontade. Realizam-se, nos limites da concepção única de luta do proletariado. Ao final de uma discussão e tomada uma decisão, prevalece a unidade de vontade e de ação.
O autor de A Crise do Imperialismo e a Revolução não faz nenhuma distinção no caráter das contradições e das divergências no seio do Partido e do movimento comunista. Quer simplesmente liberdade de opinião. Não obstante, há contradições (e divergências) antagônicas e não-antagônicas. Diferente é o tratamento que se dá a umas e a outras. Uma coisa são as discussões e debates entre companheiros que permanecem nas posições marxistas-leninistas. Outra coisa é quando se trata de ponto de vista completamente contrário aos interesses do proletariado. As primeiras são admissíveis e mesmo salutares, levam adiante o desenvolvimento do Partido e do movimento comunista; as segundas, se se conservam dentro do Partido e do movimento comunista, conduzem à sua destruição. Este tipo de contradições se supera com a expulsão de seus portadores do Partido.
A acusação de que foi abandonada a luta de opiniões, em consequência de uma “concepção metafísica de unidade que vigorou ou vigora ainda no interior de cada partido e do movimento comunista internacional”, é totalmente inverídica, traduz, isto sim, uma abordagem metafísica do referido autor sobre esse assunto. O movimento operário registra constantes lutas de opiniões que se travam no seio de cada partido e no conjunto da organização mundial do proletariado. No período de Stalin à frente do Partido Bolchevique, e como chefe do movimento comunista internacional, verificaram-se inúmeras controvérsias girando sobre os mais diferentes temas. Ainda antes de sua morte, em Problemas Econômicos do Socialismo na URSS, ele desenvolve sólida argumentação, polemizando sobre questões teóricas e políticas de grande alcance envolvendo vários membros do Partido que, livremente, a ele se dirigiram contestando seus pontos de vista. Muito esclarecedora é também a polêmica entre Stalin e Tito, acerca de problemas fundamentais da revolução e do socialismo.
Após a instauração do revisionismo na União Soviética, quem pode desconhecer, a múltipla e complexa luta de opiniões desenrolada em cada país e em escala mundial pelos marxistas-leninistas? Quem pode omitir a polêmica do PTA, Enver Hoxha à frente, com Kruschev e companhia? Os revolucionários brasileiros enfrentaram dura luta contra os revisionistas crioulos, em defesa do Partido da classe operária. Cotidianamente, em todos os Partidos observam-se diferenças de opiniões, de princípios no plano ideológico e prático: o movimento comunista, em geral, não deixou de combater as correntes hostis ao marxismo-leninismo. Essas, no entanto, não são, ao que parece, lutas de opiniões para N. Levy. Ele advoga a coexistência, no mesmo partido ou movimento, de ideologias diversas, antagônicas do ponto de vista de classe, em debate Permanente. No PC do Brasil, ele e seus iguais queriam campo livre ao debate entre liquidacionistas, abertos ou disfarçados, e os comunistas que defendiam e defendem a existência do seu Partido, entre os que projetavam assaltá-lo para transformar o seu caráter e os que resistiam a esse assalto. A unidade do Partido é incompatível com semelhante luta de opiniões. E se ocorre, apesar de tudo, encontra em seguida o seu desfecho inevitável. Unidade que não se baseie nos princípios não é unidade marxista-leninista. A concepção de unidade de Nelson Levy é exatamente a que se observa entre os partidos revisionistas, sobretudo os eurocomunistas, e os partidos social-democratas. São partidos ecléticos, burgueses, onde há de tudo. Somente eles se dão ao luxo de admitir a liberdade de frações em suas fileiras porque não visam à revolução e sim ao chamado jogo democrático nos quadros do regime burguês.
Imbuído de tal concepção, volta-se também contra a III Internacional, fundada por Lênin, ainda que sem mencioná-la pelo nome. Diz que essa organização mundial da classe operária, “transformada numa entidade onipotente, onisciente, infalível e incontestável” teria influído no processo de “dogmatização” do marxismo, “vibrado um golpe mortal sobre o espírito crítico na órbita do marxismo”, e conduzido “ao empirismo burguês” e a um “forte sentimento de rejeição pela teoria e pela ciência”.
A natureza da sua crítica é a mesma em relação com as outras questões já apresentadas – subjetivista e liberal-burguesa. A criação do Komintern e sua atividade durante quase um quarto de século revestiram-se de significado histórico nas condições em que ele surgiu e atuou. Independentemente de alguns erros cometidos e das limitações históricas inevitáveis, representou um grande e insubstituível papel no movimento operário e comunista internacional. Ajudou a formar e a consolidar numerosos partidos proletários de tipo leninista em todo o inundo. Encarregou-se de sistematizar a experiência da luta revolucionária e de definir com justeza – coletivamente, em seus congressos, e não como um centro deificado – os caminhos para o avanço da revolução e para o fortalecimento dos partidos proletários. Ao contrário de ter matado o espírito crítico, despertou e estimulou a criatividade combativa da classe operária. Muitas de suas decisões de repercussão mundial originaram-se da experiência vivida em determinados países. A tática vitoriosa de frente-única e frente popular contra o fascismo nasceu na França e na Espanha e foi generalizada no 7º Congresso da IC. Nessa generalização incluiu-se, outrossim, a experiência brasileira da organização da Aliança Nacional Libertadora, mencionada por Dimitrov como um bom exemplo para os países dependentes. Particular destaque na atividade do Komintern teve também o desmascaramento das tendências de direita e de “esquerda” que surgiram depois da morte de Lênin, sobretudo do trotskismo e do bukharinismo. A Internacional Comunista reforçou a unidade dos operários de todo o mundo, e incentivou a solidariedade entre os trabalhadores.
No período de atuação do Komintern, o movimento operário e comunista adquiriu desenvolvimento impetuoso e sem precedentes, cujos resultados se positivaram em particular na Alemanha, França, Espanha, nos países da Europa Central e Sul-Oriental, resultados que levaram aos grandes e históricos triunfos das revoluções populares numa série de países, onde, em seguida, venceu o socialismo. A influência positiva do Komintern foi igualmente enorme nos partidos operários de todos os Continentes, incluindo os da América Latina. INCONFORMISMO COM A CRÍTICA AOS REVISIONISTAS
Nelson Levy, na Introdução do seu ensaio, examina sob prisma antimarxista a posição que tomaram os marxistas-leninistas com relação ao revisionismo contemporâneo. Julga que a crítica aos renegados do socialismo partiu de posições dogmáticas, o que teria inibido “a criatividade no próprio campo do marxismo e, ironicamente, impediu um aprofundamento da crítica ao próprio revisionismo”. É preciso ter acumulado muito rancor pequeno-burguês, enfatuado, para fazer semelhante acusação.
Sabe-se que a crítica ao revisionismo contemporâneo, quer na forma soviética, chinesa e outras, foi feita, desde os primeiros momentos, pelos marxistas-leninistas em todo o mundo. A criação dos novos partidos marxistas-leninistas é um dos principais resultados dessa crítica consequente. Tal posicionamento contra o revisionismo não surgiu dos setores intelectuais que hoje criticam o marxismo. Estes setores, em geral, o aceitaram durante muito tempo e somente o repudiaram, se é que chegaram a repudiá-lo realmente, quando o seu desmascaramento já se tornara demasiado evidente.
A denúncia do revisionismo constituiu um grande mérito histórico dos que o detectaram e o atacaram na defesa dos postulados do marxismo-leninismo. Eles não se deixaram embair pelos argumentos falaciosos de Kruschev e seus seguidores, tentando justificar sua traição à causa do proletariado com a alegação de que existia uma nova situação no mundo, exigindo a “atualização” do marxismo. Nem tampouco com a fundamentação capenga do maoísmo a respeito da teoria dos três mundos, também alicerçada em supostas mudanças verificadas sobretudo no mundo colonial e dependente depois da Segunda Guerra. Demonstraram, assim, espírito critico aguçado, capacidade de análise aprofundada de questões complexas do movimento operário, maneira de proceder radicalmente oposta ao dogmatismo. Souberam não apenas identificar o revisionismo, como apontar seus diferentes matizes. A crítica a essa modalidade de social-democratismo ganhou profundidade nestes vinte anos de combate sem tréguas ao revisionismo soviético, ao chamado eurocomunismo, ao titismo e, mais recentemente, ao revisionismo chinês. E, nesse processo, evidenciou a transformação da URSS e da China em países social-imperialistas. Além do mais, a crítica dos marxistas-leninistas não se limitou ao revisionismo tal como surgiu. Dirigiu-se também contra aquelas correntes que tentam revisar o marxismo – outra forma de revisionismo – sob o ângulo do pretenso combate ao dogmatismo, combate que não visa ao revisionismo, mas aos fundamentos do marxismo-leninismo. Desse modo, a critica se desenvolve em duas frentes: contra os revisionistas abertos e contra os que se disfarçam de marxistas “criadores”, tal como Nelson Levy. Que a crítica dos marxistas-leninistas ao revisionismo tem sido profícua e aprofundada não há dúvida. E foi por isto que se chegou à compreensão global dos erros revisionistas do maoísmo.
Os ideólogos burgueses e revisionistas fazem grande estrépito para “comprovar” que o capitalismo atual não é mais o que foi caracterizado por Marx, nem também por Lênin na etapa do imperialismo. Eles falam de uma “nova” fase pós-imperialista, ou de uma “nova” sociedade pós-industrial etc. Ninguém nega as mudanças efetuadas e os novos fenômenos surgidos no capitalismo de nossos dias, que estão ligados com o desenvolvimento do capitalismo monopolista de Estado, com a maior intervenção estatal na vida econômica dos diferentes países, com a criação de uma série de organismos internacionais como o Mercado Comum e a Europa Unida, com a ampliação das atividades das empresas multinacionais, com a substituição do velho colonialismo pelo neocolonialismo etc. Mas estas mudanças e fenômenos não afetam em absoluto a natureza do capitalismo, as leis que o regem nem fazem desaparecer as contradições essenciais que o corroem no interior mesmo do sistema. Não alteram os traços fundamentais do imperialismo definidos por Lênin, senão que os acentuam mais ainda.
Não é verdade, como escreve Levy, que o revisionismo “apenas há muito pouco tempo fala em ‘inovação'”. Parece que o autor dessa tirada desconhece totalmente os informes de Kruschev e Brejnev e uma tonelada de artigos e ensaios soviéticos publicados desde 1956, apresentando as novas condições existentes no mundo como razões válidas para justificar mudanças substanciais na maneira de o marxismo encarar problemas importantes de nossa época. De onde surgiu a tese da “coexistência pacífica” kruscheviana? Ou as idéias sobre a pretensa possibilidade de evitar a guerra, mantendo-se o quadro atual da dominação imperialista? De onde brotou (ou serviu de pano-de-fundo) a concepção da passagem pacífica (por meios eleitorais) ao socialismo, imediatamente encampada pelos partidos da França, Itália e outros países? É evidente que surgiram das “inovações” revisionistas baseadas nas modificações ocorridas após a Segunda Guerra. E assim tem sido sempre. A revisão do marxismo, desde Bernstein, aparece falsamente mesclada com a necessidade de dar solução aos problemas novos. Hoje, os “críticos” do marxismo-leninismo, estribando-se nos fenômenos novos, querem também revisar a doutrina do proletariado. Eles se apresentam de modo mais sofisticado: não falam em rever, mas em atualizar o marxismo. Que é, porém, a “atualização” do marxismo que Nelson Levy deseja? No fundo a sua revisão, sob o pretexto de haverem surgido “novas condições” e ter-se dogmatizado a ciência de Marx, Engels, Lênin e Stalin. Para ele, o marxismo envelheceu, já não serve, tal como é, para analisar as questões “novas”.
Inúmeros são os trabalhos publicados pelos marxistas-leninistas e por elementos progressistas criticando a argumentação e a caracterização dos tais fenômenos novos por parte dos ideólogos burgueses. São muitas as obras rebatendo a “inovação” kruschevista acerca da guerra, da evolução pacífica, da coexistência pacífica, das crises capitalistas (que se teriam tornado mais raras e até poderiam ser evitadas) etc. Essa crítica se fez à luz do marxismo, dos princípios fundamentais da luta de classes. O último livro de Enver Hoxha – Eurocomunismo é AntiComunismo – assim como a sua obra a respeito de “A ‘Autogestão’ Iugoslava” são importantes contribuições no desenvolvimento da crítica ao revisionismo. É indispensável aprofundar ainda mais as causas do surgimento do revisionismo contemporâneo, da degenerescência burguesa dos partidos outrora comunistas e dos países ex-socialistas, assim como a crítica aos pontos de vista e posições dos revisionistas. Isto procuram fazer os autênticos marxistas-leninistas, e cada vez melhor.
 
O MAOÍSMO E A TEORIA DOS TRÊS MUNDOS
Na Introdução de seu livro, Levy refere-se, descontente, a certos aspectos da luta contra o maoísmo e à teoria dos três mundos até aqui realizada.
Mostra-se inconformado com a denúncia do pensamento Mao Tsetung feita pelos marxistas-leninistas. Segundo ele, o maoísmo teria sido “assimilado em bloco e acriticamente, ou no máximo, com tênues e intuitivas críticas (…) o pensamento de Mao Tsetung, na medida em que revela prováveis relações com o fracasso da edificação socialista na China, começa agora a ser negado tão assistematicamente quanto foi exaltado”. São claras, neste raciocínio, as restrições à crítica efetuada pelo movimento comunista mundial e, de certo modo, exprimem o pesar de que o maoísmo tenha sido negado “assistematicamente”.
Não por acaso, Nelson Levy – que diz (elogiando-se) haver-se mantido “fiel à unidade entre o materialismo histórico e dialético” ao abordar a teoria dos três mundos – tenha silenciado sobre as fontes teóricas e ideológicas (o pensamento Mao Tsetung) de onde surgiu a problemática dos três mundos, uma vez que tal “teoria” não é mera invenção de Deng Xiaoping, nem apareceu de improviso, sem ligação no passado, em seu discurso na Assembléia da ONU, ainda em vida de Mao Tsetung. Não é também por acaso que fala só de prováveis relações do maoísmo com o fracasso do socialismo, incapaz de ver os acontecimentos da China como consequência direta das concepções do velho líder chinês. Esse “assistematicamente” parece induzir, de sua parte, o reconhecimento de que no pensamento de Mao Tsetung existiriam boas coisas que devessem ser incorporadas ao marxismo. É o que pressupõe suas críticas às críticas dos que rechaçaram radicalmente o ponto de vista maoísta.
Mao teve grandes méritos na revolução democrática e antiimperialista na China como Fidel teve êxito na revolução em Cuba sem nunca ter sido marxista. Mao foi o fundador da República Popular da China. Não obstante, o chamado pensamento Mao Tsetung é, em essência, uma corrente antimarxista, revisionista, que se fazia passar por marxista-leninista. A luta contra o imperialismo e o revisionismo e a necessidade de levar adiante a causa da revolução da libertação nacional dos povos e do socialismo exigem o completo desmascaramento do maoísmo. É uma questão de princípios, uma questão política, uma questão dialética. Houve – e isto foi reconhecido por todos os marxistas-leninistas – exageros na exaltação de Mao e do maoísmo. Mas não foram tão “tênues e intuitivas” as discordâncias com a orientação chinesa e o pensamento de Mao Tsetung, antes de sua denúncia pública. Somente a “subjetividade” de Levy pode formular semelhantes asnices. O Partido do Trabalho da Albânia, assim como o Partido Comunista do Brasil, por exemplo, jamais aceitaram Mao Tsetung como clássico, nem o seu pensamento como nova etapa no desenvolvimento do marxismo-leninismo. Estas são restrições substanciais, conscientemente adotadas, apoiada nos princípios. O maoísmo nunca foi rechaçado assistematicamente, mas como resultado de longa observação da prática social, da conduta do PC da China em relação com problemas de capital importância. A análise séria ao longo de vinte anos realizada por Enver Hoxha, constante dos dois grandes tomos de sua obra Reflexões sobre a China, comprova essa afirmação. Inegavelmente, o conhecimento dos fenômenos, e ainda mais, dos fenômenos sociais complicados, não se pode fazer dentro de um dia. Este conhecimento passa por um processo dialético que se vincula com o próprio processo do fenômeno dado; à medida que ele evolui, também evolui o conhecimento a seu respeito.
Embora Nelson Levy se pavoneie de haver feito, em seu livro, um combate científico à mistificação trimundista, não foi consequente. Fugiu à caracterização da fonte dessa pretensa teoria. E esta, sem dúvida, é a questão mais importante quando se trata de ir ao fundo do trimundismo chinês. Na elaboração dessa “teoria” há determinada posição de classe. Não basta assinalar, de passagem, que “tanto a luta anti-hegemonista quanto a teoria dos três mundos em seu conjunto representam uma expressão ideológica de certas frações da burguesia dos países dependentes”. É preciso buscar na própria China as razões da postura ideológica adotada. E esta reside em que Mao Tsetung e seus colaboradores mais próximos nunca tiveram uma concepção proletária do mundo. Equivoca-se o autor do livro A crise do Imperialismo quando afirma que “a teoria dos três mundos retira a China do campo socialista”. Pelos fatos e dados já examinados amplamente, esse país não chegou efetivamente a ingressar no caminho socialista. Não passou dos limites da etapa democrática e antiimperialista. Daí por que a “teoria” dos três mundos, como igualmente a afirmação categórica de Mao Tsetung de que a China “pertence ao terceiro mundo”, não fazem mais do que confirmar essa asserção. E se a concepção, antes predominante, exprimia a maneira de encarar o mundo da pequena-burguesia e de setores da burguesia nacional, evoluiu – do que é prova a “teoria” dos três mundos e a política de “modernização” atual – para uma concepção de grande burguesia, de conotação imperialista. Neste sentido não é, como afirmou Levy, uma simples “expressão ideológica de certas frações da burguesia dos países dependentes”.
Posando de original e grande teórico, Nelson Levy diz que evitou “travar com a teoria dos três mundos uma guerra vulgar de citações dos clássicos”. Na realidade, ele absteve-se de refutar, no campo teórico e ideológico, talvez por deficiências próprias, os argumentos falsos do artigo de Remin Ribao (Diário do Povo), órgão da direção do PC Chinês. Esse artigo, que serviu de base à sua contestação, está, em boa parte, ”fundamentado” em citações que deturpam os clássicos, a fim de confundir os leitores. Trata-se de assunto importante porque os revisionistas chineses buscavam, com esse trabalho, mostrar que eram marxistas-leninistas e estavam respaldados nas opiniões dos clássicos. Como desmascará-los sem revelar, em profundidade, suas deturpações de Marx, Engels, Lênin e Stalin? No período da bancarrota da II Internacional – quando Kautsky e seus adeptos distorciam o verdadeiro conteúdo do pensamento de Marx e Engels numa questão essencial como era a natureza do Estado, a fim de se contraporem à ditadura do proletariado – Lênin não vacilou em fazer longas citações dos fundadores do socialismo científico, em defesa de sua doutrina, para patentear o oportunismo de Kautsky, sua renegação da causa operária, pondo em destaque, ao mesmo tempo, a essência revolucionária do marxismo (ver O Estado e a Revolução, Lênin). Há, certamente, motivos que induziram Levy a desaceitar a confrontação nesse plano contra os autores do artigo de Remin Ribao. Não deseja defender o marxismo-leninismo apoiado nas idéias de seus criadores. Isto seria dogmatismo… E aí transparece o real significado do seu combate ao dogmatismo.
 
A DESCOBERTA DO JÁ DESCOBERTO
Na parte final da Introdução ao seu livro, Levy declara que “a conclusão que me parece de maior valor, mais fundamental, foi a constatação de que a classe operária, também na grande maioria dos países neocoloniais e dependentes, está sendo posta no centro da época atual, transformando-se, portanto, no eixo da luta de emancipação nacional e social dos povos oprimidos”. Daí ser essa conclusão uma constatação devastadora para as teses reformistas, que ainda insistem em conceber a luta antiimperialista nos limites de uma “revolução” “sob a hegemonia da burguesia”.
Levy descobriu, afinal, o que já estava descoberto faz muito tempo. Somente que, para ele, a classe operária daqueles países ainda está sendo posta no centro da época atual, quando é certo que ela está no centro desde há muito. Lênin no período da III Internacional examinou muitas vezes esta questão. E Stalin também. Durante o curso da revolução na China, o Komintern martelou bastante na tecla da hegemonia do proletariado na revolução desse país, que era o maior país semicolonial do mundo. E são inúmeros os exemplos mais próximos. Em 1971, no VI Congresso do PTA, assim se expressava Enver Hoxha: “A classe operária, enquanto mais revolucionária da sociedade, pode, e deve, pôr-se à frente e dirigir não só a luta pelo socialismo, como também a luta pela democracia e a independência nacional”. “Lênin – disse ele – fundamentou isto deste há mais de meio século, o que é ainda mais certo nos dias de hoje, quando a classe operária cresceu, temperou-se, educou-se e organizou-se numa escala superior, e quando as tarefas democráticas e socialistas se aproximaram e entrelaçaram ainda mais”. O Partido Comunista do Brasil, na VI Conferência, em 1966, afirmava enfaticamente: “A hegemonia na primeira etapa da revolução é problema fundamental para a classe operária. Por ser a força mais avançada da sociedade e infensa a toda sorte de exploração não se limita aos objetivos democráticos burgueses. Está interessada no socialismo. Tem em mira, uma vez cumpridas as tarefas democráticas e nacional-libertadoras, passar à etapa socialista, o que só se alcançará conquistando a direção do movimento”. Também no artigo Acerca da Luta Antiimperialista, editado em 1973, afirma-se: “A questão da revolução ou do caminho pacífico está relacionada com o problema da direção do movimento antiimperialista, da força social que pode dirigi-lo com êxito. (…) Apenas o proletariado pode ser o dirigente do movimento antiimperialista. Nenhuma outra classe, na atualidade, tem interesse em levar até o fim a luta contra a reação e o imperialismo. Unicamente o proletariado pode imprimir firmeza e consequência a esse movimento. (…) O fato de, em muitos países, o proletariado não ter ainda assumido essa posição, devido à traição do revisionismo e ao longo predomínio do reformismo, não invalida esta tese. Mais cedo ou mais tarde, romperá com o oportunismo e colocar-se-á à frente das massas populares para as levar ao triunfo”. Como se vê não é de hoje que o movimento comunista aponta a direção da classe operária na luta de emancipação nacional e social dos povos oprimidos. Talvez Nelson Levy, apesar de tudo isto, ainda acreditasse numa “revolução” nacional-democrática sob a hegemonia da burguesia. E agora chegou à conclusão de que isso não corresponde à realidade. Constatação devastadora, seguramente, para a sua maneira de pensar…
 
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Em conclusão. Depois de assinalar que considera o seu livro como uma “participação nos debates das principais questões do nosso tempo”, Levy expressa o desejo de que esse debate um dia será “feérico e vibrante”, conclamando os leitores, implicitamente, a marchar pelo caminho por ele percorrido. Porém, qual é o seu caminho? É o caminho da luta contra o marxismo-leninismo sob a máscara da luta contra o dogmatismo; do combate ao partido autêntico da classe operária, sob a estúpida alegação de que se deve acabar com o monopolismo ideológico; da investida contra o método e o estilo revolucionário do proletariado na luta de classes, tidos como estreitos e sectários; do ataque ao socialismo científico que não passaria de um amontoado de erros. É a mesma senda por onde enveredaram e se perderam no lodaçal do revisionismo os intelectuais pretensiosos, burgueses e pequeno-burgueses, que se apartaram da convivência política e ideológica com o proletariado avançado, descrentes da revolução e do comunismo.
Que faça bom proveito! 
EDIÇÃO 1, MARÇO, 1981, PÁGINAS 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14